Promessas feitas, de mais tarde, orientar esse exercício com material que fui arquivando ao longo dos anos.
Diverti-me com as posturas adoptadas por cada visitante, tentando visualizar essas pinturas… o próprio Dali, se socorria de um espelho prismático, para aqueles que não conseguem colocar o olhar para trás da figura observada. Dali aborrecia-se ficando triste e decepcionado consigo mesmo, quando os amigos não conseguiam descortinar aquilo que ele tinha intenção de representar.
Penso que a maioria dos visitantes avaliou aquelas pinturas como mais um trabalho escultórico, deste pintor experimental, sem visualizar exactamente o que Dali pretendia, a 3ª dimensão.
Como sempre, dispus de algum tempo para observar os visitantes - mania minha, de ficar a apreciar a interacção que se produz entre a obra de arte e os receptores, ler o olhar que se defronta com obras clássicas utilizadas de forma obsessiva no surrealismo, imaginar o que cada um imagina, sentir as surpresa incontidas perante o bizarro e a imprevisibilidade.
Saímos, contornamos o resto do edifício, pois eu procurava as minhas lembranças de menina.
Tomei conhecimento da existência de Dali, era ainda menina de duas tranças, através de um documentário que passou no cinema Império, em Luanda, mesmo no final da década de 60.
Tratava-se de um pequeno registo em cinema, sobre um evento qualquer, que Dali promovia em relação à sua própria imagem, expondo a sua genialidade de forma despudorada, excêntrica, provocadora e escandalosa, no mar mediterrâneo, provavelmente na sua casa em Portlligat, na Costa Brava.
Nem sei bem, como esse filme passou através da censura do regime fascista!!!
Nunca encontrei ninguém que ainda se lembre desse registo.
Não me lembro de grandes pormenores… mas sei que nesse momento, virei voyer, no sentido estético do termo.
O homem dos bigodes extensos, todo vestido de branco, que nascia na tela a partir de um grande ovo, impressionou-me de forma invulgar. Ficaram-me gravadas na memória a forma como ele pintava e bem, no meu entender infantil, espaços reais, mas ao mesmo tempo… eu ainda não sabia o que era surrealismo, o que era o metafísico, mas as imagens passaram a habitar a minha mente em crescimento… as muletas, os relógios, as deformações, as gavetas, as bexigas, moscas, os corpos em suspensão, girafas em chamas, os ovos, os ângulos de visão em contrapicado… tudo isto se apresentou para mim, como uma porta lúdica, aberta à descoberta, que tento utiliza-la ao longo dos anos.
A pintura “O sono” viria a reencontra-la passados dois ou 3 anos, como capa de um álbum de musica.
Uma parte do edifício tem a platibanda com ovos gigantes fazendo lembrar ameias de um castelo. São a imagem de marca do museu Dali.
Os ovos, são simbolos da fertilidade, talvez associados a fertilidade/genialidade do percurso de Dali. Há ali qualquer coisa que se aproxima ao kitsch, de forma intencional.
Lá fiz eu a tal associação às minhas imagens de há décadas atrás, que habitam a minha mente em contracto permanente, procurando explicações e referências, que substancializem as formas recordadas …
Os ovos aparecem também na praça de Touros de Barcelona… Dali nem tinha grandes ligações ao mundo tauromático, pintou apenas uma tela com esse tema…. Deve haver uma explicação… talvez relacionada com as suas recordações visuais, intra-uterinas, que afirmava possuir.
Ainda não encontrei a respostas a todas as minhas interrogações de criança!
“Dali, ame-o ou deixe-o”, foi esta a frase do centenário do seu nascimento, eu continuarei a amá-lo, para o entender.
Voltarei sempre!
Diário de viagem, IV de 2007
6 comentários:
Ame-o ou deixe-o...
Dali sempre!
Gostei desta viagem a um mundo totalmente desconhecido de mim
Ana: Quando nos ensinas a olhar as tais imagens?... procurei na net, mas fiquei na mesma.
Os albuns estão muito bem.
J. Alves
O seu blog está muito bonito.
Aqui também aprendo.
Beijo
Joana Isabel
Anabela:
Acordei sobressaltado, embrenhado que estava num livro, pois, esquecera algo. Algo de muito importante: comentar o teu diário IV de 2007!
Antes tinha abraçado o blog muito interessante do teu amigo com raízes africanas. Desculpa o atraso. Estou a escrever este comentário à 1 hora e meia da manhã. Um sacerdócio, é como o encaro e, que amplamente, mereces. Plenamente. Pela fidelidade e franqueza como sempre faço.
Da tua aventura de fascínio à mente de Dali, destaco alguns aspectos que me parecem, humildemente, mais marcantes. A expressão do olhar dos visitantes, a sua postura algo desconhecedora e a ignorância do que chamas às suas obras de 3ª Dimensão. A obra e os receptores, a maneira de a visualizar e, a cumplicidade que se instala entre estes, é muito importante. (São palavras tuas).
O que mais me enternece é de recordares os tempos de menina. Da tua terna e doce meninice e, lhe acrescentes, Dali. Isto é espantoso! Uma menina tão bela e pura, mas tão pequena, gostar de Dali? Impensável, para qualquer criança deste planeta que é o nosso. Os meus sinceros parabéns. Como és capaz de relembrar: A Arte despurada, excêntrica, provocadora e escandalosa? Notável. Só de uma linda menina como tu. As respostas e interrogações àcerca da obra e do homem. Oh, Anabela, BOA! Um homem nascido da tela a partir de um ovo parece-me admirável. Só de Dali e de um ignorante como eu.
Olha, adorei.
Espero que a tua fome de infinito tenha ficado saciada!(Palavras tuas).
Quando vais outra vez visitar Dali? Levas-me contigo? Nem que seja numa mala enorme para lá caber? Bem escondido e tirando notas, deste aluno teu em que me transformei e se deslumbra com o potencial que reflectes e afirmas, em tudo o que fazes e dizes.
Com muito respeito e Estima
Vemo-nos na reunião do Departamento.
Beijos.
pena
P.S. Desculpa o atraso do comentário e, não ficar como desejava, mas estou a cair de sono.
Foi feito com muita humildade, empenho e admiração!
Também estou interessada na estereoscopia, voltarei para ver se consigo topar algo.
Elisa Silva
Hello, as you can see this is my first post here.
Hope to get any help from you if I will have any quesitons.
Thanks and good luck everyone! ;)
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