18 setembro, 2014

Portugal está um país feio


Portugal está um país feio

                Uma circunstância infeliz da minha vida forçou-me, a passar estas férias circunscritas ao local onde vivo. Passei pelos mesmos sítios de sempre, repeti fotos, descobri novas realidades que por vezes se apresentam invisíveis, estendi olhares sem pressa, associados a reflexões outras vezes construídas, ou seja aproveitei a imobilidade de forma criativa e como sempre obedecendo ao meu espirito critico.

                O gosto educa-se? Aquela questão com que muitas vezes trunfamos para justificar erros e alarvidades visuais, voltou a emergir na minha cabeça, onde as questões estão armazenadas em abundância.

                Portugal está um país feio. MESMO FEIO! Acho eu e os outros.

                Esta é uma verdade incontornável.

                A arquitectura que invade o nosso horizonte, seja em que sítio for, é de péssimo gosto.

                Os amantes da fotografia devem sempre ter o cuidado de confirmar os enquadramentos, para eliminar ou esconder o que está a mais, os erros arquitectónicos e as aberrações que nascem no meio da arquitectura popular.

                A desordem urbanística é uma verdadeira anedota.

                Quem são os responsáveis? Os arquitectos e os engenheiros? Não.

                Os proprietários? Seria fácil dizer que sim, confirmar a sua culpa já que são eles os agentes activos. Mas não são. Os proprietários só constroem o que lhes deixam construir.

                Os grandes culpados são os autarcas deste país. Demoraram anos e anos para criar e aprovar PDMs e entretanto iam aprovando atrocidades, dentro e especialmente fora das cidades. Todos os autarcas deveriam ter uma política de organização do território e aplica-la com rigor. Já sabemos que a maior parte dos autarcas não tem formação nessa área, mas têm equipas e técnicos dentro das câmaras municipais. Tiveram inclusivamente gabinetes de apoio técnico, os GATs que não foram rentabilizados como deveriam ser, os técnicos estavam lá. Seria difícil seguir o princípio da não invasão dos solos agrícolas com construção?

                Cada um fez a sua casa onde quis. As redes de abastecimento de água são redes irracionais, dispersas, em que todos nós pagamos ao metro linear. Criar redes de esgotos para esta maluqueira urbanística é uma utopia e assim cada construção tem uma fossa que vaza os detritos para os terrenos adjacentes.

                Os autarcas assobiaram para o lado, durante 40 anos, têm fechado os olhos à sua própria incompetência. Foram 40 anos de asneiras sucessivas, somadas e multiplicadas, com ou sem PDMs.

                E a arquitectura?

                Quem domina o território são projetos de engenheiros sem qualquer formação estética. Aquela afirmação, “Gostos não se discutem”, tem servido para viabilizar a construção de edificações sem serem concebidas pelos profissionais que têm esse saber e direito. Esta situação que se chama falta de ética profissional, foi alastrando sobre a forma de vírus pelas cidades, aldeias e a natureza que as rodeiam. Hoje temos um Portugal feio, muito feio. As aldeias estão descaracterizadas, os solos agrícolas e as veigas entre montanhas estão pulverizadas por construções que assumem o mau gosto dos proprietários, dos seus autores e dos seus autarcas. Qual integração? Qual valor patrimonial? Qual valor arquitectónico? Existe por vezes um excesso de rigor nas cidades e uma permissividade catastrófica nos aglomerados rurais que definitivamente comprometem a paisagem deste país. As construções novas surgem desintegradas da paisagem e também não valem por si, porque arquitectonicamente são umas nódoas.

                Costumo dizer que, daqui a uns milénios, quando as gerações futuras ou então os ETs que desaguem por aqui, avaliarem o Homem actual deste país chamado Portugal, deduzirão que temos diversas neuropatias, entre as quais aquela que impede o Homem de se expressar arquitectonicamente com uma linguagem própria do seu tempo, e assertiva com todas as outras formas de arte suas contemporâneas.

                Os meus caros e amigos engenheiros que me desculpem, mas projectam com um papel milimétrico dentro da cabeça, sem qualquer sensibilidade ao espaço, à volumetria, à composição, à envolvente, à história e aos utentes. Projectam à engenheiro como é o seu dever. Para eles, linguagem arquitectónica ou fruição estética são verdadeiros palavrões. Temos que reconhecer que todos nós saberemos desenhar uma casa, só que uns fazem-no melhor do que os outros.

                O resultado é este, é tudo aquilo que invadiu a paisagem portuguesa e nos faz entristecer. Projectar bem é conciliar de forma criativa, a forma com a função, assumindo com dignidade e orgulho a linguagem arquitectónica de cada tempo. As construções fazem-se grandes e caras. Alguns proprietários fazem questão de dar visibilidade à ostentação e ao seu poder económico, e estão no seu direito, mas fazem-no tão mal! recorrem a técnicos, não a arquitectos. Surge por vezes um maior cuidado em certos projectos, que infelizmente se resume a umas molduras de granito, em cópias mal feitas do tempo de Raul Lino. Estamos no século XXI, temos tecnologia do século XXI, aplicada em projectos do século XIX - uma neuropatia de 2 séculos.

                De quem é a culpa?

                Dos autarcas. Desculpem eu insistir na acusação. Por vezes basta um conselho, basta mostrar novas tipologias, basta até criar regulamentos municipais com indicações claras sobre as intervenções, basta seguir as orientações de um arquitecto e basta não misturar poder autárquico com lobbies, com especulação, com tráfico de influências… é também da competência dos autarcas a educação estética dos munícipes, e o exemplo tem que vir de cima, obviamente.

                Houve uma época, e não foi há muito, que as autarquias dispensavam o cargo de arquitecto no seu quadro de técnicos, pois normalmente colavam-lhe o rótulo de artista louco, incómodo e “pouco prático”, e quando o tinham, colocavam-no na “prateleira” destinando-lhe a toponímia das ruas da urbe, impossibilitando que opinasse na definição de linhas estratégicas de desenvolvimento. A única vez que me candidatei a um concurso para vaga de arquitecto numa câmara municipal, fui rejeitada por não ter telhados de vidro, ser interveniente, eventualmente não ser permeável a partidarites e por ser mulher. Já foi depois de Abril!

                Estamos a pagar uma factura elevada desta falta de visão, desta inoperância e inércia autárquica global que afecta a todos. Cumprir regulamentos não chega, mas nunca é tarde para mudar, apesar que praticámos erros incorrigiveis… pelo menos agrada-me que peçam desculpa pela perturbação que as obras municipais causam aos munícipes. A educação é sempre positiva e de sublinhar.   

In” Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado”

Anabela Quelhas (aprendente e anotadora de espaços)

Sem acordo ortográfico
Publicado em NVR set 2014