24 abril, 2015

Revoltar abril



REVOLTAR ABRIL

                Constato como se sentem penalizados, aqueles que ouvem falar da revolução de abril, mas não tiveram oportunidade de a viver, ao vivo e a cores, aqui tão perto, tão imprevisível, tão genuína e tão pensada, porque simplesmente ainda não eram nascidos ou então, eram crianças e tudo lhes passou ao lado. Ainda hoje, preparando a data, eu recordava abril com um colega e os outros ao lado, viraram-se para nós, para ouvir melhor o que contávamos sobre os anos de 74 e 75.

- Oh! quantos anos tinhas em 74? Certamente ainda comias cerelac!!!!- perguntei e afirmei eu provocatoriamente.

- Tinha 4,… tinha 5,… ainda não tinha nascido…. Responderam com olhar triste, pois faltou-lhes um “bocadinho assim” para viverem um grande momento histórico, que aliado à irreverência da juventude, se tornou uma marca que une toda uma geração.

                Geração que hoje, olha tudo com uma enorme consciência critica, sobre a situação actual deste pais pretensamente democrático, sobre algumas atrocidades feitas em nome da liberdade e afirmando que ainda há muita história por contar, porque não convém que se conte por enquanto, mas não conseguem fingir um brilho de olhar, recordando aquela época.

                Recordámos os grandes murais pintados nas ruas, onde apareciam sempre a foice e o martelo, realizados pelo PCP e pelo MRPP. Recordámos os cartazes e os autocolantes – as artes gráficas ainda sem recursos tecnológicos ao serviço das máquinas partidárias. Recordámos essencialmente as frases bombásticas, que apareciam nos sítios mais inesperados e emanavam um sentido de humor fabuloso. Não saberemos nunca quem as inventou, a maioria assinada pelos anarquistas (o A maiúsculo rodeado de uma circunferência), mas algumas perduram nas nossas memórias, já perdidos os contextos e as circunstâncias, mas recolocando um sorriso nos nossos lábios, a saber:

- Abaixo a foice e o martelo, Black and Decker ao poder!

- P—as ao poder, porque os filhos já lá estão!

- O socialismo está em construção, visite o andar modelo.

- A China vai de Mao a pior!

- A Madeira tem caruncho!

- Abaixo o odor corporal!

- Abaixo os ovos estrelados, os pintainhos tem direito de nascer!

- Abaixo a reacção. Viva o motor a hélice!

- Mortos da valas comuns, ocupem os jazigos de família, já!

- Se Deus existe, porque não se recenseou?

- O povo unido não precisa de partido.

- Abaixo o sabão amarelo, abaixo a tinta da china! Independência Nacional!

- Abaixo o café de saco e a cevada, cimbalino ao poder!

- Mais vale uma na mão, do que duas no soutien!

- Promoção imediata do leitão a porco.

- Não há eleições. D. Sebastião volta para a semana.

- Deixemo-nos de Barreirinhas, vamos ao salto em altura.

- O Governo é uma m--da. De quem é a culpa, da m--da ou do Governo?

- Queremos dormir com as nossas mulheres!

- Nem mais um anticiclone para os Açores!

- Nem mais um faroleiro para as Berlengas!

- Os galos pedem a nacionalização dos ovos.

- Anarquia sim, mas nem tanta!

- Viva isto, seja á o que for!

                Muito ainda se irá recontar sobre Abril e certamente também esta faceta alegre e satírica dos jovens libertários.

AQ

Publicado em NVR

03 abril, 2015