09 janeiro, 2019

Notícia jornal


Publicado em NVR 9/01/2019

02 janeiro, 2019

OS TRISTINHOS DO NATAL


Os tristinhos do Natal
            Há quem abomine o Natal e assuma uma postura crítica apelando ao consumismo exagerado, à hipocrisia das famílias reunidas à volta da mesa, à obrigação de dar presentes, aos presépios, às árvores de Natal sem sentido, às iluminações de rua, à música que enche as ruas das cidades e à troca de votos de felicidade entre os amigos, às questões religiosas...
            Normalmente os verdadeiros motivos não são esses. Porque se fossem, seria fácil… cada um organiza o Natal como quer. Se quer comprar presentes, compra, se não quer, não compra. Se quer fazer árvore de Natal, faz, se não quer, não faz, se quer enviar felicitações envia, se não quer, não envia. Só passa o Natal em família quem quer. Se há problemas, se considera hipocrisia não compareça à reunião familiar. Quem recebe a família tem uma atitude altruísta e sobretudo dispendiosa, portanto, quem não está bem, não deve comparecer — serão menos lugares na mesa, menos rabanadas para fazer e menos um presente para comprar. Na festa da família deve reinar a paz e a harmonia, se assim não for, não faz sentido e o melhor é não comparecer. Não se junte à família apenas pelos bolos de bacalhau.
            Quando o argumentário é desconstruído, sob o diálogo paciente com um amigo, tornam-se visíveis as mágoas, a perda de alguém e os desencontros familiares. Não é fácil essa desconstrução, porque a reação primeira é sempre a teimosia e a negação. Só mediante muita pressão é que as lágrimas saltam e as palavras se libertam. Os argumentos dilatam para o Reveillon, para o Carnaval e todos os momentos em que a alegria e os afectos  se conjugam, se exteriorizam e se convertem na verborreia do “contra”, com “olhar de cão”, atestando toda a infelicidade do mundo.
            Não compram presentes, desligam o telemóvel dia 24, às 15 h da tarde e só voltam a liga-lo no dia 26, para que ninguém comunique com eles. Metem-se em casa, de preferência na cama e cultivam a infelicidade, entre refeições de chá e torradas. Nem sequer lhes resta a imaginação de irem passear. Metem-se na caverna, isolados do mundo.   
            A morte de um familiar, uma separação, a ausência dos filhos, são motivos válidos para a tristeza de todos os dias e não só no Natal. Quando perdemos alguém de quem gostamos esquecemos que há outras pessoas que gostam de nós e da nossa presença. Todos nós perdemos alguém! Os tristinhos do Natal poderiam pensar na felicidade que as suas presenças podem despertar nos outros, investir na companhia dos amigos e tentar convertê-los na sua família. Os tristinhos do Natal não fazem isso e evitam construir outras redes de afectos; assumem que são casos únicos no mundo para despertar a compaixão dos outros.
            Todos nós já perdemos alguém muito querido e a vida é isto. A vida tem esta faceta cruel e não precisa de ajuda para a tornarmos ainda mais cinzenta.
            Vem aí o Reveillon, um dia igual aos outros, como todos dizem. Vamos chorar toda a tristeza, guardá-la no meio de um papel de seda e olhar à volta… aceitar o convite que nos enviaram para esperar o Ano Novo, olhando as estrelas e o fogo de artifício, e de seguida descer até o mar oferecendo flores a Iemanjá.
            E não esqueça de presentear os amigos, em qualquer momento do ano (tudo menos peúgas, pijamas e cuecas). Eles gostam. Quem não gosta? O carinho é sempre reconfortante. E não precisa de comer orelhas-de-abade, nem assistir pela trigésima vez ao filme “Sozinho em casa” e nem de suportar o mau hálito da tia Elsie.
            Os tristinhos do Natal só têm uma vantagem, a roupa não encolhe.
            Boas entradas.