25 abril, 2018

BEM OS VEJO!


Bem os vejo!

            Tenho a minha rua em obras desde Novembro.
            Abrem buracos, retiram alcatrão, juntam areia, juntam pedras, movimentam máquinas para um lado e para o outro, fecham buracos, voltam a escavar os mesmos buracos, passam os fios de nível, arrumam carretas pás e picaretas no meu quintal, mudam a areia de sítio, impedem o acesso à minha garagem, fazem barulho… tubos empilhados, caixas de visita, condutas de betão encostados aos muros e a rua vai-se enchendo de terra vermelha… a ilusão de uma obra rápida, vai dando vez a uma espectativa inqualificável, do tipo vamos ver o que dá, depois vence o desânimo e o desespero.
            Em Dezembro compro umas botas de obra, com palmilha de aço.
            O vestíbulo da minha casa passa a ser o depósito de sapatilhas e de botas sempre cheias de terra, que se deposita aos carreirinhos consoante a textura da sola das mesmas.
            E o Natal chega.
            Os meus convidados têm honras de tapetes enlameados e tiras de cartão colocadas desde a rua até à porta principal. O Pai Natal estaciona o trenó em contramão na rua paralela, pois a rena Rudolfo recusa-se a entrar na rua em obras. É um Natal diferente para crianças e adultos e até hilariante. Não é todos os dias que vemos os sapatos altos de tigreza da tia Elza todos enlameados e a sua estola a varrer os montinhos de terra. Não é todos os dias que os meus convidados saem da minha casa a cantar o Jing Bells, com as mãos cheias de presentes e metam os pés nas poças de água, rematando com um valente “porra”.
            O S. Pedro esquece-se do mundo, arranja namorada nas redes sociais…. nunca mais fecha a torneira! A chuva instala-se, mais a potes do que na morrinha. Passo a ter uma mini lagoa à saída do portão e o meu jeep obriga-se a descobrir o anfíbio que existe dentro dele e começa a sofrer do síndrome do abandono pois fica com frequência numa rua qualquer a passar as frias noites de Inverno.
            Compro umas galochas e de guarda-chuva aberto, aproveito para fazer equilibrismo em cima do canal das águas pluviais. Todas as manhãs faço a minha exibição. Espanto-me com as minhas capacidades. Pareço a bailarina do circo lá a 5 metros de altura…
— Senhoras e senhores, estimado público, vamos observar a grande equilibrista no seu momento da manhã, no grande circo da vida.
            Os vizinhos vêm à janela, eu bem os vejo! São todos tímidos nenhum aplaude, mas lá no fundo, invejam-me.
            Os buracos multiplicam-se, abrem-se, fecham-se voltam-se a abrir, transporta-se terra para fazer rampas provisórias para alguém entrar ou sair de emergência das garagens. Escava-se de novo e tapa-se outra vez. O manobrador da máquina principal (escavadora), parece o maestro louco, sem aplausos, vira para um lado, vira para o outro, rotação completa, por vezes passa de maestro a dançarino de hip hop…
            Vou para o Reveillon e em vez de carteira de lantejoulas, levo um saco de plástico para poder trocar das galochas pelos sapatos e depois vice versa.
            No Carnaval visto-me de sereia - a grande sereia da Bila. Tinha mesmo que ser!
            Na Páscoa vou ao chinês e em vez de uns coelhinhos compro uns patinhos de plástico e coloco na lagoa.
            Compro outro par de galochas, porque alguma vez eu tenho de lavar as primeiras. Estas são vermelhas e os meus números circenses continuam ainda mais coloridos, por vezes enriquecidos por pequenos passos de dança com pulinhos para vencer charcos e charquinhos – desde o rombe de jambé até ao Jeté. (Não inventei, consultei o google brasileiro). Pontas, não, porque com galochas não dá. Penso que brevemente poderei ensaiar o lago dos cisnes, com meia dúzia de vizinhos…
            Estamos em abril e parece que finalmente se vê uma luz ao fundo do túnel. Não sei se é luz ou se é um comboio a avançar para mim. Em dois ou três dias e em duas fases, pavimentam a rua toda. Uma rua, não!  uma ruela com doze moradores, que mais parece um tubo de ensaio da construção civil. Malditos calceteiros, trabalham rápido e de cócoras, colocaram paralelepípedos de granito, certinhos, uns atrás dos outros, rápido demais. Acabam com parte da minha diversão. Escrevo parte, porque desconfio que ainda me irei divertir com o tal comboio que me tentará atropelar, pois esta comédia não está para terminar. Os meus números circenses posso faze-los numa rua perpendicular e em todas as outras aqui do bairro, que irão passar pelos mesmos trabalhos.
            Há uns anos tentavam convencer-nos que os trabalhadores da função pública e neste caso os camarários, eram todos uns calaceiros imprestáveis - dois trabalhavam e oito viam os dois a trabalhar - e por isso as obras públicas eram uma desgraça. O país não saía da cepa torta, por causa do Estado e dos seus preguiçosos e inúteis funcionários. Quando as obras públicas passaram a ser executadas pelas empreitadas privadas, havia a grande esperança que tudo mudaria… as empresas trabalhariam noite e dia, pois no privado não se anda a brincar e tudo seria muito mais económico, com mais qualidade, mais rápido e mais eficiente.
            Bem os vejo!

Publicado em NVR

06 abril, 2018

a coisa aqui está preta



a coisa aqui está preta

               
Um caso, o Brasil.
                Quando era jovem achava que o Brasil seria o sítio ideal para eu viver, já que não poderia viver na terra onde nasci. O Brasil parecia-me bem, pelo calor, pela língua, pela gastronomia, por Jorge Amado, por Chico Buarque de Holanda, por Augusto Boal, por Óscar Niemeyer, pelo movimento Tropicalismo, pela praia, pela fruta tropical, pelo Carnaval, pela Amazónia, por Manaus, por Pélé, por Brasília, pelo Rei, pelo samba, pelo forró, pelo chorinho, pelo artesanato, pelas telenovelas, pela água de côco, pelas redes para dormir, por Juscelino Kubitschek, pelas sandálias prateadas de salto alto, pelos batuques, pelas baianas, pelos terreiros, pelo Zé Carioca, pelo sotaque doce, por Salvador da Baía, pela simpatia de alguns malandros, pela garota de Ipanema, pelos candomblés, pelos bolos de fubá, pela Gabriela, pelo Mundinho e pelo Tuísca, pela capoeira, pelo Sr. do Bonfim, pelos discursos dirigidos ao povo de Sucupira… achava que o “design” daquele país encaixava como um puzzle em Angola, o que reforçava a meu favor a divisão da Pangeia.

…. E o meu pai, afirmava: Brasil nem pensar!
                                               … dizia: O Carnaval do Rio é o espectáculo mais perigoso do mundo, são assassinadas (não sei quantas)??? pessoas por dia!

                Mesmo assim, achava que o meu pai tinha prazer em me contrariar.
                Ao Brasil só lhe encontrava um defeito: o mar ter nascer do sol e não ter pôr-do-sol, pois um pôr-de-sol sobre o oceano é o melhor e maior espectáculo do mundo. Dura poucos minutos, mas mesmo assim, é o top.
                Percebi quem era o tal Militar João Figueiredo, a ditadura, o tempo dos coronéis, os jagunços, a violência gratuita, as clivagens e as desigualdades sociais, a corrupção, os cartéis da droga, os índices de analfabetos, as favelas, a desvalorização da vida, o desconforto das denúncias do PT, o desmatamento da Amazónia, o Collor de Mello, o Michel Temer, os milhões de pobres…
                … encantei-me com a Rosa de Hiroshima de Ney  e dos seus Secos e Molhados, gargalhei com o Caco Antibes e Ribamar, trauteei os Mamonas Assassinas, Gabriel o Pensador, admirei Lula e Dilma, surpreendi-me com Millor Fernandes, descobri Augusto Cury e a “Saga de um pensador”.
                Percebo todos os dias a manipulação da opinião pública através dos media, vivo sempre na dúvida e preocupada em separar a mentira da verdade, ou a quase verdade da inverdade incompleta. Não é tarefa fácil.
                Um caso, o Brasil, com o melhor e com o pior – uma situação explosiva num país, onde se jogam inúmeros interesses. Aparecem na TV comentários lúcidos, esclarecedores e coerentes, outros que denunciam pouca cautela para com a situação

“Aqui na terra tão jogando futebol
Tem muito samba, muito choro e rock'n'roll
Uns dias chove, noutros dias bate o sol
Mas o que eu quero é lhe dizer que a coisa aqui tá preta
Muita mutreta pra levar a situação
Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça
E a gente vai tomando que também sem a cachaça
Ninguém segura esse rojão (…)
(Meu caro amigo – Chico Buarque)

Escrito às 21h de 6/04/2018, preocupada, aguardando os acontecimentos.

05 abril, 2018

Alhambra


Momento único e emocionante da minha vida - explicando aos alunos a urbanidade do complexo de Alhambra, na entrada do mesmo. 
Em poucos minutos se abordaram 3 épocas, 3 formas de ocupar o espaço e 3 formas de viver a história.
Palácio de Alhambra da dinastia de Nasrida, palácio de Carlos V e a villa Generalife, constituem o espaço mais visitado do mundo - património UNESCO..