13 novembro, 2017

só falta fazer um desenho

Só falta fazer um desenho
         Agora percebo a polémica de quem tem direito a ir passar o resto dos dias até à eternidade no Panteão Nacional.
         Finalmente fez-se-me luz. A morte tem muito que se lhe diga. Uma coisa é morrer e ir para o cemitério, ficar lá eternamente sempre em filinha e em esquadria e ser visitado pelas viúvas e viúvos chorosos, a tresandar a naftalina e a crisântemos, outra coisa é morrer e ir ocupar  espaços alternativos e comerciais da DGPC (Direcção Geral do Património Cultural). Pode-se morrer e ser tumulado (acabei  de inventar a palavra), num espaço onde vão os turistas mórbidos e as visitas de estudo de adolescente endiabrados – nesta situação a qualidade de morte é mais elevada, menos monótona que a primeira.     Mas bom, bom é morrer e ser tumulado em espaço com vista para salão de festas, por onde passam as ladies de vestidos cheios de brilhos e transparências e  os mens com asa de grilo e muito gel na repa, perfumando o espaço, com perfume “Já cheguei”. Estes últimos podem deliciar-se em visualizar verdadeiros manjares de rei, sentir os odores da alta gastronomia. Uma coisa é cheirar o chicharro frito que salta a parede do reles cemitério, outra coisa é sentir o aroma da lagosta em vapor e do caviar. Uma coisa é sentir o pisar dos sapatos ortopédicos que se moldam aos calos da terceira idade, outra coisa é sentir o pisar delicado de um tacão de 10cm da Diamond Shoe. Uma coisa é ouvir o fru fru da meia calça comprada no Jumbo. Outra coisa é ouvir o fru fru da meia de fio fino de seda adquirido em Londres na Pantyhose. Uma coisa é um cuecão que rola há varias décadas já sem etiqueta, outra coisa são uns boxers anatómicos Calvin Klein. Uma coisa são os perfumes de marca branca comprados nas parafarmácias, outra coisa são os perfumes originais Dior. Uma coisa é ouvir um reles Fiat a estacionar à porta do cemitério, outra coisa é ouvir o ronrorar de um Ferrari. Uma coisa é uma carraspana de tinto carrascão outro coisa é um alegrete no final de vários Moet Chandons. Uma coisa é teres um coveiro desdentado a ordenar as campas rasas, outra coisa é teres a sra diretora do Panteão a rentabilizar e a seleccionar a clientela.
         Quem teve  a sorte de estar no Panteão, saiu-lhe a sorte grande, pois segundo parece (Isabel Melo), muitos jantares se organizam por ali.
         "Demitir-me? Nem pensar" diz a senhora directora. E eu concordo com ela, reanimar os mortos é uma boa acção e faz-se muito dinheiro para suportar a manutenção destes edifícios. É preciso lixívia para os sanitários, palha d’aço para os cromados, naftalina para os túmulos, óleo para as dobradiças, … 
         “Aqui não há corpos. Há sempre essa confusão. Sempre que há algum evento aqui no corpo central, as salas tumulares estão todas fechadas” – essa parte é que eu acho mal, já me parece do tipo estraga-prazeres. Então só o corpo central pode assistir  à comerzaina e os outros corpos? Assim, os que lá estão já nem se podem organizar para socializar:
- Oh people passem para cá uns tournedos de Rossini,
         eu quero uma Vichyssoise,
                   que saudades de um croquete,
                            raisparta o gourmet eu quero comida bem portuguesa, sardinhas, peixinhos da horta, favas com chouriço.
         Acho mal, fecharem-lhes a porta.
         Comigo, a partir de agora, já vou avisando, é assim: Jantar especial tem de ser em Paris junto do Napoleão. O resto é um deja vu.

         Escrevendo a sério, esta não novidade foi hilariante. A corrida desenfreada ao lucro dá nisto.
         Fui ler o despacho 8356/2014, as minhas gargalhadas duplicaram.
Artigo 3.º
Princípios Gerais
1. Todas as atividades e eventos a desenvolver terão que respeitar o posicionamento associado ao prestígio histórico e cultural do espaço cedido.
2. Serão rejeitados os pedidos de carácter político ou sindical.
3. Serão, ainda, rejeitados os pedidos que colidam com a dignidade dos Monumentos, Museus e Palácios ou que perturbem o acesso e circuito de visitantes bem como as atividades planeadas ou já em curso.

         Ora políticos e sindicalistas não são recomendados. Se for o casamento de um Salgado vá que não vá, agora se for jantar de Natal de um sindicato, isso não.
Uma coisa é um jantar de Halloween, outra coisa é um jantar da Web Summit O Halloween´está para o MacDonald, assim como a WEB Summit está para o Panteão Nacional.  Mai nada!
         Se for uma reunião de carteiristas, poderá ser? E se for apresentação de um livro sobre Alves dos Reis?
         Se for um baile de debutantes pode? E se for uma dança de varão, não pode? E se for Pole Dance integrada em feira medieval ou seja a bailarina vestida de D. Urraca, já pode?
         Onde anda o bom senso dos que aprovam estes eventos? Ainda é preciso mais legislação? Acho que só falta fazer um desenho!

Por favor parem, senão salto em andamento!!!!

10 novembro, 2017

PEREGRINAÇÃO

 Não fico em casa porque está em exibição o filme “Peregrinação” de João Botelho.
O tema e o herói interessa-me,  o realizador também e tinha curiosidade em saber como se interligou a música “Por este rio acima” do Fausto.
Valeu a pena ver. Mais uma obra de arte assinada por João Botelho, que ultimamente nos presenteia muito acima do bom.
Quem viu O desassossego, que para mim que não sou cinéfila, é o top do top, não se decepciona com Peregrinação.
As aventuras e desventuras desta figura histórica que navegou pelo Oriente durante 21 anos, onde foi “13 vezes cativo e 16 ou 17 vendido, são tratadas com grande inteligência e sensibilidade. Não há cenas a mais nem a menos. É um relato de imagem personalizado pela imaginação do realizador, sabiamente articulado com o coro personificado pelos companheiros de Fernão Mendes Pinto.
Predominam cenas com pouca luz, que propositadamente evita erros de cenário e converte todo o registo muito intimista.  Só falhou o pormenor das cordas, sempre novas, sempre branquinhas, acabadas de sair da cordoaria.