24 fevereiro, 2021

OLÁ MUNDO


 Olá Mundo

            O Homem já foi à Lua, alguns não acreditam, mas foi.

            Agora o veículo Perseverance pousou em Marte, o 4º planeta do nosso Sistema Solar, localizado a: 227 900 000 km do Sol e baptizado com o nome do Deus Romano da Guerra.

            O que leva o Homem a explorar o espaço?

            Todas as explorações representam investimentos financeiros muito elevados, porém, existem motivos importantes que o  justificam, para além do enorme orgulho dos países que as suportam.

            Os satélites resultantes deste investimento na área da exploração espacial são absolutamente fundamentais para estudar o meio ambiente, o impacto causado pelas mudanças climáticas, a possibilidade de se utilizar a internet, GPS, telefone, …

            Já pensou que as imagens que surgem no nosso computador do google mapas, quando vamos procurar a localização da torre Eiffel ou a rua da nossa amiga Rosinha, não seriam possíveis se não fossem os satélites que orbitam à volta da Terra.

            Os satélites conferem-nos a capacidade de comunicação, e rápida, a longas distâncias…. falar para o Canadá, para Angola, para Pequim e… mesmo aqui para perto, para Mirandela, para Lordelo, é possível graças às telecomunicações via satélite.

            e os satélites não são acessórios naturais do planeta Terra, inventados pelo Grande Arquitecto, quando da criação do mundo. Não. Foi o Homem que os inventou, testou e os colocou lá.

            Na saúde e no bem-estar temos aparelhos de diagnóstico utlizados pela medicina, resultantes dos progressos tecnológicos impulsionados pelos investimentos nas viagens espaciais; as farmacêuticas recolhem conhecimento desenvolvido no espaço para depois o aplicar na manufatura de medicamentos.

            A avaliação sobre os investimentos nesta área deve ser bem ponderada porque a sua importância é muito maior do que se imagina. O desenvolvimento e aperfeiçoamento de tecnologia acaba por reverter na criação de produtos utilitários destinados aos comuns mortais, que somos nós.

            A Perseverance acaba de pousar em Marte (19/02) e o seu grande objectivo  é procurar vestígios da existência de vida passada, na cratera Jezero onde se pensa ter existido um lago há 3,5 bilhões de anos. Mais um sucesso da NASA. Quando se fala de Espaço, os números têm sempre muitos zeros à direita. Os primeiros sinais de vida terrestre surgiram precisamente nessa era, daí o grande interesse em obter amostras e estudar o nosso planeta vizinho, que com a dinâmica do tempo, a sua atmosfera transformou-se, e de planeta azul, passou a vermelho, formado por um imenso deserto congelado.

            A missão oficial durará cerca de dois anos, com explorações na área onde entrava um antigo rio e outra, na saída dessas águas, onde serão os lugares mais prováveis para existirem vestígios de moléculas orgânicas.

            Olá Mundo.

20 fevereiro, 2021

O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS


 o ano da morte de Ricardo Reis

o livro

Saramago

Pessoa 

Ricardo Reis

Botelho

o escritor, o poeta, o heterónimo e o cineasta

a união perfeita 

o acto criativo

 - a receptora de tudo numa tarde de um tempo sem tempo, ajustando o tempo - 

17 fevereiro, 2021

A MANIPULAÇÃO PSICOLÓGICA


 A manipulação psicológica

            Segundo o dicionário, manipulação significa:

“Intervir no desenvolvimento de determinado sistema ou processo, com vista à alteração da sua evolução natural.  Condicionar, influenciar, geralmente em proveito próprio. Adulterar, falsificar.”

            Ao longo deste processo pandémico ouvimos, mesmo sem querer,  o “discurso do contra”- é no diálogo com os amigos, é na espera na fila da farmácia, é na rede social… partindo de pessoas, que não o fazem, na maioria das vezes, com um propósito consciente, mas que o fazem, porque o mal dizer, faz parte da nossa cultura.

            Apetece sempre perguntar, então o que farias se fosses Ministro da Saúde? Qual é a solução brilhante que tens para resolver o problema que nos afecta a todos? Como conciliar todos os parâmetros que aqui estão bem visíveis, a saúde, o trabalho, as relações sociais? E afinal como cidadão, o que tens feito?

            “Porque o Costa facilitou no Natal.” Verdade, e se não tivesse facilitado? Qual seria o discurso do contra? Foi o Costa que veio passar o Natal com a minha família?

            A manipulação psicológica é uma corrente de influência dirigida através da sociedade, que visa mudar o comportamento ou a percepção dos outros, através de subterfúgios e discursos enganosos, orientados para a dissimulação. Quando são realizados de forma consciente são considerados desonestos e há muitos truques para nos confundir e os converter num sucesso, criando sempre a ilusão que somos alertados por mentes superiores.

            Esta forma de acção intencional dirigida e focada, para além de gerar, dúvida e questionamentos, nunca tem como intenção a persuasão no sentido da melhoria e da resolução dos problemas, mas sim um movimento de fundo invisível, capaz de destabilizar as pessoas, sugestioná-las nas suas avaliações pessoais, apelando e jogando estratégicamente no tabuleiro das nossas fraquezas e receios emocionais, gerando o medo, a depressão, o descontrole e, neste caso, apelando descaradamente para o não cumprimento de regras profiláticas essenciais e básicas para a nossa protecção.

            Por trás de um discurso afável, amigo, esconde-se o discurso de manipulação psicológica, escolhendo a vulnerabilidade da vitima, e escondendo a perspicácia cruel do manipulador que se alimenta da dor alheia - reduzir a força de vontade do outro, semear a dúvida, apontar defeitos, deturpar a realidade, criar discussão e mal entendidos.

            Nesta caso da pandemia, os manipuladores não apresentam soluções porque não as têm, citam experiências na China que não existem, sublinham teorias e investigadores falsos e alimentam a onda de fundo invisível que só tem um obectivo: destruir politicamente quem está no poder, criar medo, destabilizar, gerar o caos. Apresentam conversas sem sentido, teorias geradas lá do outro lado do mundo, que ninguém testou ou comprovou, generalizam factos sem análise e sem avaliação concreta, procuram abalar a nossa auto-estima induzindo-nos a repensar em tudo o que acreditamos e o que consideramos lógico e justo.

            Parem lá com a teoria dos chineses, eles já cá estão e dominam o comércio. Estamos no século XXI, e ao longo da História, o comércio e a manipulação das mentes são a origem de toda a dinâmica de avanços e recuos civilizacionais.

            Boa semana e não vão em conversas, deixem de ser marionetas e pensem por si.

11 fevereiro, 2021

TATTOO

Tatoo

              Ainda não consegui fazer tatuagens. Decidir por algo tão definitivo, perturba-me, já que tenho consciência, que vivemos num mundo em mudança permanente e rápida e eu, mudo ainda mais rápido do que o mundo.

              A tatuagem parece ser um relato de vida, utilizando como meio de expressão, tinta aplicada num suporte vivo, a pele humana. A sua origem perde-se no Antigo Egipto. Na civilização ocidental  moderna chega-nos através dos marinheiros ingleses, os lobos-do-mar, com as suas aventuras registadas em forma de monstros marinhos, esqueletos, caveiras, testemunhando a sua coragem e bravura, até ao ponto de resistirem a marcas violentas realizadas propositamente sobre a pele. Esta forma de expressão aparece nos sítios que estes marinheiros frequentam, normalmente tabernas, prostíbulos, pensões baratas e passa a conectar-se negativamente, como uma opção marginal.

              Só no final do século XX é que a tatuagem ultrapassa as barreiras do preconceito e passa a ser símbolo de rebeldia, ousadia e de contestação, seguido de registo de vanguarda do mosaico de identidade personificado de uma faixa juvenil e finalmente adoptado como opção de expressão subjectiva de homens e mulheres com mais idade. Começa com a marca da guerra colonial, que muitos gravam antes de partir, “amor de mãe”, “Amo-te Gabriela”. “Comandos na Guiné 1967/1969” e hoje assume contornos artísticos conhecidos como Tattoo.

              O desenho narrativo utilizado é legível pelo próprio, e também pelos outros, atrevendo-me até a afirmar, que a leitura dos outros é mais frequente do que a do próprio, já que se converte em presença constante na comunicação visual. A tatuagem que efectivamente tem uma mensagem, pouco ou nada significa para o receptor, “O outro”. “O outro”, o que lê? Lê uma área da pele, que contém um desenho nem sempre esteticamente criativo, com uma linguagem que nem todos entendem, nem querem entender, devido à matiz pessoal. Comparo uma tatuagem ao código de barras que alguém possa a imprimir na pele, ao tele-texto a passar na nossa testa, ou seja, uma exposição da intimidade de cada um, como se vestíssemos um manto da nossa verdade imutável, numa época em que todos querem preservar a sua intimidade, proteger os seus dados e a sua imagem. É no mínimo contraditório.

              A maturidade permite-me reflectir um pouco sobre as consequências, porque está mais do que provado, que este pormenor atrapalha por vezes as perspectivas de trabalho dos jovens, e que com o andamento da vida, deixamos de gostar das mesmas coisas e aquilo que foi sobrevalorizado numa época, não tem qualquer importância na outra, levando ao arrependimento sobre o acto.

              Começa sempre pela aplicação de um pequeno símbolo escolhido em catálogo, porque a imaginação não dá para mais, em local especial, que fica em destaque e depois torna-se quase viciante cobrir a pele com outras divagações pictóricas, já mais bem pensadas, numa geografia inestética inconsciente e frequentemente em desiquilíbrio entre a figura e o fundo. Seja qual for o suporte, a arte equaciona diversos parâmetros, que poucos sabem equilibrar.

              Alerta: em 2016 existiam 60 milhões de tatuados no mundo, entre os 18 e os 35 anos em que, 7,5 milhões estariam seriamente arrependidos de se ter tatuados. Uns, por motivos de saúde - complicações resultantes de infecções, irritações crónicas e queimaduras, efeitos a longo prazo no seu sistema imunológico, ausência de condições ideais para realizar radioterapias e outras terapêuticas impossíveis de prever – outros, porque já não se identificam com aquelas marcas da pele, que viraram a sua sombra eterna.

              O número de pessoas tatuadas cresce, esta postura virou moda, e os serviços de remoção com laser, nem sempre bem-sucedidos, crescem também, registando o descontentamento de muitos, deste acto altamente agressivo para a nossa pele.

              Este vínculo inapagável, pode também representar não amar o nosso corpo, distraindo a visão com a ilusão gráfica.

              Eu detestaria olhar diariamente para um grafismo ou um símbolo, que passados anos, eu quero esquecer e não lembrar, composições gráficas que adorei antes, e hoje acho obsoletas e ridículas. Andar vestida sempre com a mesma roupa, para mim, já não é bom, e deprime-me, mas ter uma roupa interior que nunca conseguiria despir, seria traumatizante, pouco sensual e pouco poético. Seria transportar grilhetas a prenderem-me continuamente ao passado, não me permitindo evoluir como pessoa e viver a dialéctica do meu mundo interior, sempre em contínuo desconforto, limitando a minha liberdade. O meu corpo será sempre uma tela cheia, naturalmente mutável, sem grafismos redutores.

              Alguns dirão que há situações que valem para eternidade justificando uma boa tatuagem, e eu diria que nada é eternamente válido sob a mesma forma visual.

              Maneiras de pensar.

Publicado em NVR 10/02/2021

07 fevereiro, 2021

O SILÊNCIO DO KISANJI - análise parte II

 


O Livro 

Objecto de culto. Como tal tem toque, tem peso, tem imagem e tem cheiro. 

Companhia é outras das suas funções. Não existe solidão quando há um livro por perto.

O Silêncio do Kisanji é um objecto muito bonito, talvez dos mais bonitos que já tenha manuseado. 

Capa e contracapa com uma estética irrepreensível, carregadas de detalhes plenos de informação e conteúdo. Cores africanas num sóbrio pano que embrulhando o livro,  sobre ele são impressas, em lettering de fontes bem escolhidas, as informações habituais, nome do autor e título da obra. Destaco a preocupação do deixar a bainha com a impressão da origem do pano, o que, para além de autenticar a sua origem, nos indica que tudo foi pensado ao mais ínfimo pormenor. 

Discretamente, a autora deixa a marca do seu país de origem, homenageando-o com as cores da sua bandeira, sendo também, mais uma prova inequívoca da latitude do tema.

 Por último a escolha dos materiais que, sendo agradáveis ao toque e de muito boa qualidade, aumentam o prazer de quem gosta de manusear um livro.

 Interior da capa de muito bom gosto. Sobre um fundo negro, a autora espreita-nos com um sorriso de Boas-vindas e, num resumo biográfico, dá-nos de forma implícita, a informação do conteúdo do livro. Temos de o ler para percebermos que a sua escrita está intrinsecamente ligada ao seu percurso de vida. 

Finalizo com a apreciação do interior da contracapa. Discretamente, porque este objecto prima pela discrição, daí a sua elegância estética, o final mostra-nos que os personagens são reais e, estando atentos, também por aqui temos estórias para ver. 

O Silêncio do Kisanji, obriga-nos a uma leitura atenta, desde a capa até à contracapa. 

O Título 

Em terra de ritmos e de múltiplos sons, mas também dos silêncios que a grande dimensão proporciona, fácil seria escolher um qualquer instrumento entre muitos daqueles que todos se lembrariam à primeira. Contrariamente, fugindo à banalidade óbvia de um batuque, a escolha recaiu sobre o kisanj, instrumento de origem angolana. Mais uma mensagem implícita a qual se vai percebendo ao longo do percurso da leitura.


03 fevereiro, 2021

ENTROPIA PSICOLÓGICA


 

Entropia psicológica

              Quando era jovem, surpreendi-me, quando me pediram para desenhar um triângulo equilátero e eu desenhei-o, com um vértice voltado para cima, completamente estável, apoiando um dos lados, no plano horizontal inferior. A análise desse acto espontâneo serviu para alguém me alertar, que estava despreparada para a mudança e para a instabilidade, e isso seria o que iria enfrentar no resto da minha vida. Talvez tenha sido uma das grandes lições de vida – um acto simples, que revolucionou o meu interior. Sou grata até hoje, a quem despoletou aquele meu desconforto interior, abalando todas as minhas certezas e todo o meu guião de vida, que eu entendia como bem planeado e infalível.

              Naquela época apesar de já ter sofrido algumas reviravoltas na vida, continuava a aspirar pela estabilidade e continuava sem preparo para enfrentar incertezas. A família protege-nos, criamos rotinas, desenvolvemos crenças e valores, mas, na verdade somos uma bolha de ilusão e de falsa estabilidade. O mundo encontra-se em permanente mudança e é necessário e urgente saber transformar a incerteza em equilíbrio mental, para não afundarmos na entropia psicológica, nestes dias feios da pandemia.

              E o que é a entropia psicológica?

              Entropia é um conceito com origem na termodinâmica, segundo o qual, os sistemas tendem a derivar para um estado de caos e desordem. Na psicologia, este conceito relaciona-se com quantidade de incerteza e desordem que existe dentro de um sistema e como somos capazes de encontrar equilíbrio no caos que nos afecta.

              A nossa mente possui algo de fabuloso, que é ser dotada de mecanismos, capazes de reagir contra a entropia. É o nosso instinto de defesa, que conserva a nossa identidade e o que nós somos, porém, o nosso mapa estratégico sobre o mundo e os nossos modelos cognitivos são insuficientes para nos antecipar e nos preparar para o que vai acontecer a seguir. E quanto mais violento e imprevisível é o que vem a seguir, mais facilmente nos aproximamos do caos da entropia, porque ficamos sem referências, sem tecto, e perdemos o sentido crítico para avaliarmos correctamente as situações.

              Só temos dois caminhos, ou cair no poço e afundar, ou tentar ficar à superfície, contrariando o processo, reorganizando o nosso interior e procurar novos pontos de equilíbrio, num contexto de tolerância da incerteza – é o triângulo com o vértice direccionado para a parte inferior, com equilíbrio estudado e tentado em continuidade.

              Toda a aprendizagem se faz nesta tentativa de equilibrar o triângulo invertido. Converter a dor em força, alinhando estruturas colapsadas, flexibilizando conceitos estáticos, transformando angústias e ansiedades em certezas provisórias, abrir a mente a novos paradigmas e apelar constantemente à nossa criatividade e renovação. Esta dialéctica de crescimento confere-nos maior riqueza interior e uma melhor adaptação ao mundo que não para, tornando-nos flexíveis e tolerantes. Chama-se a isto evolução consciente.

              Resistir à mudança é alimentar a nossa entropia psicológica, que está sempre preparada para nos acolher em estado depressivo, fechando-nos para a vida, retendo-nos no maior pântano de nós. Aprenda a compreender a incerteza e a viver bem com ela. O seu bem-estar depende dessa gestão equilibrada entre aquilo que somos e o que o mundo nos oferece.

Publicado em VR, 3/02/2021

O SILÊNCIO DO KISANJI - análise - parte 1

 


Questiono-me sobre a legitimidade da minha apreciação, sendo eu um dos personagens implícitos, inclusive fazendo parte do rol de anónimos a quem a autora também dedica o livro, hesitei.

 Contudo, a honestidade da narrativa, obriga-me ao distanciamento do meu personagem, colocando-me na posição de leitor anónimo e descomprometido. Acto dificílimo, tratando-se de Luanda, cidade lar e terra onde pertenço.

A apresentação gráfica facilita a leitura não faltando apontamentos, em rodapé. de informação histórica que enquadram a narrativa no tempo e, em simultâneo, ajudam a entender a sequência do texto.

Uma nota especial para os salpicos de poesia com os quais Anabela Quelhas, em nome próprio ou sob pseudónimo, vai entrecortando a prosa.

 Estamos perante uma estória de amor e, profundo. Amor pela terra onde nasceu, de onde saiu e a ela em menina, regressou para de lá ser “tirada” contra vontade, já quase mulher.

 Com o som de um Kisanji como música de fundo, a estória vai sendo contada, sempre na primeira pessoa, recorrendo muitas vezes à linguagem que então se usava, sobretudo entre a juventude, que sendo uma estória de amor, recusa, no entanto, a banalidade dos enredos e detalhes, técnicas pobres de escrita a que alguns recorrem para prender o leitor. Não obstante, é difícil não a lermos de seguida até ao fim.

 Sem complexos nem estigmas, a criança que cresce e desperta para o mundo que a rodeia, questionando-o, conta a vida e as estórias da cidade, através das suas vivências, nunca perdendo a noção que a sua cidade não era igual à de todos e que nas outras cidades ali ao lado da sua janela, os sonhos eram outros e as vidas muito mais difíceis.

 Os personagens sucedem-se ao ritmo do crescimento e com eles vêm os locais e os viveres de uma geração, a última da época colonial, a lá ter nascido.

 A escritora, usa os olhos da menina que se fez jovem, para contar a cidade, recorrendo~se da mulher arquitecta. Aprendemos com ela, ao confrontarmos as memórias que guardámos, com as interpretações e leituras da mulher, arquitecta e escritora.

 Sem parar a narrativa de uma vida, vai-nos lembrando que havia guerra e que jovens portugueses eram forçados a ir para lá combater outros jovens, que apenas queriam o país que lhes pertencia.

 ” Há algo que paira no ar, que todos respiramos, um pulsar de uma terra inebriante, que gera entusiasmos, sonhos, vontade de vencer e nos injecta diariamente uma dose elevada de otimismo e adrenalina.”

 Eis a frase que brilhantemente descreve o sentimento inocente de toda uma sociedade “branca” que fervilhava naquela cidade, no decorrer dos anos 60 e 70. O sonho de um futuro.

 A história dos homens leva ao final da narrativa da estória de vida da menina que cresceu e chegou a adolescente, sempre a questionar.

 Ao terminar a autora não se esquece dos dramas vividos por muitos, tantos, que foram quase todos os que de um dia para o outro tiveram ou decidiram largar uma vida, deixando os sonhos do futuro nas casas fechadas, nas fábricas e fazendas abandonadas, nas viaturas estacionadas à porta de uma lar e de uma vida onde jamais voltariam.

 “A noite está calma, já há pouco movimento na rua. Cada um pega na sua mala, lança um olhar pelo espaço que nos acolheu vários anos, com móveis e os quadros no seu lugar, como se fossemos apenas de férias – tudo arrumado, toalhas limpas nos toalheiros, frigorífico ligado, filtro de água, persianas corridas para evitar o Sol, tapetes no chão a testemunhar a nossa despedida.”

 Por questionar em pequena a mulher adulta entende o passado e respeita presente. Percebe-se ao longo da narrativa que, como tantos outros, Anabela Quelhas nunca de lá saiu.

 3 de Fevereiro de 2021

João Pedro Fonseca