25 dezembro, 2013

07 dezembro, 2013

...existir, não existindo. (1923-1996)



Passei a mão no teu rosto e senti-o frio e marmóreo numa manhã de dezembro. Gelei a mão no teu rosto imóvel, confirmando a falta de esperança há muito congelada, num diagnóstico fatal. Foi numa madrugada gélida, atravessei 2 ou 3 ruas a correr após um telefonema previsível.
Chorei convulsivamente, num desenlace aguardado há muito, cavalgado em progressiva demência incontrolada, em que ninguém entendia nada de nada, onde a medicina mostrou a sua magistral incapacidade para resolver o teu problema. Mais uma vez senti, que nós, seres viventes do seculo XXI estamos muitas vezes na idade da pedra e não descolamos. O teu rosto parecia uma escultura de alabastro, macio e frio… frio de morte.
Despedi-me de ti ao longo de quase 2 anos, ias deixando de ser tu, conforme as horas passavam. Cada dia estavas mais diferente e mais ausente de nós, apesar do nosso esforço para que tudo se tornasse real, fácil e confortável para ti… mas o teu olhar saía da tua zona de conforto e viajava para o vazio, onde não sei o que existe, nem onde se localiza. Foi uma despedida dolorosa e progressiva até não me identificar mais com o corpo de quem tratava, pois ele estava sem alma, inerte e amorfo.
Só fiz o teu luto décadas mais tarde… ainda o faço, cada vez que escrevo sobre ti.
Coisa estranha a alma separar-se do corpo com ele ainda vivo. Para onde ela vai? Que estranho lugar é esse para onde as almas emigram antes do tempo! Assisti a uma decomposição seguida da desconstrução de ti, hora após hora, dia após dia. Percebi os limites da resistência dos humanos, percebi o quanto somos frágeis, tomei consciência da forma como poderemos desejar a morte a quem queremos tão bem – a contradição feita “pecado” que habita sempre em mim. Nunca mais fui a mesma, perdi frescura e entusiasmo, nesta inversão de papéis, de quem trata quem. Nunca mais a nossa família voltou a ser o que era antes, não por tu faltares, mas por a despedida ser tão longa, tão penosa e desumana, tendo afectado cada elemento. Perdemos alegria, perdemos brilho e criamos uma resistência brutal às contrariedades da vida… afinal, ela é tão estranha, com memórias a várias velocidades!  Os papéis de cada uma de nós definidos ao longo dos anos, inverteram-se completamente, deixaste de nos dar “colo” e passaste tu a precisar dele, num retrocesso diário para um espaço indefinido e tenebroso. A certeza que cada dia seria pior que o anterior, nunca nos abandonou e preenchia cada vez mais a esperança que nunca conseguimos possuir. Questionava-me diariamente sobre o que seria ainda pior. Nada mais voltou a ser igual…. deixou de haver aquela cumplicidade serena de silêncios, só possível nas mães.
Como lidar com tudo com dignidade? Como lidar com as situações mais penosas com sentido de humor e entusiasmo para que não te apercebesses que estavas mal e cada vez pior e pior. As fases sucederam-se, a perda de voz, a perda de orientação, a perda de movimentos, a perda da deglutição, a perda da visão, a perda do conhecimento… a fase do colo, a fase da cadeira de rodas, a fase da cadeira dentro da banheira, a fase dos resguardos, a fase das fraldas, a fase da rigidez, a fase das sondas e das seringas, a fase das escaras, a tua pele abrindo e mostrando o interior de uma anatomia moribunda… a fase da vigilância permanente. O pai não resistiu pura e simplesmente e sucumbiu de exaustão e desgosto, ainda o problema se iniciava. Todos ficamos marcados por esta violência que se denomina alzeimer, sentença que te deram quase 6 anos antes, perante a nossa surpresa e desconhecimento total desta sentença mortal. Ficou mágoa, revolta, desapontamento e frustração, de uma batalha perdida de ti, mulher bonita, afável, carinhosa e de gargalhada livre. Ficou uma textura baça e sem brilho nesta recordação dolorosa do não existir, existindo.
Bj      

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado”, Anabela Quelhas

09 novembro, 2013

eu quero a carica Crush

Meu amigo Henrique é um cola, que me xinga noite e dia. Nossos mambos se resumem na arte de brincar com 9 e 10 anos de idade, sem mais qualquer responsa no sábado de tarde.
Eu quero brincar com as bonecas, e aos reis e rainhas e ele quer brincar de pista com caricas, de joelho no meio do chão, cobrindo o chão de água e sabão para as caricas deslizarem mais rápido, na pressa de sempre ganhar, e isso por vezes dá maka entre nós.
- Ele me xinga, mâéeeee! O Henrique me xinga, não quer brincar comigo!!!!
Henrique espreita rindo da janela do quintal.
- Aka, Ana vambora! Vem brincar no quintal, trouxe shuingas e minha colecção de caricas!!! Vamos brincar deixo-te escolher e desenho a pista rápido, é só completar a pista de há dias.
- Eu quero a carica da Crush!
- Eu fico com a carica Nocal, vai correr como um Ferrari e te vou ganhar!!! Vais ver – diz Henrique olhando-me já com ar vitorioso, de quem olha para um rival desportivo de quinta categoria. Eu te ganho sempre, só sabes brincar com aquelas bonecas malaikas de meter medo. 
Pópilas, não tenho mais ninguém para brincar, vou fazer mais como?
Ele traça a pista no cimento, com giz trazido do nosso colégio. Marca a partida e a chegada, vincando bem o giz no chão. É um circuito feito de duas linhas paralelas, cheio de curvas entre os dois pontos, parecendo mazé uma gibóia de muitas curvas, às voltas dos dois mamoeiros e do tamarineiro, que mais parecem três ilhas no meio do quintal de cimento, que a esta hora bate a sombra; quintal escaldante num sábado de tarde de um mês qualquer de um tempo sem tempo na rua Pompilio Pompeu de Castro na Vila Alice, em frente da Texaco.
Quem começa?
Pim pam pum cada bala mata um, lá em cima do Huambo tem um copo com veneno quem bebeu morreuuuuuuu ….
Henrique treinado no impulso com o dedo indicador, não sei mais como se chama, dispara a carica percorrendo quase completamente o primeiro troço da pista, não saindo nem mais um milímetro fora do traçado riscado a giz. Muita prática de jogar com os vizinhos rapazolas e borbulhentos. Ele imita com um vrrrummm de automóvel que arranca a grande velocidade. 
Passa barona na rua e nos olha, nós kandengues descalços e em calções, mastigando shuinga, atirando caricas numa pista que nem fosse fórmula um do Fitipaldi, lá nas Europa. Passa machimbombo também e passa quitandeira apreguando… éééé´bananéeeeee, bananéeee.
Eu atiro com a carica crush, que não chega nem perto da carica Nocal colocando-me logo no clube dos perdedores.
Jogamos mais uma e outra e outra vez ainda, ficando eu cada vez mais para trás. Se a carica vai para fora regresso à partida, eu lhe xingando de matumbo, pois desconsigo atingir a meta. 
- Ei mininos venham lanchar pão com manteiga, bolinho de côco e Quick… tem ginguba e pipocas…hoje tem cana do açúcar que fui comprar no mercado de S. Paulo. 
- Oh agora que eu estou a ganhar!!!!… reclama Henrique
-Tu ganhas sempre…
- Não faz mal, voltam depois, vão lavar as mãos ai na mangueira do quintal.
Lavo as mãos e previsivelmente aproveito para aprontar, molhando as pernas do Henrique vingando-me de tanta corrida! Quero as minhas bonecas que ele odeia e que atira ao ar para me xingar.
- Cruaaak! Ginguba!!!!!! Dá ginguba ao jacó!!!!! 
- Ué que bolinhos bons!!! Estão deliciosos.
-No final vamos brincar de táxi, de levar e trazer em frente à Versailhes.
-Sim vamos, o teu cota ainda não chegou, Henrique? 
-Ainda! Hoje chega tarde e minha cota foi no cabeleireiro.
- Primas!!!!! começo eu a conduzir. 
Entro no cônsul preto que está na porta de casa, esperando o passeio de fim de semana e onde todo o dia nos deliciamos a simular a condução, como se fossemos um carro de aluguer circulando nas ruas de imaginação de S. Paulo de Loanda, as Ingombotas, a Maianga, a CAOP. É cônsul 17éme, só sei isso, preto e bonito, ano não sei mais, que não me interessa. Interessa o brilho de nós reflectidos na chapa negra daquele carrão que nos leva a todo lado sem gasóleo nem gasolina.
Ligo rádio e desligo. Ouve-se Nelson Ned no seu, o que é que você vai fazer nos domingo de tarde…., faço pisca e meto velocidades de verdade, junto ao volante, com a embraiagem no fundo,1ª, 2ª, 3ª e prise, depois reduzo, 3ª, 2ª ate fingir que paro para apanhar o meu cliente que entra para o banco da frente, à homem armando-se numa nice com estilo de homem gingão. Quando ele faz de motorista, põe boné na cabeça e estica os braços como um homem bem alto. Eu vou no banco de trás com o vidro aberto e finjo que fumo, uso um lápis para fazer a vez, olho com olhar de dáma que vai nas bumba, e coloco uma fita vermelha no cabelo (vi no cinema Kipaka)….
- Boa Tarde, me leva no Cacuaco!!!!
Ou 
- Por favor me leva na Restinga da Ilha para jantar!
Xê!!!! Assim mesmo horas e horas, ora eu de motorista ora ele. Ele ate limpa o volante com a flanela laranja e imita os tiques de braço na janela, conduzindo só com uma mão e toda a gestualidade de colocar a mão de fora, para parar ou deixar passar. Buzina também é importante mas a maioria das vezes é o jacó que buzina igual, pondo loucos, os vizinhos.

Paro no destino e peço o kumbú que ele faz de conta me dar.
- Me dá de troco uma quinhenta, o resto é gasosa.
. Ana dá ginguba ao Jacó! Henrique é bandido não dá ginguba!!! CRRRUÁÁKKK!!!!!

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas
Para o meu amigo de infância Henrique Martinho que desencontrei há tantos anos
.

30 outubro, 2013

Podia muito bem ser eu

Podia muito bem ser eu. Juntava a água com sabão e

procurava uma palhinha feita de fibra vegetal verdadeira para soprar. Não havia detergente. Governava-me com o sabão rosa da cozinha. Ia até uma das varandas da minha casa, mal chegava à parte superior do gradeamento e soprava. Entrava num sonho circular feito de transparências de azul e anil e acreditava que a vida dos adultos era muito melhor que a minha. Se eu fosse adulta não teria de usar tranças, nem soquetes, nem laçarotes e poderia ocupar-me com as coisas que eu considerava verdadeiramente boas - andar na carroçaria de uma carrinha e em pé, tomar banho de mar sem bóia, conduzir uma mota, pintar com trinchas, fazer contas de cabeça com ar de preocupada... poderia comer bife com batata frita todos os dias, poderia usar saltos altos e bigodins nos cabelos e podia recolher todos os cães perdidos. Poderia ter um jacó, que conversasse permanentemente comigo.
As bolas soltavam-se e levitavam no ar por segundos que para mim pareciam eternidades.
in "Ensaios de escrita um projecto sempre adiado" Anabela Quelhas.

28 setembro, 2013

Eleições


“Era uma vez numa pequena aldeia no norte de Portugal, situada nas coordenadas do Portugal profundo, onde se preparavam as 1ªas eleições para a junta de freguesia. Os partidos seleccionaram entre os seus simpatizantes os mais capazes e ou os mais militantes e ou os mais bem formados, para as respectivas listas.
Isildo das Fontes, meu vizinho, homem para uns 50 anos de idade, com apelido morfológico e toponímico (nem sei o que quer dizer mas acho que fica bem) primo do tio do irmão de não sei quem, homem das leis, que se candidatava à assembleia municipal, viu-se empurrado para a politica socialista, após a abrilada dos cravos, sem saber ler nem escrever, por influência do tal primo do tio do irmão de não sei de quem, homem das leis, advogado, candidato a presidente da Câmara… Eram parentes afastados mas a politica estava-lhes no sangue!!!
Isildo das Fontes, homem honesto, leal, trabalhador rural de sol a sol, de mãos grandes, robustas e calejadas, habituado a cavar pela madrugada e a anoitecer forrando vacas da lavoira e preparando arados para a madrugada seguinte, sem domingos, sem feriados, nem dias santo, viu-se orgulhosamente metido nesta empreitada da politica.
Candidato a presidente da junta.
Percebia de politica?
Sabia lá ele!
Ele sabia quando devia semear o nabal, e quando arrancava as batatas, sabia quando levava as vacas ao touro da coberta e não se enganava nunca. Era honesto, não devia na mercearia. Das contas ele sabia, até tinha um calendário pendurado na cozinha e todos os anos punha-se a caminho para a cidade, com a sua samarra, guarda-chuva e chapeu e ia pagar a décima pontualmente. Gostava da sua aldeia, que o viu nascer, assim como viu o seu pai e o seu avô. Ele conhecia os campos, os marcos… daqui é deste, e dali é daquele,… ele apaziguava as rixas entre vizinhos desavindos e águas mal divididas.
Portanto poderia ser um bom presidente da junta, porque não?.
E ele rejubilou, a sua autoestima ficou em alta com o convite do primo do tio do irmão de não sei quem, homem das leis, que se candidatava à assembleia municipal: Começou a limpar melhor os socos, a aprumar a camisa e a samarra, e a juntar-se ao domingo no fim de missa ao povo que iria votar nele, com sorriso largo e franco. Começou a substituir os Bes pelos Ves, para linguajar mais fino e fazia o trabalho de casa. Se fazia!!!! Como fazia e não era nada fácil!
Como vos disse ele viu-se empurrado para a politica sem saber ler nem escrever, e era verdade, não sabia ler nem escrever, era analfabeto de pai e de mãe o que não seria impedimento de maior, desde que soubesse assinar a papelada. E era esse o seu trabalho de casa que ele realizava com aprumo e empenho.
Todos os bocadinhos livres a seguir à ceia, ou após o almoço de domingo, Isildo das Fontes puxava dum papel e da caneta, arrumados atrás do escano e treinava a assinatura. Os dedos grossos e rijos, desprovidos de qualquer motricidade fina, mal dobrando as falanges, copiavam ISILDO DAS FONTES com a língua ao canto da boca e de fora, ajudando nas curvas e contracurvas do desenho do I e do EFE, numa assinatura espalhafatosa, como ele tinha visto e admirado num tabelião no tempo do minério, e rematando com gesto largo num rabiosque e ponto final. A coisa não era fácil, mais fácil seria carregar um carro de estrume ou malhar o centeio..
A tarefa só ficava concluída levantando o papel e olhando-a de braço esticado, cuja distância era proporcional à vista cansada produzida pela sua candeia.
Magnifico! magnânimo! “

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas

28I09I2013

22 setembro, 2013

Amo a lógica.


Uma das matérias académicas que mais me influenciou como pessoa e cidadã foi a lógica, área do saber que estuda os processos e os elementos que poderão levar à verdade. Comecei a estudar Lógica através da matemática visualizando o quadro de ardósia do mestre Serra , apenas com 15 anos, em fins de tardes tropicais. Escrevi “comecei”, porque esta aprendizagem tem inicio mas não tem fim, é uma aprendizagem constante,  evolutiva e dialéctica.  O conhecimento das leis do pensamento alteraram a minha vida, cedo despi uma adolescência primária e ingénua e iniciei um caminho marcado pela lógica matemática ensinada com mestria pelo simpático e competente mestre Serra, desenvolvendo e manipulando princípios da negação, dupla negação, conjunção, disjunção etc etc até aos silogismos mais fáceis capazes de serem entendidos e interiorizados por uma teenager.
Rápidamente descobri que o caminho que eu iniciava já vinha lá da Grécia antiga  λογική, sendo Aristóteles uma referência fundamental, apresentando-se também como conteúdo da filosofia e depois parindo até hoje ruas e vielas do conhecimento e da acção, sendo fundamental na advocacia, na engenharia, na arquitectura ,na biologia … e a todas as áreas da investigação cientifica constituindo-se como base nas ciências informáticas e na formação da inteligência artificial. Defino-a como o pilar estrutural do processo avaliação-decisão seja em que domínio for.
Não sendo perita em nada, mas atenta aquilo que me interessa, a lógica está sempre presente na minha vida, psico-motora, na minha vida afectiva e no conhecimento do conhecimento e da vida, permitindo-me avaliar melhor, decidir melhor e errar melhor também. Por vezes erro porque quero errar e porque é bom errar. Nada melhor do que um erro calculado e perfeitamente consciente, quando este assume facetas de algum prazer ou de muito prazer.
Recomendo vivamente o estudo desta área do saber. Nada se descobre, nada se deduz sem conhecermos os mecanismos escondidos dos raciocínios lógicos ou ilógicos.
A verdade nem sempre é a verdade, A verdade pode ser apenas meia verdade ou um completo disparate. Premissas verdadeiras podem ter conclusões supostamente verdades ou  inverdades e por isso existe a falacia que tanto jeito dá em certas situações.
Há questões que são verdadeiras sem o ser, e há questões supostamente falsas que podem ser um mar de verdade.
Há perguntas evitáveis pois sabemos que irão levar sempre a inverdades sem serem falsas.
Há conclusões verdadeiras que estão muito longe da verdade, mesmo que as premissas sejam fiáveis. Mas isto parece um jogo!!!! Sim é um jogo de elasticidade menta, cujos actores podem ser peritos, ignorantes ou assim, assiml. Não se entreguem a Deus, entreguem-se à lógica gritando por Deus de vez em quando
- Ai meu Deus, não há pachorra!
O raciocínio dedutivo é fundamental. Nem tudo o que luz é oiro, e nem tudo que é oiro, brilha. A verdade poder ser sem o ser. A verdade pode conter nuances que sem serem falsas são inverdades. A verdade para um, não é obrigatoriamente a verdade para outro.
Mas afinal?!!!!!
Sim afinal!!!!
A passagem do geral para o particular e do particular para o geral não são processos lineares, ai de quem achar que são. As armadilhas lógicas de certas argumentações conduzem à falsa verdade.
Joga-se com as palavras, com os seus significados e com o entendimento da relação entre elas. A ambiguidade é um campo fértil da inverdade, formando raciocínios inconsistentes, Joga-se com o poder das palavras. Joga-se com o efeito que as palavras tem em certas pessoas, joga-se com a vontade de acreditar em inverdades. Joga-se de feição e joga-se pela conveniência.
A distorção dos factos, a explicação incompleta e superficial, as lacunas propositadas, resultam por vezes em verdades obscuras, ilógicas e hilariantes. Acreditar cegamente na dicotomia logica das afirmações e ignorando as 3ªs vias, é um exercício ingénuo do acreditar na suposta verdade. A meia verdade nem sempre é igual à meia mentira e nem sempre a mentira é gémea da inverdade. Nem sempre a nossa verdade autêntica passa pelo absurdo. Só passa quando queremos que passe, quando queremos ser cegos. Não há pior cego do que aquele que não quer ver.
 Na verdade, a lógica é tão simples, é sim ou não.
  Verdadeiro X Verdadeiro=Verdadeiro; verdadeiro X Falso= Falso  Falso X falso= falso  
Será?
E há conceitos que por mais voltas e maquilhagens que se lhes faça, significam sempre o mesmo.
Amo a lógica.
(Sim esta reflexão não é para ti mesmo sendo.)

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado”

13 agosto, 2013

a rebeldia da arte de pensar

Sonhos que se desconfiguram e se desintegram na ressonância de alerta de um despertador diariamente odiado. Voltas em sons murmurados por lençóis frescos e engomados no dia anterior… fruáaa fruáaa . Nasce a tentativa de esquecer o som do relógio só por mais uns minutos, que me permita por em ordem a desarrumação sonhada, numa lógica fabricada no meu inconsciente. Estendo a mão para o vazio de um ninguém permanente, que me acolhe no abraço sempre desejado, durante o tempo que o meu pensamento permite.
Não disfarço esta rebeldia da arte de pensar
Olho em plano rasante  sobre uma cidade adormecida, que desperta caso a caso, casa a casa, com os raios de sol indiscretos que entram pelas vidraças sem pedir licença, criando ângulos agudos de luminosidades ténues da madrugada de cada um. Apanho com as mãos, os cabelos longos que livremente se espalham por mim acolhendo-me suavemente, restando como prova que se vive diferente em cada dia.
Retomo questões, repesco  incertezas, procuro mediar conflitos e gerar  equilíbrios. Sorrio.  
Que atitude tomaria o mundo se deixássemos de pensar?

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas

31 julho, 2013

AVEIRO COTA ZERO... ou quase


Clique em
http://issuu.com/anabelaquelhas/docs/aveiro_cota_zero_ou_quase
AVEIRO CIDADE ESCONDIDA
COTA ZERO... ou quase.
Narrativa como aprendente
Curso "Aveiro: a cidade escondida - património e leituras históricas“
Formador: Prof. Rui Tavares
Trabalho final – Anabela Quelhas
Maio 2013

15 julho, 2013

A mecânica e a psiquiatria

Julguei que a mecânica seria uma ciência exacta, como a matemática, como os cálculos que eu tão bem sabia fazer na disciplina de física (a estática, a dinâmica e a quântica) (acelerações e movimentos, forças, peso, vectores, and so on) dentro daquelas salas de calor constante entremeado com frescas correntes de ar a cheirar a acácia rubra.
Tenho verificado que talvez não seja bem assim.
Observo os mecânicos, abrem o capô e coçam a cabeça, embaralhando os cabelos mesmo que eles sejam pente 3, grisalhos ou negros ou até que nem existam.
O meu psiquiatra também faz o mesmo. Homem sexagenário de perfil freudiano sentado no seu cadeirão, de olhar atento e curioso, pronto a descobrir o ninho de cucos que poderá existir em mim.
Os raciocínios que obrigam a essa esfregação não devem ser matemáticos, suponho. Tenho reflectido sobre isso, tenho-me questionada para melhor conhecer o mundo.  
Quando falo das minhas fobias, dos meus sonhos, dos meus pesadelos diurnos e nocturnos, das minhas inseguranças, o psi afaga a barba e invariavelmente passa disfarçadamente os dedos levando a sua caneta credenciada entre eles e esfrega a cabeça. Não há matemática que não se vergue à sua caneta parker rialto (acredito eu).
O que quererá isso dizer?
Será a lógica ilógica das minhas dúvidas esofágicas que assanham a circulação da cabeça do meu psi?
O mecânico faz igual, evidentemente com as mãos oleadas em massa consistente, menos elegante, vestindo um fato de macaco azul muito manchado e com odor a escape, óleo queimado e transpiração quê bê, mas imbuído do mesmo gestual e com o mesmo brilho preocupado reflectido nos olhos, ávido pela descoberta e pelo prazer de navegar pelo desconhecido. Olhos que vêm, cabos, baterias, carburadores, pistons, tubos e bombas injectoras, análogos aos olhos que vêm frustrações, desejos, sonhos e complexos. Um cruza as mãos atrás das costas e circunda a frente do meu jeep, o outro permanece sentado no seu cadeirão e escreve, escreve…e no fim levanta-se cruza as mãos atrás das costas e circunda a long chaise onde estou semideitada.
Um tem a reprodução da “Nua sentada num divã” de Modigliani pendurada ao lado da sua secretária bem organizada com receituário, um pequeno martelo, um pisa papeis da Marinha Grande, e pequenos blocos de apontamentos com publicidade farmacêutica. O outro tem um calendário Pirelli de gajas descascadas ao lado da sua mesa de trabalho cheia de facturas para pagar, chaves inglesas e chaves de fendas parecendo perdidas, mas que não estão. O pisa papéis é uma roda dentada.
Estou mesmo a ver que é tudo igual. Mecânicas semelhantes em contextos diversos. Análises idênticas em enquadramentos distintos.
Afinal quem somos nós?

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas

12 julho, 2013

Não me ensinaste mecânica



Ontem as lágrimas transbordaram desgovernadamente e espelharam-se em frente a mim, pelos mesmos motivos, entre a chávena de café e a torrada da manhã. As lágrimas verteram-se como se estivessem ali à espera da ordem de saída, de um pequeno sinal que lhes permitissem rolar pela face abaixo, sem defesas, sem caminhos escolhidos no seu percurso, sem anúncios do que vai ser… um chorando o pai, o outro chorando a mãe.
A saudade que o tempo não mata. Alivia um pouco, mas não mata nem cura. Junto das lágrimas as palavras custam a sair, juntam-se de forma estranha e ficam presas na garganta como se esta fosse um desfiladeiro de palavras retidas. A saudade fica assim meio adormecida em nós, sem almofada, sem edredon, sem sedativo, fazendo de conta que já não existe, confirmando a nossa certeza que já tudo passou. Um belo dia normalíssimo, como muitos mais deste verão infernal, olhando e tomando a brisa entre as nove e as dez, e desenhando o meu olhar sobre outro olhar, a saudade apanha boleia nas lágrimas sedentas de luz e resolve me dizer que afinal a saudade acordou mais uma vez, espreguiçando-se despudoradamente perante o olhar sobre mim de mim, não se incomodando com a paisagem, com quem estava presente, se eu tinha ou não lenço de papel.
Hoje dando continuidade dessa saudade e sintetizando-a nas lembranças de tantos aniversários teus, verifiquei que não me ensinaste mecânica. Ensinaste-me muita coisa. Ensinaste-me a fazer paredes de tijolos, ensinaste-me a juntar areia e cimento, ensinaste-me a esticar aço, ensinaste-me a fazer cal, ensinaste-me a modelar estribos, ensinaste-me a misturar tintas e adaptar diluentes, ensinaste-me os cuidados para manipular a electricidade. Sei lá tanta coisa útil que me ensinaste, ensinaste-me até a chorar e não ter vergonha disso, mas não me ensinaste mecânica ou eu não quis aprender, não sei bem e hoje me fez falta.
Mais um aniversario pai e eu cá em baixo a fingir que não te lembro-
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas 12julho2013




07 julho, 2013

deslizo

“Deslizo vertiginosamente nos caminhos imaginados de ti, sem controle e sem ter a certeza de nada.
As contradições surgem num labirinto de vontades, desejos que me fazem sobreviver à velocidade uniformemente acelerada do existir, que me envolve sem eu mesma querer ou opinar.
Deslizo como se acariciasse cetim, implodindo as espumas dos dias que passam devagar, querendo reter apenas o sensorial. Vou escalando as emoções, vou circunscrevendo as sensações, como se te desenhasse numa motricidade fina de registo. As linhas seguras, os traços indecisos, as tonalidades de valores contados, exprimem contradições entre o tudo e o nada de nós e certamente os sabores do universo planeados não sei por quem.“
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas



05 julho, 2013

sentados à minha mesa

Levanto os olhos e e tento descobrir as minhas afinidades com cada um, sentados à minha mesa. Tão diferentes e tão próximos. Tão semelhantes também. Revi a construção da minha amizade com cada um, recuando até ao século passado. Sorri e saboreei a minha muamba, pontuada com cola zero e sublinhada com calcinha de nylon. Uns, serenos, outros agitados, carneiros e balanças são predominantes. Eu, única peixinho, saboreio o ser e o estar dos outros, nas minhas voltas em águas superficialmente tranquilas, analisando e imaginando sempre.
Cada um com o seu tempo vivencial muito próximo do que está sentado ao lado e em frente
Todos sorrimos e nos atropelamos nas palavras, sem prioridades.
Brindámos à saúde e â amizade, esta que nos une e que nos empurra muitas vezes para o prazer de estar sem tempo marcado, sem tarefas e sem pressa de chegar a sítio nenhum.
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas


30 junho, 2013

dar e receber

“Quando olho para trás e tento adivinhar o que vem pela frente, quando tento avaliar e programar o que me vai acontecendo, quando tento analisar os factos e partir para soluções, quanto tento parametrizar os conflitos numa dialéctica mais bidimensional e cautelosamente tridimensional, há uma regra matemática que está sempre presente. É um conceito matemático quase de raciocínio de lápis em cima da orelha, mas que nos resolve os problemas diários entre duas grandezas e com uma constante que varia entre, o amor, a amizade, o trabalho, a ambição, o profissionalismo, a responsabilidade, a euforia e sei lá que mais.
Dou aquilo que resulta de uma proporcionalidade directa daquilo que recebo. E espero receber na proporcionalidade directa daquilo que dou. Ponto.
Pode parecer uma estratégia egoísta e interesseira, mas não é! Este pensamento retira-me alguns pedregulhos do caminho, ilumina–me zonas sombreadas de mim, circunscreve o que realmente interessa e estimula-me muito a partilhar com quem merece.
Solidariedade, saúde e família ficam obviamente de fora.”
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas

27 junho, 2013

Dali eu viajava até à Lua

Não sei quem olhava quem, resguardada pelo painel veneziano e sentada na cadeiras frescas tropicais, azuis, verdes e laranja. As tiras de madeira horizontais filtravam o sol escaldante, deixando apenas passar a brisa forçada por 8 andares acima da linha de terra. Por vezes esse filtro de luz, calor e olhares projectavam linhas de geometria paralela feitas de sombra e de luz no chão e paredes da varanda, no meu rosto, nos meus cabelos dando a ilusão de frescura mas assegurando sempre as coordenadas do lugar de terra ocre e quente.
Os olhares libertavam-se das palavras escritas, estendiam-se e cruzavam-se entre um e outro lado, dum canal feito de espaço, algures levitando muito acima do asfalto negro atravessado continuamente de automóveis apressados ou não. 36m acima do solo não existiam regras de trânsito, não existiam prioridades, não existiam limites nos ângulos de visão, não existiam passeios nem esplanadas. Dali eu alcançava o mar. Dali eu viajava até à lua. Dali eu dividia a cidade do mato. Dali eu esquadrinhava quase toda a minha cidade num voo rasante a tudo que queria ou imaginava querer. Dali eu tecia ilusões do nascer ao por do sol, mergulhava na escuridão que não era após as 6 da tarde. Dali eu crescia languidamente para o mundo.
Ao lado da minha cadeira havia sempre vários livros, revistas e um copo de coca-cola. Romances, westerns, os patinhas, a notícias e a província de angola acumulavam-se para satisfazer várias vontades de leitura, em frente um pequeno banco para apoiar os pés, convertia a cadeira, numa longa cadeira onde apetecia ler, observar e espreguiçar. Atrás, o rádio que em surdina, me embalava nas músicas que nunca soube para quem eram, e coordenava ritmos com o bater do meu jovem coração.
Quando a noite caía, ligava um pequeno candeeiro dirigido para o que lia: Quando queria permanecer quieta, pensativa e em silencio, desligava tudo, até o mundo e olhava em frente, desconseguindo adivinhar o futuro, mas apostando que ele existiria pacientemente à minha espera.
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas

25 junho, 2013

impossibilidade de esperar




Podemos não ganhar, mas quando cruzamos os braços perdemos sempre. È isso mesmo!
Comecei esta luta, no dia em que acordei e percebi que se deve lutar por aquilo que se quer. Isto foi há anos luz atrás. Nivelo sempre por cima, e nunca por baixo, por isso quero sempre mais, pois a dignidade é algo que se conquista. Resiliência, resistência e entusiasmo são as qualidades que não me deixam desistir.
Ninguém lutará por mim e sofro da impossibilidade de esperar que os outros o façam, por isso respondo sempre presente. Continuarei a lutar até ao dia das horas perfeitas

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas