Ontem as lágrimas transbordaram desgovernadamente e
espelharam-se em frente a mim, pelos mesmos motivos, entre a chávena de café e
a torrada da manhã. As lágrimas verteram-se como se estivessem ali à espera da
ordem de saída, de um pequeno sinal que lhes permitissem rolar pela face
abaixo, sem defesas, sem caminhos escolhidos no seu percurso, sem anúncios do
que vai ser… um chorando o pai, o outro chorando a mãe.
A saudade que o tempo não mata. Alivia um pouco, mas não
mata nem cura. Junto das lágrimas as palavras custam a sair, juntam-se de forma
estranha e ficam presas na garganta como se esta fosse um desfiladeiro de
palavras retidas. A saudade fica assim meio adormecida em nós, sem almofada,
sem edredon, sem sedativo, fazendo de conta que já não existe, confirmando a
nossa certeza que já tudo passou. Um belo dia normalíssimo, como muitos mais
deste verão infernal, olhando e tomando a brisa entre as nove e as dez, e
desenhando o meu olhar sobre outro olhar, a saudade apanha boleia nas lágrimas
sedentas de luz e resolve me dizer que afinal a saudade acordou mais uma vez,
espreguiçando-se despudoradamente perante o olhar sobre mim de mim, não se
incomodando com a paisagem, com quem estava presente, se eu tinha ou não lenço
de papel.
Hoje dando continuidade dessa saudade e sintetizando-a nas
lembranças de tantos aniversários teus, verifiquei que não me ensinaste
mecânica. Ensinaste-me muita coisa. Ensinaste-me a fazer paredes de tijolos,
ensinaste-me a juntar areia e cimento, ensinaste-me a esticar aço, ensinaste-me
a fazer cal, ensinaste-me a modelar estribos, ensinaste-me a misturar tintas e
adaptar diluentes, ensinaste-me os cuidados para manipular a electricidade. Sei
lá tanta coisa útil que me ensinaste, ensinaste-me até a chorar e não ter
vergonha disso, mas não me ensinaste mecânica ou eu não quis aprender, não sei
bem e hoje me fez falta.
Mais um aniversario pai e eu cá em baixo a fingir que não te
lembro-
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela
Quelhas 12julho2013
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