09 novembro, 2013

eu quero a carica Crush

Meu amigo Henrique é um cola, que me xinga noite e dia. Nossos mambos se resumem na arte de brincar com 9 e 10 anos de idade, sem mais qualquer responsa no sábado de tarde.
Eu quero brincar com as bonecas, e aos reis e rainhas e ele quer brincar de pista com caricas, de joelho no meio do chão, cobrindo o chão de água e sabão para as caricas deslizarem mais rápido, na pressa de sempre ganhar, e isso por vezes dá maka entre nós.
- Ele me xinga, mâéeeee! O Henrique me xinga, não quer brincar comigo!!!!
Henrique espreita rindo da janela do quintal.
- Aka, Ana vambora! Vem brincar no quintal, trouxe shuingas e minha colecção de caricas!!! Vamos brincar deixo-te escolher e desenho a pista rápido, é só completar a pista de há dias.
- Eu quero a carica da Crush!
- Eu fico com a carica Nocal, vai correr como um Ferrari e te vou ganhar!!! Vais ver – diz Henrique olhando-me já com ar vitorioso, de quem olha para um rival desportivo de quinta categoria. Eu te ganho sempre, só sabes brincar com aquelas bonecas malaikas de meter medo. 
Pópilas, não tenho mais ninguém para brincar, vou fazer mais como?
Ele traça a pista no cimento, com giz trazido do nosso colégio. Marca a partida e a chegada, vincando bem o giz no chão. É um circuito feito de duas linhas paralelas, cheio de curvas entre os dois pontos, parecendo mazé uma gibóia de muitas curvas, às voltas dos dois mamoeiros e do tamarineiro, que mais parecem três ilhas no meio do quintal de cimento, que a esta hora bate a sombra; quintal escaldante num sábado de tarde de um mês qualquer de um tempo sem tempo na rua Pompilio Pompeu de Castro na Vila Alice, em frente da Texaco.
Quem começa?
Pim pam pum cada bala mata um, lá em cima do Huambo tem um copo com veneno quem bebeu morreuuuuuuu ….
Henrique treinado no impulso com o dedo indicador, não sei mais como se chama, dispara a carica percorrendo quase completamente o primeiro troço da pista, não saindo nem mais um milímetro fora do traçado riscado a giz. Muita prática de jogar com os vizinhos rapazolas e borbulhentos. Ele imita com um vrrrummm de automóvel que arranca a grande velocidade. 
Passa barona na rua e nos olha, nós kandengues descalços e em calções, mastigando shuinga, atirando caricas numa pista que nem fosse fórmula um do Fitipaldi, lá nas Europa. Passa machimbombo também e passa quitandeira apreguando… éééé´bananéeeeee, bananéeee.
Eu atiro com a carica crush, que não chega nem perto da carica Nocal colocando-me logo no clube dos perdedores.
Jogamos mais uma e outra e outra vez ainda, ficando eu cada vez mais para trás. Se a carica vai para fora regresso à partida, eu lhe xingando de matumbo, pois desconsigo atingir a meta. 
- Ei mininos venham lanchar pão com manteiga, bolinho de côco e Quick… tem ginguba e pipocas…hoje tem cana do açúcar que fui comprar no mercado de S. Paulo. 
- Oh agora que eu estou a ganhar!!!!… reclama Henrique
-Tu ganhas sempre…
- Não faz mal, voltam depois, vão lavar as mãos ai na mangueira do quintal.
Lavo as mãos e previsivelmente aproveito para aprontar, molhando as pernas do Henrique vingando-me de tanta corrida! Quero as minhas bonecas que ele odeia e que atira ao ar para me xingar.
- Cruaaak! Ginguba!!!!!! Dá ginguba ao jacó!!!!! 
- Ué que bolinhos bons!!! Estão deliciosos.
-No final vamos brincar de táxi, de levar e trazer em frente à Versailhes.
-Sim vamos, o teu cota ainda não chegou, Henrique? 
-Ainda! Hoje chega tarde e minha cota foi no cabeleireiro.
- Primas!!!!! começo eu a conduzir. 
Entro no cônsul preto que está na porta de casa, esperando o passeio de fim de semana e onde todo o dia nos deliciamos a simular a condução, como se fossemos um carro de aluguer circulando nas ruas de imaginação de S. Paulo de Loanda, as Ingombotas, a Maianga, a CAOP. É cônsul 17éme, só sei isso, preto e bonito, ano não sei mais, que não me interessa. Interessa o brilho de nós reflectidos na chapa negra daquele carrão que nos leva a todo lado sem gasóleo nem gasolina.
Ligo rádio e desligo. Ouve-se Nelson Ned no seu, o que é que você vai fazer nos domingo de tarde…., faço pisca e meto velocidades de verdade, junto ao volante, com a embraiagem no fundo,1ª, 2ª, 3ª e prise, depois reduzo, 3ª, 2ª ate fingir que paro para apanhar o meu cliente que entra para o banco da frente, à homem armando-se numa nice com estilo de homem gingão. Quando ele faz de motorista, põe boné na cabeça e estica os braços como um homem bem alto. Eu vou no banco de trás com o vidro aberto e finjo que fumo, uso um lápis para fazer a vez, olho com olhar de dáma que vai nas bumba, e coloco uma fita vermelha no cabelo (vi no cinema Kipaka)….
- Boa Tarde, me leva no Cacuaco!!!!
Ou 
- Por favor me leva na Restinga da Ilha para jantar!
Xê!!!! Assim mesmo horas e horas, ora eu de motorista ora ele. Ele ate limpa o volante com a flanela laranja e imita os tiques de braço na janela, conduzindo só com uma mão e toda a gestualidade de colocar a mão de fora, para parar ou deixar passar. Buzina também é importante mas a maioria das vezes é o jacó que buzina igual, pondo loucos, os vizinhos.

Paro no destino e peço o kumbú que ele faz de conta me dar.
- Me dá de troco uma quinhenta, o resto é gasosa.
. Ana dá ginguba ao Jacó! Henrique é bandido não dá ginguba!!! CRRRUÁÁKKK!!!!!

In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela Quelhas
Para o meu amigo de infância Henrique Martinho que desencontrei há tantos anos
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