“Era uma vez numa pequena aldeia no norte de Portugal,
situada nas coordenadas do Portugal profundo, onde se preparavam as 1ªas eleições
para a junta de freguesia. Os partidos seleccionaram entre os seus simpatizantes
os mais capazes e ou os mais militantes e ou os mais bem formados, para as respectivas
listas.
Isildo das Fontes, meu vizinho, homem para uns 50 anos de
idade, com apelido morfológico e toponímico (nem sei o que quer dizer mas acho
que fica bem) primo do tio do irmão de não sei quem, homem das leis, que se
candidatava à assembleia municipal, viu-se empurrado para a politica socialista,
após a abrilada dos cravos, sem saber ler nem escrever, por influência do tal
primo do tio do irmão de não sei de quem, homem das leis, advogado, candidato a
presidente da Câmara… Eram parentes afastados mas a politica estava-lhes no sangue!!!
Isildo das Fontes, homem honesto, leal, trabalhador rural de
sol a sol, de mãos grandes, robustas e calejadas, habituado a cavar pela
madrugada e a anoitecer forrando vacas da lavoira e preparando arados para a
madrugada seguinte, sem domingos, sem feriados, nem dias santo, viu-se orgulhosamente
metido nesta empreitada da politica.
Candidato a presidente da junta.
Percebia de politica?
Sabia lá ele!
Ele sabia quando devia semear o nabal, e quando arrancava as
batatas, sabia quando levava as vacas ao touro da coberta e não se enganava
nunca. Era honesto, não devia na mercearia. Das contas ele sabia, até tinha um
calendário pendurado na cozinha e todos os anos punha-se a caminho para a
cidade, com a sua samarra, guarda-chuva e chapeu e ia pagar a décima
pontualmente. Gostava da sua aldeia, que o viu nascer, assim como viu o seu pai
e o seu avô. Ele conhecia os campos, os marcos… daqui é deste, e dali é daquele,…
ele apaziguava as rixas entre vizinhos desavindos e águas mal divididas.
Portanto poderia ser um bom presidente da junta, porque não?.
E ele rejubilou, a sua autoestima ficou em alta com o convite
do primo do tio do irmão de não sei quem, homem das leis, que se candidatava à
assembleia municipal: Começou a limpar melhor os socos, a aprumar a camisa e a
samarra, e a juntar-se ao domingo no fim de missa ao povo que iria votar nele,
com sorriso largo e franco. Começou a substituir os Bes pelos Ves, para
linguajar mais fino e fazia o trabalho de casa. Se fazia!!!! Como fazia e não
era nada fácil!
Como vos disse ele viu-se empurrado para a politica sem saber
ler nem escrever, e era verdade, não sabia ler nem escrever, era analfabeto de
pai e de mãe o que não seria impedimento de maior, desde que soubesse assinar a
papelada. E era esse o seu trabalho de casa que ele realizava com aprumo e empenho.
Todos os bocadinhos livres a seguir à ceia, ou após o almoço
de domingo, Isildo das Fontes puxava dum papel e da caneta, arrumados atrás do
escano e treinava a assinatura. Os dedos grossos e rijos, desprovidos de
qualquer motricidade fina, mal dobrando as falanges, copiavam ISILDO DAS FONTES
com a língua ao canto da boca e de fora, ajudando nas curvas e contracurvas do desenho
do I e do EFE, numa assinatura espalhafatosa, como ele tinha visto e admirado num
tabelião no tempo do minério, e rematando com gesto largo num rabiosque e ponto
final. A coisa não era fácil, mais fácil seria carregar um carro de estrume ou
malhar o centeio..
A tarefa só ficava concluída levantando o papel e olhando-a
de braço esticado, cuja distância era proporcional à vista cansada produzida
pela sua candeia.
Magnifico! magnânimo! “
In “Ensaios de escrita, um projecto sempre adiado” Anabela
Quelhas
28I09I2013
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