Portugal está um país feio
Uma
circunstância infeliz da minha vida forçou-me, a passar estas férias
circunscritas ao local onde vivo. Passei pelos mesmos sítios de sempre, repeti
fotos, descobri novas realidades que por vezes se apresentam invisíveis, estendi
olhares sem pressa, associados a reflexões outras vezes construídas, ou seja
aproveitei a imobilidade de forma criativa e como sempre obedecendo ao meu espirito
critico.
O
gosto educa-se? Aquela questão com que muitas vezes trunfamos para justificar
erros e alarvidades visuais, voltou a emergir na minha cabeça, onde as questões
estão armazenadas em abundância.
Portugal
está um país feio. MESMO FEIO! Acho eu e os outros.
Esta
é uma verdade incontornável.
A
arquitectura que invade o nosso horizonte, seja em que sítio for, é de péssimo
gosto.
Os
amantes da fotografia devem sempre ter o cuidado de confirmar os
enquadramentos, para eliminar ou esconder o que está a mais, os erros
arquitectónicos e as aberrações que nascem no meio da
arquitectura popular.
A
desordem urbanística é uma verdadeira anedota.
Quem
são os responsáveis? Os arquitectos e os engenheiros? Não.
Os
proprietários? Seria fácil dizer que sim, confirmar a sua culpa já que são eles
os agentes activos. Mas não são. Os proprietários só constroem o que lhes
deixam construir.
Os
grandes culpados são os autarcas deste país. Demoraram anos e anos para criar e
aprovar PDMs e entretanto iam aprovando atrocidades, dentro e especialmente
fora das cidades. Todos os autarcas deveriam ter uma política de organização do
território e aplica-la com rigor. Já sabemos que a maior parte dos autarcas não
tem formação nessa área, mas têm equipas e técnicos dentro das câmaras
municipais. Tiveram inclusivamente gabinetes de apoio técnico, os GATs que não
foram rentabilizados como deveriam ser, os técnicos estavam lá. Seria difícil
seguir o princípio da não invasão dos solos agrícolas com construção?
Cada
um fez a sua casa onde quis. As redes de abastecimento de água são redes
irracionais, dispersas, em que todos nós pagamos ao metro linear. Criar redes
de esgotos para esta maluqueira urbanística é uma utopia e assim cada
construção tem uma fossa que vaza os detritos para os terrenos adjacentes.
Os autarcas
assobiaram para o lado, durante 40 anos, têm fechado os olhos à sua própria
incompetência. Foram 40 anos de asneiras sucessivas, somadas e multiplicadas,
com ou sem PDMs.
E
a arquitectura?
Quem
domina o território são projetos de engenheiros sem qualquer formação estética.
Aquela afirmação, “Gostos não se discutem”, tem servido para viabilizar a
construção de edificações sem serem concebidas pelos profissionais que têm esse
saber e direito. Esta situação que se chama falta de ética profissional, foi
alastrando sobre a forma de vírus pelas cidades, aldeias e a natureza que as
rodeiam. Hoje temos um Portugal feio, muito feio. As aldeias estão
descaracterizadas, os solos agrícolas e as veigas entre montanhas estão
pulverizadas por construções que assumem o mau gosto dos proprietários, dos
seus autores e dos seus autarcas. Qual integração? Qual valor patrimonial? Qual
valor arquitectónico? Existe por vezes um excesso de rigor nas cidades e uma
permissividade catastrófica nos aglomerados rurais que definitivamente
comprometem a paisagem deste país. As construções novas surgem desintegradas da
paisagem e também não valem por si, porque arquitectonicamente são umas nódoas.
Costumo
dizer que, daqui a uns milénios, quando as gerações futuras ou então os ETs que
desaguem por aqui, avaliarem o Homem actual deste país chamado Portugal, deduzirão
que temos diversas neuropatias, entre as quais aquela que impede o Homem de se expressar
arquitectonicamente com uma linguagem própria do seu tempo, e assertiva com
todas as outras formas de arte suas contemporâneas.
Os
meus caros e amigos engenheiros que me desculpem, mas projectam com um papel
milimétrico dentro da cabeça, sem qualquer sensibilidade ao espaço, à
volumetria, à composição, à envolvente, à história e aos utentes. Projectam à
engenheiro como é o seu dever. Para eles, linguagem arquitectónica ou fruição
estética são verdadeiros palavrões. Temos que reconhecer que todos nós
saberemos desenhar uma casa, só que uns fazem-no melhor do que os outros.
O
resultado é este, é tudo aquilo que invadiu a paisagem portuguesa e nos faz
entristecer. Projectar bem é conciliar de forma criativa, a forma com a função,
assumindo com dignidade e orgulho a linguagem arquitectónica de cada tempo. As
construções fazem-se grandes e caras. Alguns proprietários fazem questão de dar
visibilidade à ostentação e ao seu poder económico, e estão no seu direito, mas
fazem-no tão mal! recorrem a técnicos, não a arquitectos. Surge por vezes um
maior cuidado em certos projectos, que infelizmente se resume a umas molduras
de granito, em cópias mal feitas do tempo de Raul Lino. Estamos no século XXI,
temos tecnologia do século XXI, aplicada em projectos do século XIX - uma
neuropatia de 2 séculos.
De
quem é a culpa?
Dos
autarcas. Desculpem eu insistir na acusação. Por vezes basta um conselho, basta
mostrar novas tipologias, basta até criar regulamentos municipais com
indicações claras sobre as intervenções, basta seguir as orientações de um
arquitecto e basta não misturar poder autárquico com lobbies, com especulação,
com tráfico de influências… é também da competência dos autarcas a educação
estética dos munícipes, e o exemplo tem que vir de cima, obviamente.
Houve
uma época, e não foi há muito, que as autarquias dispensavam o cargo de
arquitecto no seu quadro de técnicos, pois normalmente colavam-lhe o rótulo de
artista louco, incómodo e “pouco prático”, e quando o tinham, colocavam-no na “prateleira”
destinando-lhe a toponímia das ruas da urbe, impossibilitando que opinasse na
definição de linhas estratégicas de desenvolvimento. A única vez que me
candidatei a um concurso para vaga de arquitecto numa câmara municipal, fui
rejeitada por não ter telhados de vidro, ser interveniente, eventualmente não
ser permeável a partidarites e por ser mulher. Já foi depois de Abril!
Estamos a pagar uma factura elevada desta falta de
visão, desta inoperância e inércia autárquica global que afecta a todos. Cumprir
regulamentos não chega, mas nunca é tarde para mudar, apesar que praticámos
erros incorrigiveis… pelo menos agrada-me que peçam desculpa pela perturbação
que as obras municipais causam aos munícipes. A educação é sempre positiva e de
sublinhar.
In” Ensaios de escrita, um
projecto sempre adiado”
Anabela Quelhas (aprendente e
anotadora de espaços)
Sem acordo ortográfico
Publicado em NVR set 2014
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