E onde acaba a arquitectura e começa o paisagismo ou o urbanismo?
Ninguém sabe.
Este homem consegue nos seus edifícios integrar as artes como o fizeram os góticos, por exemplo e veio provar-me de que é possível (embora com génio) resolver o tal dilema a que já me referi neste diário: dum lado, o funcionalismo mais ou menos prosaico nas arquitecturas, e do outro os museus cheios de pinturas e de esculturas mais ou menos modernas.
E Taliesin é também uma lição no que respeita à prisão dum edifício aos valores naturais e humanos. Ali uma família e um Homem presos a uma terra, um conjunto de edifícios nascendo duma paisagem, a tudo presidindo um pensamento e uma forma.
Ali uma força enorme liga coisas e seres.
E pensar eu que vi um templo indiano e uma casa de chá japoneza no Museu de Philadelphia e claustros românticos em Nova York!
O poder de integração em Taliesin é tão forte que chega a ofender-se Deus pensando que Wright também foi o creador daquela paisagem!
Vi muita coisa na América até hoje: desde as melhores Racket Girls do mundo, até à altura do Empire State, vi estatísticas e números e cadeias de montagem, vi edifícios e arquitecturas, vi museus e planos e planos, vi highways e prosperidade por todo o lado: mas a poesia, a humanidade e a grandeza, só as encontrei em Wright.
Tudo o que vi compreendi pela inteligência; aqui o pouco que vi permitiu-me sentir tudo sem nada me ter sido explicado.
Os edifícios de Taliesin não são crianças em idade; alguns terão os trinta ou quarenta anos, o que aliás o seu estado de conservação deixa advinhar, no entanto, mesmo que estivessem em ruínas, conteriam ainda um grande poder de expressão, como vi monumentos do passado; o que seria uma ruína da Vila Savoie ou uma ruína do Seagram Building? O tempo em Taliesin joga a forma da arquitectura e da paisagem, o que creio não acontece em 90% da arquitectura moderna.
Vi há tempo a casa de Gropius em Lincoln: quando vi Taliesin, a casa de Gropius pareceu-me um frigorifico pousado numa colina!
Não há dúvida que o Zevi tem razão: o Sr. Giedion enganou-se, ao por Wright no princípio e Le Corbusier no fim do seu livro; foi um pequeno engano… de pôr tudo ao contrário. E o mundo sente, todos nós sentimos (e eu chorei por isso mesmo) que me falta qualquer coisa, que a máquina está perturbada que o caminho não é exactamente este e que os anos passam…Estamos a fazer uma arquitectura de "esqueletos decorados"; e Wright conseguiu crear organismos. Quem se atreve a discutir a forma de um dedo, a cor de uma flor ou o bico de um pelicano? São assim… porque são assim.
É isso que nós precisamos de fazer em lugar de andar a vestir esqueletos com pinturas e esculturas ou a apresentar os esqueletos em pêlo como se um animal fosse apenas o seu esqueleto ou a qualidade dum vinho pudesse apreciar-se pela fórmula química que o representa… Está tudo doido.
Enfim isto é um pouco, muito pouco, do muito que meditei sobre Taliesin.
Lá repousei pelos campos desse Wisconsui que ele tanto amara e pelas cinco horas voltei a Spring Green. Comi alguma coisa (o mesmo hamburguer idêntico copo de cerveja) e vim para a estrada esperar o bus.
Estava já mais calmo mas longe ainda de estar calmo. E tão aéreo ainda que o bus passou e só quando passou é que lhe fiz sinal para parar. O homem ficou zangado e parou muito longe porque vinha largadíssimo.
Enfim cheguei a Madison perto das 8 da noite. O dia tinha sido extraordinariamente forte. Quando me deitei ainda as pernas me tremiam e ainda os olhos estavam molhados.
(Soube hoje, 11 de Abril, que no dia 9 em que visitei Taliesin fazia exactamente um ano que Wright morrera; talvez por isso mesmo a sua presença era tão forte neste dia…).
Fernando Távora, Prof
2 comentários:
Desculpa! Esqueci-me que eras Arquitecta. Vamos lá a ver. Compreendi com este diário a importância do funcionalismo arquitectónico. A ligação das construções aos valores naturais e humanos. Compreendi também que, numa terra, num lugar, de que nunca ouvi falar, chamado Taliesin há algo interessante e diferente. Certo? "...no conjunto de edifícios nascendo de uma paisagem, e tudo presidindo um pensamento e uma forma". No teu colega, o simpático Mr. Wright, entendi a poesia, a humanidade e a grandeza do que entende ser harmonioso e belo. Entendi a prosperidade e o progresso subjectivo do que se concebe e que representa uma construção,uma forma de vida e uma forma de ser. Certo?
Não sei se Taliesin ainda existe? Fico na dúvida pela ignorância. As suas produções arquitectónicas subsistem ainda, na integração da paisagem à arquitectura?
São por certo questões a responder.
Eu fico por aqui. Que Deus me valha, porque não sei se fui um bom aluno, perante uma mestra tão sabedora e criativa?
Esperemos que o comentário não suscite a hilariedade de alguém que me coloque no ridículo, porque se calhar não o fiz com os pés e o pensamento bem assentes no conhecimento das coisas, saindo sem nexo ou sem sentido.
A var vamos!
A intenção era boa, não se esqueçam disso.
Certo?
Abraço.
Poliedro, compreendeste muito bem!
Quando visitares os States, concerteza não te esquecerás de Taliesin, pois para quem gosta de arquitectura, é um sítio obrigatório. A minha opinião é duvidosa, grandes arranhacéus, hamburguers e a megalomania que caracteriza o outro lado do atlantico, não me atrai, não me diz nada. Mas Frank Lloyd Wright vale sempre a pena!
Abraço grande.
A. Quelhas
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