Durante uns dias vai-me apetecer ler, reler e saborear este diário que deu entrada no meu estirador. Algumas partes, foram-me contadas na primeira pessoa há três décadas atrás, e vai ser delicioso relembrar este grande SENHOR, visualizar cada pormenor, cada à parte que subtilmente era encaixada, na sua conversa suave, fluente e envolvente, delineada com nuances de humor inteligente. Há professores que teimam em permanecer no meu coração.
I LOVE TÁVORA
FERNANDO TÁVORA
"Diário da Viagem aos USA"
1960Abril, 9, Sábado
Dia grande!
Uma bela manhã de primavera.
Às 9 e pouco estava a perguntar ao homem do Hotel o caminho para Taliesin. "Talvez tomando um bus para Spring Green…", o melhor é perguntar ali em frente. Lá fui aos bus. Sim senhor, às 10,45 e está às 11,54 em Spring Green.
A viagem correu normalmente.
A paisagem bonita, com grandes campos e colinas suaves.
Spring Green é uma pequena aldeia rural.
Quando saí do bus sabia apenas que estava em Spring Green, nada mais. Achei por bem dirigir-me ao edifício dos correios, ali perto da paragem do bus.
Perguntei à Senhora: "Pode dizer-me como posso ir a Taliesin?"
"Tem de voltar para traz e atravessar a ponte nova, mas agora não está lá ninhguém; eles ainda não voltaram".
(A Senhora julgava que eu tinha carro e além disso que os queria ver).
"Mas eu não tenho carro, não é possível alugar um táxi, ou ir a pé?";
"A pé? São umas 6 ou 7 milhas e táxis… não me parece possível…"
Entrou então na conversa um homem de idade que depois soube ser o marido da Senhora (o correio estava mesmo para fechar); o homem coçou o queixo e insistiu.
"A Taliesin, mas o Sr. não vê nada e aqui não há táxis…; talvez numa garagem arranje alguém que o leve…".
"Não tenho pressa, disse, queria almoçar primeiro e seguir depois; volto para Madison às 7 e tal, portanto tenho muito tempo".
"Almoçar? Só se comer uma sandwich, ali (e apontou-me uma casa) porque aqui não há restaurantes… mas o mais difícil é ir a Taliesin…";
"…nemque eu tenha de ir a pé, vim de Portugal para ver Taliesin…".
O argumento foi decisivo.
O homem disse-me então: "Há-de-se arranjar transporte…".
Neste momento parou um carro em frente ao correio e o velhote, deu-me um pequeno empurrão e disse: "Peça áquele senhor, talvez ele possa lá ir…".
Cheio de coragem (a necessidade faz milagres) avancei e perguntei: "Please Sir, are you going to Taliesin?"
"I? Not now" e avançou sem me ligar importância. O velho então entrou em acção e contou-lhe a minha desdita;
"Mas eles não estão lá, está tudo fechado"
- "Mas eu tenho de ir…"
- "Vá então almoçar e à meia hora eu vou buscá-lo ali".
Dei um suspiro de alívio; se o correio fechava sem eu resolver o meu problema não sei o que seria de mim.
Para "variar" comi "hamburguer" e bebi um copo de cerveja e à hora combinada estava cá fora. O homem apareceu pontualmente.
Entramos no carro e eu contei-lhe com mais pormenor a minha história; "mostro- lhe tudo, conheço muito bem Taliesin e conheci Mr. Wright; trabalhei com ele algumas vezes…"
"O caminho agora é mais longo porque construiram uma ponte nova e é preciso ir à "highway". Lá saímos de Spring Green, entramos na dita "highway" num percurso pequeno e metemos à direita; "aquela pedra foi ali posta há tempo por Mr. Wright, naturalmente para gravar alguma coisa, mas nada fizeram depois dele morrer…"
"E pode ver-se o sítio onde ele está enterrado?". "Pode, está junto de uma pequena capela, eu mostro-lhe" -
Fomos andando. Em certa altura o homem parou o carro e mostrou-me o sitio da velha ponte sobre o rio;
"foi nesta estrada que morreu a filha de Mr. Wright, um desastre de automóvel, há anos; aqui (e centrou-me o lado oposto ao rio) Mr. Wright comprou uma "farm" e começaram a construir um edifício, creio que para um restaurante; ele queria construir sobre a estrada, mas "eles" não deixaram…".
Vi então a estrutura de um edifício que domina todo o rio e cuja construção deve estar suspensa já há tempo.
"É possível que a "fellowship" acabe a construção. Eles querem continuar os trabalhos de Mr. Wright…".
Seguindo um pouco e ao fim de uns segundos eu via, cortando o ponto mais alto de uma colina, a casa de Wright; afastada, uma outra colina, mas situado na encosta, o conjunto de edifícios vermelhos (dum vermelho terra), de uma "farm". É um momento que não posso esquecer, o desse primeiro contacto com Taliesin. A paisagem sem ser grandiosa é grande e os edifícios sem serem grandes sentem-se perfeitamente na paisagem, sem, de qualquer modo a desvalorizarem. A ideia de Taliesin como uma construção desfez-se nesse momento no meu espírito; Taliesin é uma paisagem, Taliesin é um conjunto, em que é porventura difícil distinguir a obra de Deus da obra dos Homens. Devo dizer, além disso que o sítio é duma beleza surpreendente… Mas o Senhor não me dava tempo para pensar; vamos ver agora o sítio onde Mr Wright está enterrado.
Seguimos.
2 comentários:
Li a história com atenção e interesse.
Nunca tinha ouvido falar de Taliesin? A importância dada por Mr. Wright deixa-me profundamente curioso.
Conta o resto do diário logo que possas. Fico à espera.
Beijos.
..interessante...Abraço
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