09 janeiro, 2007

Diario (parte final)


E onde acaba a arquitectura e começa o paisagismo ou o urbanismo?
Ninguém sabe.
Este homem consegue nos seus edifícios integrar as artes como o fizeram os góticos, por exemplo e veio provar-me de que é possível (embora com génio) resolver o tal dilema a que já me referi neste diário: dum lado, o funcionalismo mais ou menos prosaico nas arquitecturas, e do outro os museus cheios de pinturas e de esculturas mais ou menos modernas.
E Taliesin é também uma lição no que respeita à prisão dum edifício aos valores naturais e humanos. Ali uma família e um Homem presos a uma terra, um conjunto de edifícios nascendo duma paisagem, a tudo presidindo um pensamento e uma forma.
Ali uma força enorme liga coisas e seres.
E pensar eu que vi um templo indiano e uma casa de chá japoneza no Museu de Philadelphia e claustros românticos em Nova York!
O poder de integração em Taliesin é tão forte que chega a ofender-se Deus pensando que Wright também foi o creador daquela paisagem!
Vi muita coisa na América até hoje: desde as melhores Racket Girls do mundo, até à altura do Empire State, vi estatísticas e números e cadeias de montagem, vi edifícios e arquitecturas, vi museus e planos e planos, vi highways e prosperidade por todo o lado: mas a poesia, a humanidade e a grandeza, só as encontrei em Wright.
Tudo o que vi compreendi pela inteligência; aqui o pouco que vi permitiu-me sentir tudo sem nada me ter sido explicado.
Os edifícios de Taliesin não são crianças em idade; alguns terão os trinta ou quarenta anos, o que aliás o seu estado de conservação deixa advinhar, no entanto, mesmo que estivessem em ruínas, conteriam ainda um grande poder de expressão, como vi monumentos do passado; o que seria uma ruína da Vila Savoie ou uma ruína do Seagram Building? O tempo em Taliesin joga a forma da arquitectura e da paisagem, o que creio não acontece em 90% da arquitectura moderna.
Vi há tempo a casa de Gropius em Lincoln: quando vi Taliesin, a casa de Gropius pareceu-me um frigorifico pousado numa colina!
Não há dúvida que o Zevi tem razão: o Sr. Giedion enganou-se, ao por Wright no princípio e Le Corbusier no fim do seu livro; foi um pequeno engano… de pôr tudo ao contrário. E o mundo sente, todos nós sentimos (e eu chorei por isso mesmo) que me falta qualquer coisa, que a máquina está perturbada que o caminho não é exactamente este e que os anos passam…Estamos a fazer uma arquitectura de "esqueletos decorados"; e Wright conseguiu crear organismos. Quem se atreve a discutir a forma de um dedo, a cor de uma flor ou o bico de um pelicano? São assim… porque são assim.
É isso que nós precisamos de fazer em lugar de andar a vestir esqueletos com pinturas e esculturas ou a apresentar os esqueletos em pêlo como se um animal fosse apenas o seu esqueleto ou a qualidade dum vinho pudesse apreciar-se pela fórmula química que o representa… Está tudo doido.
Enfim isto é um pouco, muito pouco, do muito que meditei sobre Taliesin.
Lá repousei pelos campos desse Wisconsui que ele tanto amara e pelas cinco horas voltei a Spring Green. Comi alguma coisa (o mesmo hamburguer idêntico copo de cerveja) e vim para a estrada esperar o bus.
Estava já mais calmo mas longe ainda de estar calmo. E tão aéreo ainda que o bus passou e só quando passou é que lhe fiz sinal para parar. O homem ficou zangado e parou muito longe porque vinha largadíssimo.
Enfim cheguei a Madison perto das 8 da noite. O dia tinha sido extraordinariamente forte. Quando me deitei ainda as pernas me tremiam e ainda os olhos estavam molhados.
(Soube hoje, 11 de Abril, que no dia 9 em que visitei Taliesin fazia exactamente um ano que Wright morrera; talvez por isso mesmo a sua presença era tão forte neste dia…).

Fernando Távora, Prof

2 comentários:

Pena disse...

Desculpa! Esqueci-me que eras Arquitecta. Vamos lá a ver. Compreendi com este diário a importância do funcionalismo arquitectónico. A ligação das construções aos valores naturais e humanos. Compreendi também que, numa terra, num lugar, de que nunca ouvi falar, chamado Taliesin há algo interessante e diferente. Certo? "...no conjunto de edifícios nascendo de uma paisagem, e tudo presidindo um pensamento e uma forma". No teu colega, o simpático Mr. Wright, entendi a poesia, a humanidade e a grandeza do que entende ser harmonioso e belo. Entendi a prosperidade e o progresso subjectivo do que se concebe e que representa uma construção,uma forma de vida e uma forma de ser. Certo?
Não sei se Taliesin ainda existe? Fico na dúvida pela ignorância. As suas produções arquitectónicas subsistem ainda, na integração da paisagem à arquitectura?
São por certo questões a responder.
Eu fico por aqui. Que Deus me valha, porque não sei se fui um bom aluno, perante uma mestra tão sabedora e criativa?
Esperemos que o comentário não suscite a hilariedade de alguém que me coloque no ridículo, porque se calhar não o fiz com os pés e o pensamento bem assentes no conhecimento das coisas, saindo sem nexo ou sem sentido.
A var vamos!
A intenção era boa, não se esqueçam disso.
Certo?
Abraço.

Anabela Quelhas disse...

Poliedro, compreendeste muito bem!
Quando visitares os States, concerteza não te esquecerás de Taliesin, pois para quem gosta de arquitectura, é um sítio obrigatório. A minha opinião é duvidosa, grandes arranhacéus, hamburguers e a megalomania que caracteriza o outro lado do atlantico, não me atrai, não me diz nada. Mas Frank Lloyd Wright vale sempre a pena!
Abraço grande.
A. Quelhas