17 janeiro, 2007

O velho do Restelo não terá razão?

Fala do velho do restelo ao astronauta
Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.
Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.
No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.
Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.
(In OS POEMAS POSSÍVEIS, Editorial CAMINHO, Lisboa, 1981. 3ª edição)
José Saramago

Mas porque isto tem que acontecer?


1 comentário:

Pena disse...

"Os brinquedos são as bombas de napalme"...A fome...A sede...A miséria...
De quem é a culpa?
Convence-te, é da vida? Da vida, da miséria da vida que não merecem, da pureza de um poema por escrever, que não consigo escrever porque não nos nos merecem que se escreva nada.
O seu choro será sempre o meu choro.
Sei que não vai ajudá-las em nada, mas exprime o que não devia existir. O que não devia acontecer. Jamais!
Um bem-haja solidário a todos os injustiçados, sofredores por uma causa, qualquer que seja.
Que poema escrever? Que dizer?
Nada. Só um nada. Nada mais!