26 outubro, 2006

Uma espera feita de amor (II)

Quando entrei, de novo, no estranho Hospital acompanhado da minha amada, olhei demoradamente à minha volta. Perscrutei tudo o que me rodeava, auscultando introspectivamente se tudo estava normal e, se nenhuma situação insólita ou esquisita não reinavam naquele dia, resplandecente aos meus olhos.
Era decisivo para mim e para ela!
Suspirei de alívio!
Não vi anzóis, arpões ou limpa pára - brisas à vista ou em conversas.
Sosseguei, um pouco mais, eu que me enervo facilmente.
Já era razoável ao meu exigente pensamento.
Não!
Não pensem que me esqueci do nosso chefe e Sr. Professor e,
muito estimado e respeitado, José. Imaginei logo o nosso valoroso Sr.Professor, entretido a compor e a medir rigorosamente o segmento de recta do bloco operatório, protestando por não o chamarem logo nesse arranjo, perito em segmentos de recta.
Pensei, que ele tinha razão!
Um chefe tem sempre razão, mesmo que ninguém concorde!
Pensei também, que os seus protestos e a sua indignação tinham todo o meu aplauso. Nem todos têm rigor no traço! Se ele era perito, deveriam tê-lo chamado de imediato! As pessoas têm todo o valor em alguma coisa e, por isso, o seu talento deveria ser mostrado e elogiado de imediato e prontamente. Mais uma vez, o nosso chefe tivera toda a razão. Ainda, não sei se preencheu o livro de reclamações do estranho Hospital ou não. Por certo, não deve existir, senão deveria usá-lo, que é para estes casos que ele serve.
Pelo menos terá sempre o meu apoio.
Penso que deve bastar o meu apoio porque ele também me apoiaria, se eu fosse bom em segmentos de recta como ele. Infelizmente, não sou!
Mas, deixemos o prezado Sr. Professor e Chefe e os segmentos de recta em que é perito em PAZ.
Não o vi e, isso, é que interessa para o meu bem-estar, eu que sou muito complicado.
Olhei de novo. Senti um arrepio pensando que vira a diligente senhora da cadeira de rodas e que me ameaçara com umas chineladas, em sua casa, se eu fosse marido dela, por eu não querer largar a sopa e ter chegado ligeiramente atrasado.
Tremi e arregalei bem os olhos.
Não! Não era ela.
Esqueço-me sempre dos óculos, eles que me fazem tanta falta e, torna-se necessário forçar um pouco a vista, para descortinar alguém que conheço. Não temi as chineladas, mas fiquei muito mais aliviado por não ser ela, podem crer!
Não que lhe quisesse mal, pois era a sua profissão, mas era melhor assim, para evitar complicações de novo. Até podia estar mal disposta e sabe-se lá no que lhe daria para fazer? Ponto Final, estava mais descansado! E, é tudo! Entretido nestas divagações, apurei o meu turvo olhar e constatei um facto: todos os doentes tinham um envelope junto deles!
A minha amada também tinha um, mas nunca espreitei lá para dentro, confesso. Era dela! E só dela! O deles era só deles! Respeitei-os, apesar desta constatação não merecer que alguém ma explicasse. Achei curioso. Só isso! Este envelope merecerá sempre a minha consideração. Estou a falar-vos sinceramente! Quero... Exijo que compreendam, porque estou a falar mesmo de verdade! É apenas curioso! Só isso! Nada mais!
Após, conversar com a jovem e esbelta menina do balcão, sentamo-nos.
Parecera-me ser uma adolescente sem problemas de qualquer índole e não carecer de falta de identidade, próprias da idade. Por certo, o complexo de Édipo, já teria sido ultrapassado com sucesso. Parecera-me normal, em suma. Simpática e atenciosa! Não lhe perguntei se estava informada sobre as protecções de carácter sexual que devia ter, pois, ela estava a atravessar esta fase algo complicada da vida, porque não quis incomodar, mas pressagio que sim.
Devia estar informada e bem informada!
O porquê?
Não sei! Sempre me interessei pelos problemas da adolescência e tudo era de esperar ali, mas esforcei-me e não disse nada.Poderia ser inconveniente, mas algo me soprava, para que conversasse com ela. Eu ficaria mais descansado! Não nos podemos esquecer que era jovem.
Resolvi-me calar, seguindo os conselhos simpáticos da minha amada. Ela havia-me dito, que se fosse possível não abrisse ali a boca, apesar de poder encontrar alguma coisa fora do normal. E eu, custosamente anuíe permaneci calado, mas entregue aos meus pensamentos, porque sinto necessidadede pensar.
Sinto necessidade de pensar, por mais esquisitos e absurdos que estes pensamentos sejam! Ela sabe e foi por isso que me mandou não abrir a boca. Disse-me pacientemente que, quando saíssemos, teria uma surpresa e aí já poderia dizer tudo o que me viesse à cabeça, habituada que já estava. Eu compreendi, mas tive pena de não esclarecer e informar a jovem sobre os problemas que poderia ter.
Afinal, eu sou um Educador!
E, os Educadores educam.
Que dissessem alguma coisa deste género ao Sr. Professor José. Aí deles! Nem vale a pena explicar o que aconteceria! Ele, é um Educador e dos bons! Ele, de boca fechada? Nem pensar! Competência e a atitude de educar são com ele.
Ou pensam que percebe só de segmentos de recta? Nem pensar. Isto é com ele, bom como é. Outro dia até me confessou que iria escrever um romance de amor!
Fiquei estarrecido, porque ele também tem bom coração. Só que ninguém vê?
Ele explicaria tudo à jovem. E com desenvoltura! Tenho a plena certeza. É pena não aproveitarem este talentoso rapaz !
Como já dissera ou se não o disse, digo agora, a tentação da sopa poderia esperar por agora. É certo que me acalmaria, mas resolvi esperar, para acompanhar a minha amada na evolução dos acontecimentos, naquele estranho Hospital.
E, já sentia um vazio manifesto no meu estômago. Mas, prometi-lhe e era para cumprir. Não que ela não compreendesse ou se importasse. Mas, resolvi esperar, só um pouco mais! Também não tinha nada que fazer!
Olhei, tudo de novo. Estava imensa gente. Sentados nas suas cadeiras sussurrando uns com os outros de forma bem audível os seus pensamentos. Apurei que a sala estava cheia.
Nunca compreendi a razão porque aquele Hospital estava sempre cheio, esquisito como era.
Ouviam atentamente os altifalantes mal colocados, que os chamariam não sei para quê.
Lá estava eu, ao pé da minha amada, também ouvindo o momento de escutar o seu nome.
Explicou-me, pausadamente, que não havia necessidade de ir com ela lá dentro. Ela exploraria, sozinha, aquele local. Só teria de guardar a sua gabardina.
Compreendi que tinha imenso gosto naquela gabardina! Tinha uma espécie de amor pela gabardina, incompreensível, porque eu estava ali e tinha - a conhecido primeiro.
Lá teria as suas razões!
Eu assenti e disse-lhe, que a defenderia até à morte, aquela gabardina e a sua espécie de amor por ela!
Que tivesse um envelope, se calhar com a planificação das aulas para os alunos na sua escola, era compreensível, mas deixar-me entregue a uma gabardina, não entendi lá muito bem.
Se calhar, era a expressão da sua total confiança depositada em mim.
Estava a matutar um pouco sobre aquilo, quando ouvi o seu nome no altifalante, mal posicionado. Deu-me um beijo, que retribui. Levantou-se e dirigiu-se à porta malfadada, donde eu a vira sair da outra vez, arpoada.
Resolvi ir fumar um cigarro, mas agarrado à gabardina. Eu deveria defender a gabardina até à morte! Para lá disso era agradável ao olhar e até poderia vesti-la na sua ausência. Não! Penso que não, era dela! Só dela!
Quando regressei, via-se sair com um sorriso plantado na boca, emanando satisfação. Tudo havia decorrido muito bem e estava boa de saúde. Nada nela fora detectado de anormal. Estava de perfeita saúde! Entreguei-lhe a gabardina e beijei-a várias vezes, com ternura e carinho. Sorri para toda a gente que ali estava, solidario com todos eles e esperançado na cura rápida de todos eles.
Sorri virtualmente e, como se estivessem perto de mim, para todos os que me incentivaram a descrever um pouco a minha angústia vivida quase há um ano, com a minha esposa.
Agradeci a todos os que me apoiaram.
Agradeci aEle.
Agradeci ao amor que nutro pela minha esposa e ela por mim. Enfim, a todas as pessoas do Mundo que conseguiram ultrapassar as suas doenças, com força de vontade e querer. Acima de tudo, agradeço a todos os profissionais de saúde, pela dedicação e amor que nutrem pelos seus doentes e tudo fazem para combater os seus males.
No fim de tudo, resta dizer que fui comer a sopa, que mais uma vez me acalmou.
A minha amada acompanhou-me e, ambos sorrimos, pelo amor mútuo que sentimos umpelo outro.
Indissolúvel e inequívoco!
Pena, 2006

1 comentário:

Pena disse...

Só me apetece chorar!
Não consigo suster as lágrimas que me escorrem neste momento pela cara abaixo, desculpa!
Foi como uma seta que me atravessou de um lado ao outro!
Boa noite!
OBRIGADO!
SEM PALAVRAS!