26 janeiro, 2014

4Kg e 60gramas

Demorei anos a tomar a decisão.
Fiz estudo prévio, fiz ante-projecto, fiz projecto, fiz caderno de encargos com mapa de medições e de acabamentos… e finalmente a execução.
O mais problemático deste processo era a irreversibilidade da decisão. Esta questão de não poder mudar de ideias é algo que sempre me atrapalha em qualquer vertente da minha vida e em todos os momentos da mesma. Decido tudo no momento, porque me conheço… quando decido antes, chego ao momento e… já não é bem assim.
Fiz planos com régua e esquadro numa geometria espacial de fazer corar qualquer arquitecto da grécia antiga… escolhi mês, escolhi lua e escolhi sexo, num rigor matemático infalível.
No início eu só dormia, parece que todo o sono do mundo tinha desabado em cima de mim, sob a forma de sestas do solstício de verão. Depois deliciei-me com uvas deliciosas do Douro, moscatel.
Preparei o enxoval, eu mesma desenhei e confeccionei vestuário, quentinho para aquecer os dias e as noites do 1º Inverno. O cesto do tricot passou a habitar por baixo do meu estirador, com delicadas cores pastel, tendendo para o azul.
Um pacote de bolachas foi-se esvaziando nos primeiros meses na mesinha de cabeceira para evitar o enjoo matinal, pois eu queria mesmo ter uma gravidez sem dramas.
Ao terceiro mês, tive aquilo que um exotérico chama de um sonho premonitório. Conheci o meu filho em sonhos já com a idade de 2 anos. Incomodou-me, causou-me uma sensação estranha, que se confirmou exactamente passados dois anos. A criança que me acordava de noite junto à minha cama era a criança do sonho, sem tirar nem por.
Passou a ter nome curto e belo, inspirado numa história antiga das páginas centrais de livros conhecidíssimo da BD da Disney, cujo herói se encontrava entre dois exércitos, um que evocava S. Jorge e outro clamava por Santiago. Sempre foi esse o seu nome desde que fui menina também.
Um dia ao descer uma rampa, achei estranho o meu barrigão afinal pesar-me tanto. No dia seguinte já estava a fazer um almoço só de sopa e maçãs, para preparar as nove e meia da noite. 
Era domingo como hoje, há 22 anos.
O primeiro contacto com esta minha melhor criação, não foi através da visão, pois eu recuperava de uma brutal anestesia, foi algo muito mais profundo e inesquecível: o tacto. Ao tocar o meu rosto no seu rosto, pele na pele, como eu tanto aprecio e a nova vida presenteou-me a melhor sensação do mundo – a temperatura igual à minha e a textura macia da sua pele parecia nuvens de cetim, aconchegadas junto ao meu peito e ao meu pescoço – 4kg e 60gramas.

Só aí percebi como é bom o compromisso de uma nova vida e para sempre.

1 comentário:

Sairaf disse...

Maravilhoso!!!
Belo o seu texto.
Sairaf