Demorei anos a tomar a decisão.
Fiz estudo prévio, fiz ante-projecto, fiz projecto, fiz
caderno de encargos com mapa de medições e de acabamentos… e finalmente a
execução.
O mais problemático deste processo era a irreversibilidade
da decisão. Esta questão de não poder mudar de ideias é algo que sempre me
atrapalha em qualquer vertente da minha vida e em todos os momentos da mesma.
Decido tudo no momento, porque me conheço… quando decido antes, chego ao
momento e… já não é bem assim.
Fiz planos com régua e esquadro numa geometria espacial de
fazer corar qualquer arquitecto da grécia antiga… escolhi mês, escolhi lua e
escolhi sexo, num rigor matemático infalível.
No início eu só dormia, parece que todo o sono do mundo
tinha desabado em cima de mim, sob a forma de sestas do solstício de verão.
Depois deliciei-me com uvas deliciosas do Douro, moscatel.
Preparei o enxoval, eu mesma desenhei e confeccionei
vestuário, quentinho para aquecer os dias e as noites do 1º Inverno. O cesto do
tricot passou a habitar por baixo do meu estirador, com delicadas cores pastel,
tendendo para o azul.
Um pacote de bolachas foi-se esvaziando nos primeiros meses
na mesinha de cabeceira para evitar o enjoo matinal, pois eu queria mesmo ter
uma gravidez sem dramas.
Ao terceiro mês, tive aquilo que um exotérico chama de um
sonho premonitório. Conheci o meu filho em sonhos já com a idade de 2 anos. Incomodou-me,
causou-me uma sensação estranha, que se confirmou exactamente passados dois
anos. A criança que me acordava de noite junto à minha cama era a criança do
sonho, sem tirar nem por.
Passou a ter nome curto e belo, inspirado numa história
antiga das páginas centrais de livros conhecidíssimo da BD da Disney, cujo
herói se encontrava entre dois exércitos, um que evocava S. Jorge e outro clamava por Santiago. Sempre foi esse o seu nome desde que fui menina também.
Um dia ao descer uma rampa, achei estranho o meu barrigão
afinal pesar-me tanto. No dia seguinte já estava a fazer um almoço só de sopa e
maçãs, para preparar as nove e meia da noite.
Era domingo como hoje, há 22 anos.
O primeiro contacto com esta minha melhor criação, não foi
através da visão, pois eu recuperava de uma brutal anestesia, foi algo muito
mais profundo e inesquecível: o tacto. Ao tocar o meu rosto no seu rosto, pele
na pele, como eu tanto aprecio e a nova vida presenteou-me a melhor sensação do
mundo – a temperatura igual à minha e a textura macia da sua pele parecia
nuvens de cetim, aconchegadas junto ao meu peito e ao meu pescoço – 4kg e
60gramas.
Só aí percebi como é bom o compromisso de uma nova vida e
para sempre.
1 comentário:
Maravilhoso!!!
Belo o seu texto.
Sairaf
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