06 fevereiro, 2007

De Manhufe à Bimbi

Cozinha em Manhufe - Amadeo Souza-Cardoso

Posso dizer que conheço esta cozinha desde sempre.
Se me puser a recordar a época mais ou menos exacta de quando vi esta imagem pela primeira vez, confronto-me com trilhas perdidas no tempo, diluindo-se o real e a ficção, tal como as nossas primeiras lembranças.
Regressando aos tempos de infância, as imagens se confundem, numa multiplicidade de contornos do real e das estórias, que nos presenteavam em cada dia, que ora se sobrepõem, ora se distanciam e se isolam, num jogo calendoscópico.
Não sei.
Sinto uma grande familiaridade com esta imagem, pois ela vive numa das minhas gavetas da memória. Serei capaz de adivinhar o que existe para fora daquela janela, ou por trás daqueles vãos sobrepostos. Conheço cada recanto, adivinho o que não é visível.


Nunca estive em Manhufe.
Decidi que vou tentar visitar em breve, para confirmar estados de alma, para identificar os verdadeiros proprietários de certas memórias, arrumar as sensações
.
A cozinha costuma representar o coração da casa. Aquele lugar que bate mais forte, onde se centra a maior parte da actividade de um espaço habitacional, o local dos odores, da salsa, do louro, dos coentros, da hortelã.
Hoje uma cozinha cheira mais a sonasol, nas variáveis, limpa vidros, lava loiças, limpa fornos, limpa inox e limpa gorduras difíceis.
(cont)

2 comentários:

Pena disse...

A forma como ilustras esta foto, faz-me recordar uma cozinha que fez parte integrante das minhas intermináveis memórias de infância. "... diluindo o real com a ficção...", próprias do tempo, da época e da tenra idade. Faz-me lembrar e suscitar recordações que se apagaram há muito, há muito tempo mesmo e que coabitavam comigo, dentro do que sou. A descrição reaviva-me uma familiaridade que está ignorada "...nas minhas gavetas da memória...(surpreendente bela esta frase escrita, linda!!!!), no permanente segredo, no meu recôndito ser, arrumadinha.
"...os verdadeiros proprietários de certas memórias...(Lindo!!!), relembra-me algo que quero que permaneça ignorado por ser fascinante. Desejo que ela esteja como está, nesse lugar, nessa cozinha de sonho que magicamente, só por recordar a sua beleza, necessito esquecer, não me lembrar dela mais.
Desculpa esta misteriosa e enigmática atitude expressada aqui, que foi real, e o comentário pouco claro que anseio que compreendas. Compreendes, de certeza!
Talvez, um dia a revele a alguém...
Beijos.

João Carlos Carranca disse...

Amadeo pintou e tu descreves em forma de letras a cozinha que tantas vezes vi e desejei.