07 fevereiro, 2007

De Manhufe à Bimbi (cont)

A cozinha alterou-se com os tempos modernos.

Deixou de haver uma grande lareira de granito com o respectivo chupão, deixou de haver fogão a lenha, armários de vidrinhos com prateleiras sabiamente decoradas a papel recortado, louceiros com escorredor incorporado pintados de azul, lava loiças em ardósia negra, deixou de se ver a lenha alinhada para queimar, deixou de se ver a masseira e o forno de cozer pão e assar o cabrito, desapareceu o caneco da água e a respectiva bóia de cortiça, sumiu o candeeiro a petróleo, o escano e a respectiva braseira.


A cozinha passou a ser fria e normalizada. Os lava-loiças são todos irmãos- gémeos do tipo monozigotos, com 1,20X0,60, não há que enganar, os grandes electrodomésticos medem 0,60, todo o balcão de apoio tem cerca de 0,60 de profundidade, os armários superiores localizam-se a 1,50 de altura. Tudo antropométricamente calculado e situado, seja a cozinha deste ou daquele, o módulo 0,60, reina no mundo da cozinha, e veio para ficar.

Hoje estamos completamente na era dos inóxes. Passamos pela moda dos balcões em fórmica brancos ou imitando madeira (ainda hoje há quem suspire por um balcãozinho em fórmica!!!), depois armários estilo capela (encheram o ego a muito boa gente, mas alguns empenavam e as gavetas se recusavam a abrir quando adormeciam indispostas), e hoje nos tempos da aspiração centralizada, temos as cozinhas de design italiano, com bué de inox e muito vidro, prateleiras rotativas, células fotoeléctricas, electrodomésticos escondidos, como se fosse vergonha ter um frigorífico à vista. Por vezes nem sabemos de que material são feitos, numa mistura de aglomerados, com resinas, moldados ora a quente ora a frio…sei lá, parece bem, mas não sabemos com o que contamos! Não têm nada a ver connosco, não condiz com o nosso tom de cabelo, nem com o nosso pestanejar lusitano, mas tudo se perdoa, a quem aparece nas revistas ou na telenovela.
Lembrem-se que Jacques Tati, nos anos 50, já se surpreendia e confundia com estas modernices.
(cont)

1 comentário:

Pena disse...

Segui com imensa atenção a tua narrativa sobre esta cozinha. Claro que sofreu uma alteração fruto dos tempos modernos. Sabes, adoro cozinhas? Sim! Tenho uma predilecção muito especial que guardo ternamente, sobre o afago sincero da cozinha, sobre a sua prazenteira beleza, sobre a indiscrítivel companhia que a sua lareira em pedra me transmite, parecendo o seu calor crepitante e radioso abraçar-me com afecto e entrar em mim sendo bem vindo. É uma sensação única. Se sei cozinhar? Infelizmente, não. Adorava. A minha doce mulher já me educou nesse sentido, bem como aos nossos filhos. O Tiago faz um apetitoso bolo de chocolate e o Pedro faz um arroz de sonho, cuja receita, o seu segredo e o seu cunho pessoal, faz questão de não contar a ninguém. Como vês a cozinha é algo de emblemático em minha casa.
Percebes muito de cozinhas. Boa. Uma casa sem cozinha é um deserto de inquietação onde não consigo estar. Fico desorientado. Fico desamparado.
Nesta brilhante narrativa descritiva aos teus conhecimentos muito vastos sobre cozinhas, apraz-me registar um sem número de constatações, que vão preenchendo o teu inigualável requinte cultural.
Até percebes de cozinhas!
Que mais virá?
Aguardo sempre com muito interesse, o que vai em ti e, numa atitude prazenteira e amável, compartilhas com todos. Refiro-me aos que te leêm. Eu leio. Faço questão. Sempre.
Beijos.