09 novembro, 2006

Edifício rotunda

Michael Graves

Projectei um edifício há uns anitos, e a sua localização e envolvente morfológica evoluiu para uma rotunda. Quem diria!!!!
Incrível!
Como é que um edifício de uma série de pisos, construído, cujos proprietários adquiriram como se tratando de um edifício de esquina, de repente se converte no edifício-rotunda?
Meus amigos, é a isto que eu chamo de sociedade em desenvolvimento!
Há sempre génios a pensar por nós, e por isso votamos neles, depositamos neles a nossa confiança, e só temos que nos mostrar eternamente gratos! Podemos dormir descansados, ir para férias, pois fica sempre alguém vigilante, com os neurónios a trabalhar, a tentar introduzir parâmetros na sociedade com o objectivo de melhorar a nossa qualidade de vida.
Primeiro, nós! Isto dá um conforto mental extraordinário! É a almofada que todos gostaríamos de ter.
No meu currículo, casas tortas tenho várias, edifícios com pinta, também, amarelos idem, edifícios-rotundas é exemplar único, e poucos colegas poderão competir comigo nesta característica – privilégio só de alguns, meus caros! Ora, ora!!!!!
Imaginem, acordar de manhã, e verificar que ocupamos o centro de uma rotunda. Deve dar uma emoção!!! é como habitar uma ilha! É como se a terra fosse o centro do sistema solar, este, o centro da via láctea e esta por sua vez, o centro do universo.
É só vantagens! …automóveis a rodear-nos por todos os lados… permite-nos ficar à janela apreciar o trânsito, visto verdadeiramente de dentro – é assim que se pode começar a construir a verdadeira felicidade, habitando uma rotunda.
Para já, o edifício fica altamente valorizado, pois deixa de ter traseiras, fica com 4 frentes. No registo da conservatória não há que enganar sobre as confrontações – é sempre via pública. A contribuição autárquica até devia ser devidamente actualizada, pois não é justo para os outros contribuintes, não usufruir das 4 hipóteses para colocar o seu estendal de roupa. Seja Verão, seja Inverno, são os 4 pontos cardeais que estão em causa, não é brincadeira! Qual solstício, qual equinócio, aqui é sempre a rodar, os raios solares estão como querem!
Estabelece-se de imediato, verdadeiros laços de amizade entre os vários condóminos, que se reúnem muito mais vezes, ocupando os seus tempos livres com abaixo assinados, com consultas ao Código Civil, ao advogado… podendo servir de pretexto para partilhar a bica e o cognaque, as dúvidas sobre os TPCs dos filhos, e as poucas vitórias do glorioso, que de outro modo não ocorreriam. A vida fica muito mais animada e valorizada. A socialização construída através da empatia de vizinhos, cria laços indestrutíveis.

Torna-se fácil orientar os amigos quando vão lá a casa.
– Vens sempre em frente e quando encontrares o edifício rotunda,… é aí! Não há que enganar!
Quem se pode gabar disto? Quem não gostaria de habitar num Arco do Triunfo ou na parte central duma Praça Navona? No coliseu já não diria, pois aquilo tem um baixo astral, tudo esburacado, muito cristão atirado às feras, talvez perturbe uma boa noite de sono.

Não podes estacionar o carro à porta, mas isso é apenas um pormenor, em contrapartida tens 4 passadeiras de acesso, permitindo-te passar o tempo a utiliza-las, se por acaso não estiver ninguém em casa, ainda podes ver as montras, em simultâneo, sentir a adrenalina dos automóveis a circular no sentido contrário aos ponteiros do relógio e tu seres o centro desse relógio. Já viram?! Nem Dali construíu uma evasão destas!

As saídas das garagens são admiráveis, já que saímos das garagens, subimos uma rampa e ficamos logo bem posicionados no trânsito. Não temos que esperar, dar prioridade para entrar na rotunda, nada disso… pois habitamos lá mesmo no meio, portanto estamos primeiro que os outros! Se tivessem sido projectadas com este objectivo, não teriam saído melhor.
Ninguém vai para a rotunda passear o canito – outra vantagem - podemos utilizar o passeio sem estarmos preocupados se pisamos em mole… e se pisamos, já temos a certeza que foi o canito do 2º andar.
Também ninguém vai sobrelotar as caixas de correio com publicidade! Aquilo é um sossego!
Se alguém quiser fazer cargas e descargas, é muito fácil! estaciona em cima das passadeiras, que estão devidamente assinaladas, permitindo assim que, descontraidamente, se saia e abra a porta traseira do lado do condutor, dando aos putos, acesso directo ao passeio. Se for necessário abrir a mala, toda a segurança é reforçada pela tal passadeira, e pela mala aberta, que fica bem visível para os outros condutores.
Se chegas de táxi, e o taxista não sabe muito bem onde parar, não há problema nenhum é só circular e parar na próxima passadeira.
Viver numa rotunda dá outro status!
Se vives noutro edifício qualquer, ninguém dá por ti, ninguém te conhece, ninguém sabe quantas vezes vais jantar fora, se recebes a família ao fim de semana, se vais ao teatro,... és mais um no aglomerado urbano, que só contas para os cadernos eleitorais e te mimetizas na mancha populacional.
Vivendo numa rotunda é diferente, tens outra qualidade de vida. Tens outra visibilidade social. Logo de manhã podes ter a agradável surpresa de ser cumprimentado ao sair de casa, e com cumprimento extensível à tua mãe. Isto só em condomínios fechados! Tu não conheces quem circula dentro dos automóveis, mas eles conhecem-te! É como ser do jet 7 e sair todas as semanas na revista "Caras " e companhia!
Se trocas de mobília, até podes fazer essa operação obtendo os móveis a um preço mais em conta, pois a própria rotunda é meio publicitário à empresa com quem negociaste. A operação de carga e descarga, e o acesso dos grandes móveis através do elevador/ grua que hoje corriqueiramente é utilizado, faz parar o trânsito. Todo o mundo fica apreciar, com gosto, todas as manobras, possibilitando assim a leitura atenta e atempada da publicidade que figura na carrinha de transporte.
A questão do lixo é outra coisa óptima.
Depois de um bruto jantar, é necessário ir colocar o lixo no contentor. Esta situação permite que os privilegiados rotúndicos, usufruam de um pouquinho de acção na vida monótona e rotineira que levam. Depois da janta, as suas vidas ficam com um pouco mais de sentido, com a ida ao contentor, no exterior da rotunda. A emoção de atravessar a rotunda para o lado do mundo real, é como um Kit Cat - satisfaz-te duas vezes…. Quando vais e quando adrenalinamente regressas!
Se jantares cedo, ou se optares por colocar o lixo antes do jantar, e tiveres a sorte de apanhar um pouquinho de hora de ponta, então aí é o clímax! quando regressas dás outro valor ao teu sofá. Podes crer!
Curiosamente a agência bancária, existente no rés-do-chão, passados 6 meses, fechou a porta e transferiu-se para outro local. Mas, isso é pessoal, que pensa pequenino, que não tem visão estratégica sobre a urbanidade, ou não lhe pagam para pensar! Pior para eles!
O edifício-rotunda é um modelo a seguir. Já viram como a cidade do Porto beneficiaria com um edifício-rotunda na Boavista? Sempre que os tripeiros ganhassem campeonatos podiam pendurar bandeirinhas no perímetro do edifício, intercalando o azul do dragão com os quadradinhos boavisteiros. Daria um treco ao Rui Rio, mas…. ou no Marquês em Lisboa – possibilidade de imensas passadeiras - junto ao mercado Kinaxixe em Luanda – edifício complementar ao futuro shopping.
Enfim, chegou a hora de todas as cidades se afirmarem pela positiva, possuindo pelo menos um edifício do género pois é assim que se cria um verdadeiro testemunho do urbanismo moderno interligado com a arquitectura contemporânea.
Eu, afixei logo uma foto com uma pionaise, no placard ao lado do meu estirador e escrevi orgulhosamente, com marcador de forma bem visível - este edifico fui eu quem projectou!
Estou a considerar seriamente abandonar o meu modesto tetraplex e adquirir um pequeno loft num próximo edifício rotunda, pelo menos para passar o weekend!

A. Quelhas

1 comentário:

João Carlos Carranca disse...

Gostei. Viver numa ilha com carros a toda à volta. É um sonho