25 junho, 2025

A indiferença de Siza Vieira


 

Umas vezes digo que fui aluna do Siza durante 3 anos, outras vezes digo “carinhosamente” que levei com o Siza durante 3 anos. Tivemos uma relação de agitação da minha parte e indiferença da parte dele. Andei a fazer levantamentos de caixilharias no Passeio das Virtudes à chuva, para a cadeira de Construção II, com trama de milímetro a milímetro suada, com régua T e esquadro. Pendurei as peças desenhadas na parede da sala de aula , no dia da avaliação, produto de muiiitas horas de trabalho, poucas horas de sono e onde a minha vista começou a cansar. O Siza entrou na sala a fumar e deitou um olhar de relance pelos trabalhos dos alunos. Comecei a ferver em pouca água perante a indiferença dele. Tive assim alguns conflitos silenciosos, que depois se resolviam à hora do almoço na cantina, partilhando o café. Foi o prof mais teimoso que conheci, por vezes no meu desespero de não arranjar argumentos capazes, eu pensava, “Ele faz-se de burro! Este prof é impossível! Desesperante!”

Nunca esqueço a sua voz monocórdica, nas sessões realizadas no anfiteatro, a explicar o procêsso e o projêcto com o seu sotaque tripeiro.

A sua Bomba Amarela (Casa Beires) foi a maior lição de arquitectura que ele partilhou com todos os seus alunos. Tive a sorte de assistir a uma apresentação de uma obra dele, que agora não lembro, e entender exactamente a sua forma de ler e interpretar a malha urbana de uma cidade e abriu-se uma janelinha na minha cabeça que provocou uma verdadeira revolução interior, alterando todos os conceitos que habitavam o meu pensamento. De repente terminei o curso de arquitectura com a melhor nota, um dezasseis e adquiri uma visão diferente sobre os aglomerados urbanos, que me acompanha até hoje.

Visitei a Bomba Amarela diversas vezes, e tanto a piscina de Leça como a Casa de Chá fizeram parte dos meus momentos de lazer ao longo de alguns anos.

Obrigada Siza. São 92 anos. Que contes muitos mais!

Sem comentários: