15 fevereiro, 2023

Painel do Cinema Batalha - Júlio Pomar

 


O painel de Júlio Pomar no Cinema Batalha

 

Júlio Pomar (1926–2018) foi pintor reconhecido, com obra de destaque, de acção polivalente, na pintura, cerâmica, desenho, escultura, gravura e escrita. A sua formação artística passou pela Escola António Arroio, Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e do Porto afirmando-se na pintura neorrealista.

Foi um dos fundadores do MUD, Movimento de Unidade Democrática e preso pela PIDE antes de completar o mural do Cinema Batalha, com o tema da festa popular de S. João. Em 1963 mudou-se para Paris, contactando com novos movimentos das artes plásticas e ficou por lá resguardado do fascismo, até 1974.

Segundo a informação que recolhi, Júlio Pomar com 20 anos iniciou a obra deste mural, em 1946, no ano seguinte foi preso, por ordem da polícia política, entretanto, o cinema foi inaugurado com as pinturas inacabadas. Só no final de 1947, quando foi libertado, é que teve oportunidade de as terminar. Um ano depois, a PIDE mandou cobrir os painéis com tinta.

Visitei esta semana o Cinema Batalha, recordando o tempo em que frequentava a sala de cinema, nos finais dos anos 70, agora interessada em ver a renovação do interior do cinema e muito especialmente, o mural concebido e pintado por Júlio Pomar em 1946, coberto com tinta, a mando de Salazar / PIDE.

Lembro-me, quando entrei pela primeira vez naquele cinema, alguém referiu este episódio, informação transmita pela família portuense de um amigo, que frequentava a sala de cinema nos anos 40, e que se ia perdendo um pouco na memória dos portuenses.

Visitei apenas o painel maior, achei-o muito bonito, delicado, suave, localizado no foyer principal do edifício, sendo possível observá-lo em vários níveis. Na minha primeira abordagem tentei identificar a foice e o martelo, tal como existem no painel em alto-relevo da autoria de Américo Braga, localizado no exterior do edifício, que justificasse a decisão da PIDE. Sem sucesso. Percebi um desenho figurativo semelhante às figuras robustas que constam na obra de Picasso (Mulheres na praia) e também algumas semelhanças a desenhos de Álvaro Cunhal, evocadas por quem me acompanhou. À partida reconhecem-se pormenores inofensivos da festa popular de S. João, deduzindo-se que o problema não foi o tema, mas sim o autor anti-fascista, portanto, foi claramente um problema político e uma reacção de vingança sobre a obra plástica.

Depois de várias obras de conservação deste cinema, sempre permaneceu a ideia da impossibilidade de recuperação do belo painel, até que uma nova equipa especializada conseguiu localizá-lo, após destruir 7 camadas sobrepostas de tinta, possibilitando assim, o início do restauro, já após o falecimento do pintor.

A minha visita converteu-se num momento especial. Tentei disfarçar a minha emoção, perante este testemunho patrimonial, artístico, simbólico e político, diluído nas minhas memórias de permanência naquele foyer, a olhar uma parede vazia, nos intervalos do cinema, a fumar um SG filtro e a dialogar sobre o tema cinéfilo, não imaginando sequer a presença destas figuras modernistas sufocadas por camadas de tinta, de um regime que conseguiu prolongar as suas amarras por mais 50 anos, aproximadamente.

Muitos portuenses consideram este edifício o monumento à estupidez do regime fascista, que considerou esta obra perigosamente revolucionária e comunista. Para além dos frescos e do alto-relevo já mencionados, ainda há que referir os puxadores das portas, cujo design baseava-se nas letras CB (cinema batalha) e que as identificavam com Comité Bolchevista.  

Aconselho a visita, por enquanto gratuita, e quem estiver mais a Sul, não esqueça, Atelier Museu Júlio Pomar, Rua do Vale, nº 7 em Lisboa.

(Diário de viagem – 09/02/2023)

Publicado em NVR 15/02/2023





































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