22 setembro, 2021

SER PROFESSOR

 

Ser professor


              Algumas profissões têm a sua origem na Antiguidade, é sempre bom estimar esses “pergaminhos”, mas a acção de ensinar, nasceu antes da Antiguidade; ainda não havia História e já se ensinava. A oralidade funcionava como canal didáctico, passando informação aos aprendentes primitivos, sobre algo que se considerava importante. A transformação da informação em conhecimento baseava-se frequentemente no instinto de preservar a vida por parte do aprendente e a sua vontade de se relacionar com o mundo – como fazer fogo, como safar-se de um mamute em fúria, como caçar, como atravessar o rio...  

              Mais tarde, no Antigo Egipto surgem as pessoas já especializadas em ensinar. Em Esparta a educação (já mudei de palavra) iniciava-se aos sete anos, já com uma estrutura de aprendizagem, com o objectivo de preparar meninos saudáveis e transformá-los em jovens guerreiros e, meninas capazes de gerar crianças saudáveis. Aparece a figura de tutor sem ganhar nada. Os atenienses um pouco mais preocupados com o equilíbrio entre o corpo e a mente, já estavam num patamar organizacional mais elevado, considerando o tutor professor, uma profissão remunerada, que se dividia da seguinte forma: os páidotribés, que cuidavam do desenvolvimento intelectual; os grammatistés, responsáveis pela leitura e a escrita; e os kitharistés, que se ligavam ao desenvolvimento físico.

              Na Roma Antiga poderíamos evocar os especialistas em retórica e os lud magister. No início da Idade média o ensino é remetido quase exclusivamente para as instituições religiosas e depois surgem as primeiras universidades.

              Registo aqui a minha homenagem ao nosso rei D. Dinis, que tendo uma visão consciente do núcleo cultural português, e a rede de ligações com a Igreja, sentiu a necessidade de se repensar conceitos relacionados com o pensamento e a cultura, com consequência no rumo social, político e económico do nosso país e fundou a primeira universidade portuguesa, exterior às ordens religiosas e capaz de sustentar a renovação do pensamento português.  D. Dinis incentivou as escolas, valorizou a ciência e tinha consciência da necessidade de romper com os princípios ultrapassados da Igreja, obviamente reforçando o seu poder como rei.

              Evoquei o D. Dinis para referir que o ensino e a educação são eixos estruturantes em todas as sociedades.

              Quem sabe mais, é mais capaz de resolver problemas e contribuir para a evolução da sociedade. O professor é a principal peça desta dinâmica de ensinar e aprender. No Japão, o professor é a única profissão que não tem que se dobrar perante o Imperador, porque a consideram a profissão mais nobre de todas. Por aqui, o professor para além de ganhar mal, ter vida nómada e dever estar sempre com o conhecimento actualizado, confronta-se diariamente com as inúmeras falhas da educação familiar dos seus alunos, que empobrecem a sua acção na Escola, é alvo de muitas criticas infundadas e injustas sobre a sua acção, perpetuadas pelos pais dos aprendentes, possui uma tutela que passa a vida a reformar o que já está reformado (como se vivêssemos num tempo, com pensadores capazes de inventar teorias pedagógicas todos os anos), saturando a acção do professor com constantes burocracias, relatórios e planos que ninguém lê, distraindo-o da sua principal função que é ser agente do processo de ensino-aprendizagem.

              Quero aqui elogiar a paciência e a resiliência dos professores, que pensam mais nos aprendentes do que neles próprios, evitando conflitos com estes e as suas famílias, digerindo com dificuldade progressiva, a má educação e ameaças de que é alvo, minimizando as suas lutas laborais, aceitando a sua progressão lenta, quase estática da sua carreira, carregando congelamentos nunca descongelados, aceitando por vezes más condições de trabalho e a prepotência de alguns directores,  ignorando as injúrias, de uma parte da sociedade, dirigidas a toda a classe profissional (por um mau professor, pagam todos) e tolerando os “achismos” pedagógicos que abundam na nossa sociedade, por parte daqueles que desconhecem o valor do processo educativo e se demitem da sua função de pais educadores.

              Como sabemos a educação tem múltiplas vertentes e agentes educativos, onde a família representa um núcleo muito importante. Como se educa um filho, se estacionam em sítio errado em frente à escola, se passam no sinal vermelho, se utilizam asneiras na sua comunicação oral, se criticam o professor, se não colocam o lixo no sítio certo, se premeiam o seu filho por tudo e por nada, se nunca se sentaram com ele a ler uma história e a explicar-lhe porque existem os maus e os bons... se não lhes exigem respeito pela hierarquia familiar? Expliquem-lhes que os professores são pagos para lhes ensinar e se os aprendentes não se empenharem, não usufruem da ida à Escola. Expliquem-lhes que aprender exige esforço e respeito. Cuide das horas de sono do seu filho, porém, não o obrigue a ir para a cama, com os pais a ver televisão ou a jogar no computador – os exemplos estão sempre em casa. Sobretudo, pense que a Escola não é um armazém de crianças.

              No início de um novo ano lectivo, desejo sucesso a todos os professores e lembro que têm um enorme poder nas suas mãos - um professor pode ser um influenciador. Acreditem no que fazem e accionem esta competência porque assim poderão mudar o mundo, sem receios. O professor pode orientar, sugerir, demonstrar, influenciar de forma positiva para que os seus aprendentes sejam informados, activos, críticos e capazes de resolver problemas.

              Nunca esqueçam de uma pitada de humor.

              Plantem o pensamento crítico na mente das criancinhas, a responsabilidade, a sociabilidade, a organização e a liberdade estruturada, conjugando o respeito por si e pelo outro. Quando a sociedade perceber esta dinâmica talvez respeitem mais o professor e favoreçam as suas sinergias.

Publicado em NVR, 22/09/2021

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