30 maio, 2025

Perder a democracia no voto

 

Perder a democracia no voto[i]  


Pare de arranjar justificações viáveis e aceitáveis para esta derrota da esquerda! 

A esquerda saiu derrotada nestas eleições! O PS perdeu cerca de 400 mil votos, o PCP perdeu 22 mil votos, o Bloco perdeu cerca de 150 mil votos.

Previsível, mas nem tanto. Todos nós portugueses temos pelo menos um emigrante e um perseguido político na família do tempo da outra senhora, reconhecemos que todos deveriam estudar, todos recorremos ao hospital público quando a saúde desanda, todos conhecemos alguém que algum dia viveu numa pobreza extrema, todos reconhecemos a importância da lei e dos tribunais, e defendemos direitos iguais para todos, porém a democracia funciona assim, ganha e manda quem tem mais votos.

A esquerda há muitos anos que prefere a desunião, em vez de unir forças para construir um Portugal melhor. Olham para o próprio umbigo, divididos nos seus egos e considerando que são os maiores e únicos, em vez de se unirem em princípios comuns ou próximos, e converter fraqueza em força para entender o que se passa em Portugal e no resto do mundo. Cada um pretende ter um partido só para si, feito à sua medida, evidenciando uma profunda ausência de responsabilidade e embarca num processo utópico que deu mau resultado: este resultado. Claro que a diversidade enriquece, mas vivemos tempos em que a democracia pode estar em risco, assim como a Constituição da República, o estado social, a escola, a saúde e urge não perder tempo.

Juntando toda a esquerda, nestas eleições, não as ganhariam, mesmo assim, nem tudo são números visíveis. Os pequenos partidos que não conseguem eleger deputados, desperdiçam votos ou embarcam no voto útil. Os que desperdiçam voto, pertencem aquele grupo de eternos sonhadores, que acreditam que um dia será possível. Os que fazem voto útil, vivem numa frustração infinita, entalados entre o dever e o escolher o mal menor. E como sabemos, o que não é “regado” não dá frutos e seca.

A esquerda tem vindo a secundarizar os direitos de quem trabalha e das suas causas essenciais, que são a estrutura tradicional da esquerda: a defesa dos mais fracos e desfavorecidos, procurando uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais solidária. A estratégia de vir para a rua reclamar e fazer greve, ou enterrar a cabeça na areia e empolgar questões mais secundárias, em certos contextos, já não resulta. É preciso reinventar e criar uma nova unidade e ter votos para estar na Assembleia da República e depois tomar decisões.

Estas eleições foram construídas mais pela “desescolha” do que pela escolha. Foi um verdadeiro cartão vermelho aos governantes, desde o centrão até à esquerda radical. Perder a democracia no voto, é algo estranho e muito grave. É um murro no estômago.

Os partidos da esquerda sofrem todos de um complexo da liberdade, que os tolhe, escolhendo deixar andar, em vez de resolver problemas. Evitam apoiar reformas, sempre preocupados com os “coitadinhos”. A boa intenção de estar sempre do lado dos mais fracos, tolda-lhes a racionalidade, para fazerem reformas que podem resolver grande parte dos problemas deste país. Uns são sempre do contra, porque não gostam do PCP, outros inflexíveis porque se focam em causas complexas, válidas, mas que envolvem minorias e ainda outros, que se fiam que tendo maiorias conseguem acertar rotas cegas neste país desgovernado, sem apoio dos outros. Está na hora de unir e cortar caminho com uma oposição forte, unida, séria, racional, criativa e estratega. Não interessa quem tem mais militantes, interessa unir recursos e estratégias.

Temos uma escola pública desgovernada, que é mais escola de pais do que de alunos e professores, temos hospitais privados a serem pagos para fazer serviço publico, temos uma justiça demorada, com fugas de informação, temos falta de habitação atribuindo-se culpas, erradamente, aos investidores privados, temos necessidade de mão-de-obra dos emigrantes, mas não queremos estabelecer regras para os receber, temos privatizações selvagens e depois panicamos com simples apagão, temos os policias que não podem agir perante a desordem, temos quem roube no supermercado e vai “dentro”, em oposição aos Ricardos Salgados da vida, que continuam impunes, temos os nossos filhos que emigram, e saltitam de lugar em lugar sem possibilidade de formar uma família, temos muitos reformados com reformas miseráveis, temos aqueles que abandonam os pais, ignoram os filhos, mas andam com o cachorrinho ao colo, temos os problemas de identidade, que querem trocar de sexo, temos a violência doméstica em que pouco se protege as vítimas, temos também os jovens que acham que o dinheiro cai do céu sem esforço e cujos ideais são passar férias e ir a concertos, temos os ambientalistas que não dispensam o seu banho diário, o conforto no lar e o seu carrinho à porta, temos um bando de críticos de sofá que fogem aos impostos e se colam a tudo que seja benesse individual, temos aqueles que censuram o rendimento mínimo, em vez de odiar o oportunismo,  temos falhas na legislação para resolver problemas, temos uma comunicação social paupérrima que privilegia a notícia com impacto, tanto pela positiva como pela negativa, dando canal à alarvidade e â bizarrice, esquecendo-se dos princípios e dos valores da sociedade, temos o grande partido do abstencionismo com 36% de irresponsáveis e temos um partido sôfrego para absorver todas as problemáticas, que surgem num país democrático, para atrair e manipular eleitores, como se eles tivessem formulas mágicas para resolver todas elas, e que põem todo o país em sobressalto.

Começa-se a desenhar o medo na liberdade de expressão.

Os portugueses querem viver melhor e têm esse direito! E a bitola deve ser sempre ambiciosa, mas não ambicionemos o paraíso, nem sociedades perfeitas, porque isso é utopia.

Não chore pelo leite derramado, nem avalie os que votaram à direita como burros e idiotas, quando muito são influenciáveis na sua esperança inata de viver melhor, esquecendo-se, a maioria, que os seus interesses de classe média ou de classe mais desprotegida, nunca serão defendidos por partidos de direita. A direita sempre defendeu o capital, ponto!

Não cruzem os braços, estabeleçam uniões entre os partidos que defendem causas sérias e justas, para podermos votar neles em todo o país. Não podemos desperdiçar votos! Só há esta saída. Desta vez a AD ainda assegurou a maioria, na próxima pode não conseguir. 

Somos um país considerado pobre, que não pode permitir deslizes financeiros ou maus investimentos, que descredibilizem a democracia; é urgente rigor sem desumanizar a sociedade.

Vivemos 51 anos de democracia e liberdade, com muitos problemas, mas parece que ainda não inventaram nada melhor, assim sendo, não cruzem os braços. Perder a democracia no voto, é que não! Porque depois virá o silêncio, o medo e a escuridão.



[i] Apanhei na internet.

Publicado em NVR 28|05|2025

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