Perder a democracia no voto[i]
Pare de arranjar
justificações viáveis e aceitáveis para esta derrota da esquerda!
A esquerda saiu
derrotada nestas eleições! O PS perdeu cerca de 400 mil votos, o PCP perdeu 22
mil votos, o Bloco perdeu cerca de 150 mil votos.
Previsível, mas nem
tanto. Todos nós
portugueses temos pelo menos um emigrante e um perseguido político na família do
tempo da outra senhora, reconhecemos que todos deveriam estudar, todos
recorremos ao hospital público quando a saúde desanda, todos conhecemos alguém
que algum dia viveu numa pobreza extrema, todos reconhecemos a importância da
lei e dos tribunais, e defendemos direitos iguais para todos, porém a
democracia funciona assim, ganha e manda quem tem mais votos.
A esquerda há muitos
anos que prefere a desunião, em vez de unir forças para construir um Portugal
melhor. Olham para o próprio umbigo, divididos nos seus egos e considerando que
são os maiores e únicos, em vez de se unirem em princípios comuns ou próximos,
e converter fraqueza em força para entender o que se passa em Portugal e no
resto do mundo. Cada um pretende ter um partido só para si, feito à sua medida,
evidenciando uma profunda ausência de responsabilidade e embarca num processo
utópico que deu mau resultado: este resultado. Claro que a diversidade
enriquece, mas vivemos tempos em que a democracia pode estar em risco, assim
como a Constituição da República, o estado social, a escola, a saúde e urge não
perder tempo.
Juntando toda a
esquerda, nestas eleições, não as ganhariam, mesmo assim, nem tudo são números
visíveis. Os pequenos partidos que não conseguem eleger deputados, desperdiçam
votos ou embarcam no voto útil. Os que desperdiçam voto, pertencem aquele grupo
de eternos sonhadores, que acreditam que um dia será possível. Os que fazem
voto útil, vivem numa frustração infinita, entalados entre o dever e o escolher
o mal menor. E como sabemos, o que não é “regado” não dá frutos e seca.
A esquerda tem vindo a secundarizar
os direitos de quem trabalha e das suas causas essenciais, que são a estrutura
tradicional da esquerda: a defesa dos mais fracos e desfavorecidos, procurando
uma sociedade mais justa, mais igualitária e mais solidária. A estratégia de
vir para a rua reclamar e fazer greve, ou enterrar a cabeça na areia e empolgar
questões mais secundárias, em certos contextos, já não resulta. É preciso reinventar
e criar uma nova unidade e ter votos para estar na Assembleia da República e
depois tomar decisões.
Estas eleições foram
construídas mais pela “desescolha” do que pela escolha. Foi um verdadeiro
cartão vermelho aos governantes, desde o centrão até à esquerda radical. Perder
a democracia no voto, é algo estranho e muito grave. É um murro no estômago.
Os partidos da esquerda
sofrem todos de um complexo da liberdade, que os tolhe, escolhendo deixar andar,
em vez de resolver problemas. Evitam apoiar reformas, sempre preocupados com os
“coitadinhos”. A boa intenção de estar sempre do lado dos mais fracos,
tolda-lhes a racionalidade, para fazerem reformas que podem resolver grande
parte dos problemas deste país. Uns são sempre do contra, porque não gostam do
PCP, outros inflexíveis porque se focam em causas complexas, válidas, mas que
envolvem minorias e ainda outros, que se fiam que tendo maiorias conseguem
acertar rotas cegas neste país desgovernado, sem apoio dos outros. Está na hora
de unir e cortar caminho com uma oposição forte, unida, séria, racional,
criativa e estratega. Não interessa quem tem mais militantes, interessa unir
recursos e estratégias.
Temos uma escola pública
desgovernada, que é mais escola de pais do que de alunos e professores, temos
hospitais privados a serem pagos para fazer serviço publico, temos uma justiça
demorada, com fugas de informação, temos falta de habitação atribuindo-se
culpas, erradamente, aos investidores privados, temos necessidade de mão-de-obra
dos emigrantes, mas não queremos estabelecer regras para os receber, temos
privatizações selvagens e depois panicamos com simples apagão, temos os
policias que não podem agir perante a desordem, temos quem roube no supermercado
e vai “dentro”, em oposição aos Ricardos Salgados da vida, que continuam
impunes, temos os nossos filhos que emigram, e saltitam de lugar em lugar sem
possibilidade de formar uma família, temos muitos reformados com reformas
miseráveis, temos aqueles que abandonam os pais, ignoram os filhos, mas andam
com o cachorrinho ao colo, temos os problemas de identidade, que querem trocar
de sexo, temos a violência doméstica em que pouco se protege as vítimas, temos
também os jovens que acham que o dinheiro cai do céu sem esforço e cujos ideais
são passar férias e ir a concertos, temos os ambientalistas que não dispensam o
seu banho diário, o conforto no lar e o seu carrinho à porta, temos um bando de
críticos de sofá que fogem aos impostos e se colam a tudo que seja benesse
individual, temos aqueles que censuram o rendimento mínimo, em vez de odiar o
oportunismo, temos falhas na legislação
para resolver problemas, temos uma comunicação social paupérrima que privilegia
a notícia com impacto, tanto pela positiva como pela negativa, dando canal à
alarvidade e â bizarrice, esquecendo-se dos princípios e dos valores da
sociedade, temos o grande partido do abstencionismo com 36% de irresponsáveis e
temos um partido sôfrego para absorver todas as problemáticas, que surgem num
país democrático, para atrair e manipular eleitores, como se eles tivessem
formulas mágicas para resolver todas elas, e que põem todo o país em sobressalto.
Começa-se a desenhar o
medo na liberdade de expressão.
Os portugueses querem
viver melhor e têm esse direito! E a bitola deve ser sempre ambiciosa, mas não
ambicionemos o paraíso, nem sociedades perfeitas, porque isso é utopia.
Não chore pelo leite
derramado, nem
avalie os que votaram à direita como burros e idiotas, quando muito são influenciáveis
na sua esperança inata de viver melhor, esquecendo-se, a maioria, que os seus
interesses de classe média ou de classe mais desprotegida, nunca serão
defendidos por partidos de direita. A direita sempre defendeu o capital, ponto!
Não cruzem os braços,
estabeleçam uniões entre os partidos que defendem causas sérias e justas, para
podermos votar neles em todo o país. Não podemos desperdiçar votos! Só há esta
saída. Desta vez a AD ainda assegurou a maioria, na próxima pode não
conseguir.
Somos um país
considerado pobre, que não pode permitir deslizes financeiros ou maus
investimentos, que descredibilizem a democracia; é urgente rigor sem
desumanizar a sociedade.
Vivemos 51 anos de
democracia e liberdade, com muitos problemas, mas parece que ainda não
inventaram nada melhor, assim sendo, não cruzem os braços. Perder a democracia
no voto, é que não! Porque depois virá o silêncio, o medo e a escuridão.
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