19 março, 2025

Por Camilo

 

Por Camilo

Em ano de comemoração do segundo centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, deixo o meu registo de homenagem. 

Antes de ler qualquer obra de Camilo, já via a peça de teatro adaptada da obra “Amor de perdição”. Tinha apenas dez anos e aquilo pareceu-me tão dramático, tão pesado, que ganhei alguns anti-corpos em relação à leitura da sua obra.

Em 1977, conheci a cela onde esteve Camilo, detido na Casa da Relação do Porto, ocupada por retornados. Espaço lúgubre, degradado, dividido por cortinas para abrigar desalojados, acentuou este reflexo obscuro deste escritor, com Ana Plácido à mistura - só mais tarde soube que Camilo se fez acompanhar da sua biblioteca e Ana Plácido do seu piano.

Depois conheci também a habitação onde viveu Camilo com Joaquina de França, em Ribeira de Pena, completamente degradada e miserável.

Estes momentos Camilianos deprimentes construíram em mim um Camilo escritor, em relação ao qual seria necessário desenvolver o sentimento de compaixão, porque era tudo tão mau!!!!

Só mais tarde, com a minha maturidade, consegui integrar no meu percurso de leitora, o verdadeiro Camilo Castelo Branco e a sua escrita.

Camilo foi o primeiro escritor português que fez da escrita uma profissão exclusiva. Escreveu mais de duzentas e sessenta obras, ou seja, mais de seis livros por ano.

É verdade que Camilo, com a sua produção prolífica, não apenas se destacou como um dos primeiros escritores a fazer da literatura uma profissão, mas também capturou nas suas obras as tensões sociais e culturais de uma época em transformação. Ele conseguiu articular, com mestria, as tradições do mundo rural e as influências urbanas, criando narrativas que exploram o amor, o sofrimento, e as complexidades da condição humana.

Talvez o que mais merece destaque é expor o contraste das tradições vetustas do mundo rural e as influências dos ventos europeus da modernidade. A sua criatividade como romancista está presente em todas as obras. A literatura tem o poder de explorar a complexidade das relações humanas e os dilemas sociais de forma profunda e envolvente. Ao abordar temas como amores contrariados, podemos mergulhar nas emoções intensas dos personagens, desvendando as barreiras que os separam, sejam elas sociais, familiares ou internas.

No cárcere, Camilo conhece Zé do Telhado, famoso salteador, de quem acaba por ficar amigo e ao qual se refere na sua obra “Memórias do Cárcere”. Camilo acabará por apoiar “Zé do Telhado” durante o seu processo judicial. Esta obra é um retrato duro, realista, sobre as severas condições de vida no histórico estabelecimento, onde se vivia a pesada justiça oitocentista.

Entre 1862 e 1863, na Casa da Relação, Camilo publicou onze novelas e romances, atingindo uma notoriedade dificilmente igualável. É deste período “Amor de Perdição”, escrito na cadeia em quinze dias, inspirado numa história familiar. Isto revela uma capacidade de trabalho invulgar.

Para finalizar, a última estátua de Camilo, localizada na cidade do Porto, parece um “torpedo”, apenas se salva pela delicadeza feminina e pode ser vista como um reflexo da dualidade presente na sua obra - a dureza da realidade e a fragilidade dos sentimentos humanos.

Camilo Castelo Branco merece ser celebrado não apenas como um autor, mas como um símbolo da resiliência e da luta pela expressão artística em tempos difíceis. A sua homenagem é um convite para que todos nós revisitemos e redescubramos as suas obras, compreendendo melhor a sua relevância na literatura portuguesa e na nossa cultura.

Publicado por NVR 19|03|2025

Partilha com Rádio Portimão no programa Karranca às quartas.

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