Por Camilo
Em ano de comemoração
do segundo centenário do nascimento de Camilo Castelo Branco, deixo o meu
registo de homenagem.
Antes de ler qualquer
obra de Camilo, já via a peça de teatro adaptada da obra “Amor de perdição”.
Tinha apenas dez anos e aquilo pareceu-me tão dramático, tão pesado, que ganhei
alguns anti-corpos em relação à leitura da sua obra.
Em 1977, conheci a cela
onde esteve Camilo, detido na Casa da Relação do Porto, ocupada por retornados.
Espaço lúgubre, degradado, dividido por cortinas para abrigar desalojados,
acentuou este reflexo obscuro deste escritor, com Ana Plácido à mistura - só
mais tarde soube que Camilo se fez acompanhar da sua biblioteca e Ana Plácido
do seu piano.
Depois conheci também a
habitação onde viveu Camilo com Joaquina de França, em Ribeira de Pena,
completamente degradada e miserável.
Estes momentos Camilianos
deprimentes construíram em mim um Camilo escritor, em relação ao qual seria
necessário desenvolver o sentimento de compaixão, porque era tudo tão mau!!!!
Só mais tarde, com a
minha maturidade, consegui integrar no meu percurso de leitora, o verdadeiro
Camilo Castelo Branco e a sua escrita.
Camilo foi o primeiro
escritor português que fez da escrita uma profissão exclusiva. Escreveu mais de
duzentas e sessenta obras, ou seja, mais de seis livros por ano.
É verdade que Camilo,
com a sua produção prolífica, não apenas se destacou como um dos primeiros
escritores a fazer da literatura uma profissão, mas também capturou nas suas
obras as tensões sociais e culturais de uma época em transformação. Ele
conseguiu articular, com mestria, as tradições do mundo rural e as influências
urbanas, criando narrativas que exploram o amor, o sofrimento, e as
complexidades da condição humana.
Talvez o que mais
merece destaque é expor o contraste das tradições vetustas do mundo rural e as
influências dos ventos europeus da modernidade. A sua criatividade como
romancista está presente em todas as obras. A literatura tem o poder de
explorar a complexidade das relações humanas e os dilemas sociais de forma
profunda e envolvente. Ao abordar temas como amores contrariados, podemos
mergulhar nas emoções intensas dos personagens, desvendando as barreiras que os
separam, sejam elas sociais, familiares ou internas.
No cárcere, Camilo
conhece Zé do Telhado, famoso salteador, de quem acaba por ficar amigo e ao
qual se refere na sua obra “Memórias do Cárcere”. Camilo acabará por apoiar “Zé
do Telhado” durante o seu processo judicial. Esta obra é um retrato duro,
realista, sobre as severas condições de vida no histórico estabelecimento, onde
se vivia a pesada justiça oitocentista.
Entre 1862 e 1863, na
Casa da Relação, Camilo publicou onze novelas e romances, atingindo uma
notoriedade dificilmente igualável. É deste período “Amor de Perdição”, escrito
na cadeia em quinze dias, inspirado numa história familiar. Isto revela uma
capacidade de trabalho invulgar.
Para finalizar, a
última estátua de Camilo, localizada na cidade do Porto, parece um “torpedo”,
apenas se salva pela delicadeza feminina e pode ser vista como um reflexo da
dualidade presente na sua obra - a dureza da realidade e a fragilidade dos
sentimentos humanos.
Camilo Castelo Branco
merece ser celebrado não apenas como um autor, mas como um símbolo da
resiliência e da luta pela expressão artística em tempos difíceis. A sua
homenagem é um convite para que todos nós revisitemos e redescubramos as suas
obras, compreendendo melhor a sua relevância na literatura portuguesa e na
nossa cultura.
Publicado por NVR 19|03|2025
Partilha com Rádio Portimão no programa Karranca às quartas.
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