02 outubro, 2024

Mudar de paradigma


Mudar de paradigma 

Volto ao tema da floresta, porque é obrigatório e não se vêem soluções no terreno, efectivamente eficazes.

Todos opinam, apuram-se culpados e culpas, entretanto começou a chover e brevemente tudo se esquecerá até ao próximo ano, exceptuando aqueles que foram muito afectados com perda de familiares, amigos, colegas e propriedades.

Tenho observado ao longo dos anos, uma pequena comunidade transmontana, anualmente com a sua floresta ameaçada, e tenho uma visão completamente diferente da maioria. Acredito que a maioria dos incêndios tem origem criminosa. Teorias do caco de vidro, da faísca das roçadoras são pouco prováveis, acrescentem-lhe os eucaliptos e os pinheiros bravos, e andamos nisto há dezenas de anos.

Quanto a mim, teremos que resolver o problema de outra forma, que passa pela organização e gestão do território. Estamos no século XXI e não podemos analisar o problema à século XIX. Hoje não se recolhem todos os resíduos florestais, porque as pessoas, felizmente, vivem melhor e de forma diferente e não precisam desses resíduos para consumo doméstico – já ninguém tem as lojas das vacas por baixo das habitações, então não se recolhe a caruma para transformar em estrume, a maioria não queima lenha para aquecimento, e assim não se recolhem pinhas, nem giestas. Quem tem floresta é uma dor de cabeça fazer a sua limpeza, é uma despesa sem retorno e nem sempre se encontra quem faça essa limpeza. Condenar os proprietários é fácil, mas não é justo, e nem todos os proprietários vivem cá ou têm dinheiro para a limpeza regular.

É urgente alterar o paradigma. Creio que a solução terá que seguir esta dinâmica:

1 Inventariar todas as propriedades (está a ser realizado o registo digital).

2 Converter as propriedades, que não constam neste inventário, em propriedade do Estado. Há propriedades cujo registo não é actualizado há quatro gerações – população que imigrou no início do século XX para o Brasil ou África, não regressou e as partilhas são inexistentes, ou bloqueadas pela ausência, impossibilidade ou desinteresse em regularizar situações.

3 Criar estruturas locais capazes de gerir estas propriedades. Mapear o seu território, juntar todas as florestas publicas e privadas, onde cada um é proprietário de uma percentagem, consoante os documentos que possuem, mas sem sítio específico. Essas estruturas poderiam ser divididas por freguesias e fariam a gestão global dessa mancha territorial, da limpeza ao reflorestamento, seguindo as orientações nacionais e regionais, possibilitando a rentabilização dos resíduos, do abate e apostando na vigilância e na prevenção dos incêndios – esta situação eliminaria barreiras no território, eliminaria a divisão da propriedade, valorizaria os terrenos, controlaria a limpeza, asseguraria o combate aos incêndios e protegeria espécies animais.

4 Criar legislação adequada a este novo conceito sobre a propriedade -  área sem sítio.

Seria isto uma nacionalização? Não, é uma gestão colectiva equilibrada da floresta, com sistema sustentável, que terá uma maior probabilidade de ser rentável, e torna tudo mais fácil, mais coordenado e controlado, conciliando os interesses das populações com o ordenamento do território e eliminando o abandono e a inércia incapacitante de muitos, protegendo eco-sistemas e a regeneração natural. Rendimentos e prejuízos seriam distribuídos segundo a percentagem que cada proprietário possui. Solução que poderia gerar novos empregos, racionalização de recursos mecânicos, facilitaria a aplicação de apoios financeiros, fiscalização e obviamente exigiria uma gestão transparente, para ninguém enganar ninguém. Também poderia ser denominada gestão activa e agrupada.

Antecipo o problema cultural dos proprietários, habituados a ter o seu quadradinho murado e o sentimento de posse, que parcela o território, e que será obrigado a pensar maior e colectivamente, porque o fogo não respeita os princípios dos humanos, nem quer saber desse sentimento.

Com penalizações não chegaremos lá, excepto a detenção dos incendiários. E tudo fica na mesma, e cada vez teremos menos floresta e mais prejuízos.  O Estado disponibiliza este ano 6 milhões de euros para compensar os prejuízos; nos anos anteriores o Estado disponibilizou outras verbas para prevenção e combate a incêndios… não será melhor pensar isto ao contrário, investir em programas que apoiem a mudança do paradigma?

Publicado em NVR, 2/10/2024

Sem comentários: