13 dezembro, 2023

No encalço de Espinosa

 


No encalço de Espinosa

Confesso que só comecei a ler sobre Espinosa, na minha maturidade. Foi-me apresentado há muitos anos, quando estudei Filosofia, talvez a reboque de Descartes, mas depois passei à frente, porque tinha o mundo à minha espera e eu tinha pressa.

Como nesta vida, nada se cria e tudo se transforma, José Rodrigues dos Santos apareceu na TV a apresentar o seu último livro, “O segredo de Espinosa”, e este voltou a ter lugar na conversa entre leitores. Ainda não li a obra deste autor, apenas registo mais uma vez a astúcia do mesmo em associar a sua escrita a personalidades de destaque na História da Humanidade.

Voltando a Espinosa, pelas palavras de Frederic Lenoir em 2019 “O milagre de Espinosa”, resolvi reler para poder avaliar melhor a criatividade de JRS, sobre este descendente de sefarditas portugueses, que abalam para Amsterdam, onde nasce e onde é excomungado pela Sinagoga Portuguesa por questionar as Sagradas Escrituras.

Procurar saber quem é DEUS, com sentido crítico, nem hoje é confortável e muito menos no século XVII. Qual é a verdade sobre Deus? O que é afinal a natureza? Deus será a natureza? Deus será uma complexa equação matemática e cósmica? Esta é uma busca proibida e depressa o jovem judeu descobre o preço a pagar pelas suas perguntas. Os rabinos judeus e os pregadores cristãos perseguem-no e acusam-no do pior dos crimes: heresia. Primeiro é afastado da sinagoga, depois tentam suborná-lo. Chegam a propor-lhe uma renda, para ele não divulgar as suas ideias filosóficas. Espinosa prefere a pobreza em vez da mentira, mesmo correndo risco de vida. A determinação e força do pensamento dos Homens é admirável e este jovem é determinado, porém, tem que tomar cautela, para sobreviver na Amsterdam do século XVII, de muitos canais, onde facilmente de faz desaparecer mentes livres.

Chegou a publicar algumas obras com pseudónimo, mas expulsam-no da Sinagoga Portuguesa mediante “HEREM”, com 23 anos, acompanhado por documento escrito em português. O Herem é o mais alto grau de punição dentro do judaísmo em que a pessoa é totalmente excluída da comunidade judaica. Um jovem de horríveis heresias que se recusa a afastar-se dos “maus caminhos” é o motivo.

Que maus caminhos seriam esses? Questionar-se sobre Deus, sobre a vida, sobre a morte, sobre a superstição (esperança/medo), sobre as contradições humanas, sobre a liberdade e sobre a felicidade – questões triviais, que muitos preferem ignorar, independentemente da religião, para não ter que enfrentar verdades, nem sempre confortáveis. A eterna procura da felicidade é consequência provável, devida à perda brutal dos seus familiares mais próximos, o que o faz questionar sobretudo a existência de Deus.

Ao ler Espinosa pelas palavras de Frederic Lenoir, regresso à cidade dos canais, à planta cebola de Amsterdam tentando descobrir, a rua onde viveu Espinosa, perto da casa de Rembrandt, numa casa já não existente no bairro judeu, onde agora se localiza a igreja católica de Moisés e Aarão. O Google Earth é formidável, é o meu recurso para eu regressar a Amsterdam e rever a rua de Espinosa, em modo século XXI.

Há uns anos visitei a Sinagoga Portuguesa de Amsterdam com sensação estranha, abstraí-me um pouco da vertente do Holocausto, e fixei-me mais nos segredos que aquelas paredes encerram, relacionados com o tribunal de excomunhões, mesmo desconhecendo se seria o mesmo edifício no tempo do livre-pensador.

O que Espinosa acrescenta 4 séculos depois? para além de 3 povos que o disputam, Holandeses, Judeus e Portugueses, a sua racionalidade mantém-se actual, é um pilar básico do método científico e é uma visão emancipadora do conhecimento.

Te gosto Spinoza, cidadão do mundo, universalista da razão, defensor da liberdade e da igualdade!

Publicado em NVR 13/12/2023


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