25 dezembro, 2023

CONTO DE NATAL


 CONTO DE NATAL

Todos temos memórias.

Memórias boas e memorias más.

No Natal tentamos encerrar as más e reencontrar um fio condutor que nos una aos outros, pelo menos que fortaleçam os nossos laços familiares, mesmo que a rede afectiva se apresente danificada.

Tento sempre reaproximar aqueles que se desencantaram com vida e com os afectos.

O humor por vezes é uma arma estratégica e falar nos assuntos mal resolvidos, por vezes é a consulta, que não tivemos no psiquiatra e que nos vai fazer bem. Ajudar o outro a relativizar os dramas das suas vidas aligeira o ambiente, porque há tanta gente pior do que nós

Este ano é difícil, mesmo os bem-dispostos, aqueles que lhes dá muito trabalho andar chateados, os acontecimentos do mundo pesam e é impossível ignorá-los. É urgente pensar que a guerra não se resolve com guerra, e a fome não se elimina com caridadezinhas, e cada vez é mais urgente colocarmo-nos no lugar do outro.

O mundo vive um estado de avanço tecnológico que poderia erradicar guerras, fome e muitas doenças… e o que fazemos? Guerra e mais guerra: já nem quero saber quem tem razão, quero saber daqueles que morreram e o sofrimento da parte dos que ficaram. Mais nada. Esta involução, que toma forma de espiral negativa, incomoda todos, mas não conseguimos arranjar soluções para parar definitivamente com isto. É este estado de desumanização que ensombra, este Natal e todos os dias do ano, por mais hipocrisia que se utilize neste dia, fingindo que tudo está bem.

A ambição, o poder, a mesquinhez, a arrogância, a prepotência o que valem, perante os lugares que vão ficando vazios na ceia de Natal? Olhamos os lugares, onde já nem se coloca o prato, os talheres, os copos e os guardanapos, e sentimos aquele deserto dentro de nós, disfarçamos uma lágrima e o nosso pensamento voa contra o tempo, mas a pressão que sentimos no peito cresce, construindo momentos de silêncio, confundidos com distração, em que tentamos respirar fundo e ir até à janela. Desviamos as cortinas e fingimos olhar o céu e as estrelas, tentando encontrar Cassiopeia ou o Cruzeiro do Sul. Nada nos entristece mais do que a felicidade recordada.

Gostaria de jogar ao rapa, mas também gostaria de ouvir o som de um kisanji entre as iluminações das ruas, que sobrevivem neste sincelo que nos faz lembrar, que somos tão pequenos e o tempo voa.

AQuelhas

1 comentário:

R. Caçador disse...

Um texto que apela à reflexão.
Feliz Natal