20 dezembro, 2023

Anita deprimida

 


Anita deprimida

Já sou uma pessoa idosa e não devo tomar anti-depressivos a torto e a direito. Há Natais que me deprimem, e dão-me fastio, deixo de comer os pitos de Sta Luzia, as cristas de galo e o famoso Bolo-rei, que só é bom, consumido na semana anterior ao Natal, animando o meu nutricionista. Quanto mais deprimo, mais ele se anima.

Dou a volta à cidade e percebo que as rotundas voltam a ser suporte daquelas esculturas feitas pelas crianças, com materiais reciclados. O meu nível de ansiedade aumenta,… voltam as esculturas, mancas e tortas, voltam as embalagens de leite, voltam os frascos de iogurte, voltam as embalagens do sabão para lavar a roupa e este ano a novidade de pintar tudo de prateado e pronto (o milagre da lata de spray), conferindo às peças, algo que me faz lembrar o homem de lata do Feiticeiro de Oz ou o personagem do filme “O herói do ano 2000”, considerado um dos piores filmes de Woody Allen.

Todos os Natais é isto, entre o bolo de bacalhau e a rabanada, tenho de marcar consulta com a minha psicóloga, deitar-me no sofá, recordar a minha infância e saber se tenho algo contra a reciclagem, vegetarianos, pêlos de gato, homens calvos e os que coleccionam selfies com o MRS… e depois vou à gaveta dos medicamentos procurar o “Natalax”, ou Reciclovan, que estão guardados dos anos anteriores.

Esta avaliação não é só minha, alguns não têm coragem de o dizer em público, porque envolve crianças, trabalho dos professores, autarquia e uma aprendizagem importantíssima sobre poluição, reciclagem e reutilização, apesar que, no final, tudo vai para o lixo (apenas se fez um adiamento). O resultado e a forma como se expõe ao público não dignifica nem alunos, nem educadores. Não poderemos pensar em esculturas parecidas às da Joana de Vasconcelos, que ficariam muito bem nas nossas rotundas, mas a sua escala é dissonante dos seus construtores.

O que falha aqui? Falha o destino e a ambiência final.

São trabalhos frágeis, de escala incompatível para grandes espaços exteriores, e suportam mal os agentes atmosféricos. 

Se pensam que as crianças ficam felizes, enganam-se. Querem mostrar aos pais, as suas embalagens que os ocuparam nestes últimos dias e não podem atravessar as ruas para ir para as rotundas. O distanciamento é uma frustração e uma barreira que ensombra o olhar dos petizes. Então os pais, dentro do seu automóvel, dão várias voltas à mesma rotunda, para a criancinha ver da janela do banco de trás do automóvel, amassando o narizito contra o vidro e embaciando-o, substituindo a euforia pelo desapontamento por não conseguir identificar a embalagem do pacote de leite, que levou de casa, e pelo vidro lambido e fungado.

O cidadão comum olha para aquilo e o que pensa? Acho que deprime como eu, pensando que só faltam os pneus para ter de apelar para o clássico Valium 10.  

A intenção é boa, mas o resultado é desastroso - andar às voltas numa rotunda com as expectativas frustradas. Criem um espaço para expor todas as peças executadas e que permitam a visita das famílias, adicionando-lhes alguma diversão, para marcar pela positiva o imaginário destas crianças, sem ser a tenda da avenida, porque as crianças merecem. Para que serve o Jardim da Carreira? Um dos melhores espaços da Bila, quase sempre às moscas, quando poderia servir para a animação natalícia… com vendedores de castanhas, algodão-doce, fotografias com o Pai Natal, presépios vivos, pequenos coros e verdadeira oficinas artísticas de reutilização/reciclagem… bom, é só substituir o que deprime, pelo que entusiasma.

Eu também tenho boa intenção, quando todos os anos compro meias e cuecas divertidas para oferecer ao meu tio Rudolfo, mas ele, coitado, já tem as gavetas cheias e inibe-se em usá-las fora da época. Não resulta! De boas intenções está o inferno cheio! O meu tio Rudolfo quando abre aquelas gavetas, deve pensar:

- A minha sobrinha desmiolada poderia por os neurónios a funcionar, um dia destes vou mazé passar o Natal à ilha da Madeira, já não posso ver meias e cuecas à frente.

Há um momento em que a reflexão e a auto-crítica são passos em frente na nossa vida e na dos outros.

Vou continuar a comprar meias e cuecas divertidas para o meu tio Rudolfo, ou compro-lhe aqueles pijamas natalícios que há no chinês? Não será melhor comprar-lhe uma caixa de pastilhas de gengibre ou um fim-de-semana num espaço termal, com uma boa massagem?

Publicado em NVR 20/12/2023

 

1 comentário:

Anónimo disse...

As " instalações " das rotundas são mesmo deprimentes !!!