08 novembro, 2023

Chrysanthemums

 

Chrysanthemums

Os crisântemos chegam aos braçados para o dia dos mortos, que ainda vivem na nossa memória. Os cemitérios enchem-se de uma azáfama anual, de esfregar, lixiviar e espanar os mármores, que assinalam as últimas moradas. À porta dos cemitérios, acumulam-se viaturas e na maioria deles, pontos de negócio de flores brancas e amarelas, a preço elevado. Um dia, não são dias, e o preço nem se discute. 

Ajeitam-se as flores nas jarras, recordam-se momentos de quem já cá não está…, estando, cada um com a sua história, cada um com o seu tempo de afastamento e de saudade.

Há muitos mortos, há mais mortos do que vivos, cada vivo tem os seus, alguns preferidos, mas a quantificação de mortos, perde-se nos tempos. Dois ou três identificáveis, o resto são entidades que passaram por cá, pensando como nós, com os seus problemas e os seus sonhos, com momentos de alegria e de tristeza, uns mais sofredores do que outros, mas com uma única certeza, a de um dia morrer. Importa como nasceram, porque até para nascer é preciso ter sorte, porém, ninguém escapa da morte. São mortos incógnitos, desconhecidos, perdidos para sempre no nevoeiro da eternidade, enquadrado na esquadria de cada cemitério; a única coisa que nos podem querer ensinar é relativizar o que acontece na vida, porque mais dia, menos dia, estaremos ali na parte de baixo, onde reina a escuridão à espera que alguém se digne a depositar um singelo ramo de flores, ou personificados e agrilhoados a uma obra de arte funerária, por vezes de gosto duvidoso.

Os mortos são ilustres desconhecidos, zés-ninguém sem eira nem beira, não quantificáveis e despersonalizados, sofredores, sobrevivendo num Purgatório virtual, que cada um imaginará à sua maneira, esgotado a rebentar pelas costuras de almas imperfeitas, à espera que tudo isto termine rápido.

Imagino um Triller confuso, mistura de Michael Jackson e Bosch, perdido em outras dimensões, algo pouco compreensível, porque aos meus olhos agnósticos, são apenas herança surreal, talvez útil para domesticar as mentes perversas. Dizem que são almas que só subirão ao Céu no dia do Juízo Final, segundo a cultura da igreja católica.

Curiosamente, existe uma contradição, desejamos aos nossos mortos pouco tempo de Purgatório, mas não pretendemos abreviar o dia do Juízo Final, porque isso significa o final do Universo. Isto é para reflectir sobre a coerência dos nossos princípios, afectos e a fé de alguns.

Confunde-me.

 Assalta-me a imagem da grandiosa e famosa pintura de Miguel Ângelo, “Juízo Final” organizada em 4 planos, dando destaque ao ponto central da composição, dedicado a Maria e a Jesus. Esta pintura da Capela Sistina engloba mais de 400 figuras, todas em atitudes diferentes. Encontram-se situações estranhas de múltiplos significados, penso que deliberadas, na escala das figuras, no seu posicionamento, umas levitam, outras não, num fundo de céu e terra, muito ambíguo. Não é seguro que quem levita, se apresenta com aspecto saudável e que será salvo. Alguns acham que esta pintura é uma representação sombria, outros atribuem-lhe significados que não vislumbro, eu sinto-a inquietante, não tanto pelo desenho, mais pelo que desperta nos mortais, futuros finados, na inquietação questionadora, se serão merecedores da salvação e quando.

A questão temporal “quando”, causa desconforto, porque não se consegue conhecer a dimensão da eternidade da espera; e a contradição continua, ninguém pretende que o mundo acabe num sentido de solidariedade para com as almas sofredoras? A eternidade parece-me tempo a mais para qualquer pecador.

O culminar desta situação é a representação de um Cristo exageradamente musculado em posição dinâmica parecendo uma inspiração da mitologia grega, decidindo quem salva e a quem castiga, desconhecendo-se com rigor, o critério que se aplica, tendo na invisibilidade, o Deus todo-poderoso, glorioso, zeloso, magnânimo, conciliador, omnipresente, único, perfeito, misericordioso, criador do mundo e responsável pelo mesmo, em quem se acredita.

Voltando aos Chrysanthemums, na simbologia cristã, tentam embelezar as contradições da fé no dia dos fiéis defuntos e são um atributo da Virgem Maria, dizem; de origem asiática florescem no Outono e são flores resistentes, capazes de ficar vários dias a cumprir a sua missão de mediadores entre o céu e a terra, a vida e a morte, e assim faz sentido.

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