28 setembro, 2022

Parecem bandos de pardais à solta

 Parecem bandos de pardais à solta


Fico apreensiva ao ver na saída e na entrada da escola, tantos cenários de afectos contraditórios e surpreendentes. Vejo tantos pais preocupados com os primeiros dias de aulas dos seus petizes. São emoções fortes que se sentem no ar. As crianças largam as mãos dos pais e avançam corajosamente em espaço desconhecido, mesmo de olhos húmidos e o coração apertado, e os pais, sentem aquele vazio, aquela gastrite que não abranda já há uns dias, tentam lidar com sentimentos contraditórios, controlar e proteger, ou deixar voar, num desalinho de olhar, os seus filhos…

A agitação já começou há alguns dias, na compra de uma mochila que é por vezes tão grande como eles, a organização dos livros e dos cadernos, as perguntas a outros pais,… o lanche como vai ser? 

Vejo também, os outros que, por diversos motivos, anseiam o início das aulas, despejando as crianças na escola, saturados de os ter em casa. Se mais horário houvesse na escola, melhor seria para estes pais, até o fim-de-semana marchava. Bom, bom, seria largá-los no primeiro dia de aulas e recolhê-los no último dia… ou então já com a escolaridade obrigatória feita, sei lá.

Lembrei-me de Carlos do Carmo, parecem bandos de pardais à solta, os putos… a diferença é que estes são pardais que não sabem voar, nem correr atrás do arco, nem nunca saltaram ao eixo. São putos que correm sentados num sofá e dentro do ecrã de um tablet ou de um telemóvel.

Eles querem aprender a ser homens, mas…

Uma criança já dentro da escola, não sai de perto do gradeamento, vendo a mãe do outro lado. A mãe diz, vai, vai, mais entretida com o telemóvel do que oferecendo um abraço seguro, mesmo por entre as grades, para dar força ao filho. Falta abraço agora, de manhã e ontem… apenas existe o abraço para a selfie, o chamado abraço de plástico.

- Quero voltar para casa, mãe….

- Corre e salta! vá, corre e salta – diz a mãe ignorando o rosto assustado do filho, espreitando a imagem que regista em vídeo…. Vá dá saltos e ri.

A criança não corre, porque não sabe correr, nem ri. Ensaia uns passos deambulantes, desajeitados, que talvez não permitam ter muitos likes no vídeo que a mãe irá partilhar ou faz em directo para a rede social -um passarinho um pouco desamparado tenta voar e aprender a ser homem.

Fico sensibilizada pela negativa quando saio e entro na escola e vejo o caos no parque de estacionamento. Para além desta nova perspectiva afectuosa do salta e ri para passar na rede social, as crianças são confrontadas com os carros que esperam os alunos e que não respeitam as regras de trânsito, nem de civilidade. Talvez seja uma das primeiras lições de falta de cidadania que os alunos presenciam e vivenciam diariamente… afinal a escola, assustadora para alguns, onde se tenta educar, e que causa alguma insegurança a tantas crianças, confronta-se com o seu espaço exterior onde não existe rei, nem roque.

Como pode o aluno seguir as orientações do professor, se os pais que exercem naturalmente o poder paternal, são o primeiro exemplo para os seus filhos e fornecem-lhes diariamente esta falta de civismo à entrada na escola?

Em vez de combinarem com os filhos a entrada e saída do automóvel, num espaço um pouco mais afastado da entrada da escola, optam claramente por estacionar onde calha, não obedecendo à lei. Param em fila dupla ou tripla, bloqueando quem estacionou correctamente, em frente do portão da escola, em cima das passadeiras, como se o normal fosse exactamente assim.

E ai de quem reclame, porque ainda se vai incomodar com a resposta, de dedo médio levantado e uma criança a espreitar no banco de trás.

Como iremos ensinar o respeito pelo outro, pela sociedade e pelas regras estabelecidas no código da estrada se vivemos nesta plataforma de desrespeito? O pardal voará, mas voará mal.

Publicado em NVR 28/09/2022

1 comentário:

Ana André disse...

Excelente texto! Adoreiiiiiiii!