14 setembro, 2022

ERA UMA VEZ UMA ALDEIA


 

Era uma vez uma aldeia

Era uma vez uma aldeia de um Reino, em que os professores eram muito invejados, por serem funcionários públicos, mas aos olhos dos aldeões, os mestres do saber tinham muitos privilégios – 3 meses de férias, ganhavam muito sem serem avaliados, faziam pontes, podiam faltar 2x por mês, e ainda o pior é que se aposentavam antes dos outros, aposentavam-se entre os 55 e os 58 anos – era preciso limar-lhes as arestas!

Sabiam ensinar? Alguns diziam que sim, outros que não, mas para serem professores tinham 5 anos de estudo na universidade ou semelhante e 2 anos de profissionalização, que equivalia quase a uma pós-graduação e em outras aldeias equivalia a um mestrado.

Mas sabe-se lá, só trabalhavam 22 horas por semana!!! Diziam trabalhar em casa, mas ninguém estava lá para ver! Por vezes tinham pena deles, por andarem todos os anos com a mala e os filhos às costas, porque não tinham nem escola, nem residência fixa.

Nessa aldeia a inveja e a ignorância conduzia facilmente a opinião dos aldeões, que achavam ser necessário evitar que os professores se convertessem em madraços.

Até que um dia um dos Reis começou a querer agradar aos aldeões das várias aldeias e percebeu que se seguisse a linha de pensamento contra esta classe privilegiada, ficava bem visto e ainda arrecadava uns dinheiritos para os cofres reais.

Os Reis foram inventando medidas – obrigaram a 36h de trabalho, congelaram salários, roubaram tempo de serviço, inventaram avaliações que travassem a evolução na carreira, e para que eles se desentendessem entre eles, criaram muitos papéis inúteis para preencher e reduzir-lhes as férias escandalosas e… tomem lá, só se aposentam quando os outros se aposentarem – 66 anos e mais uns meses! Os professores sempre tolerantes carregaram uma carga crescente, colocando sempre o interesse dos alunos em primeiro lugar, chegando até ao ponto de alterar o ensino presencial para o ensino à distância, em poucos dias, gastando a sua internet e utilizando o seu computador pessoal, e ainda de serviço 24h por dia.

Os problemas foram-se acumulando, os Reis conseguiram escondê-los por algum tempo (12 ou 15 anos), sustentando a situação, com outros professores deslocados por doença ou apoio a familiares, que iam servindo de muleta e aliviando a carga destes professores cada vez mais velhos e desgastados.

Até que um belo dia o Rei ainda quis apertar mais os parafusos do poder. E para provar que afinal não havia falta de professores e tudo estava muito bem na escola, alterou leis e carregou de novo nos horários dos professores mais velhos, porém, retirou-lhes a muleta. Esqueceu-se de que muitos têm mais de 60 anos. Esqueceu-se das artroses, dos esgotamentos, dos problemas da voz, das hérnias, das falhas de memória, da paciência esgotada, dos cancros, das consequências das menopausas (a maioria são mulheres), e das múltiplas maleitas que surgem na 3ª idade,…  e então percebeu que? …. que? os professores mais velhos não aguentavam a dar aulas a turmas grandes e que os seus médicos lhes passavam baixa médica.

Os aldeões começaram a ficar inquietos. O Bardo já pouco tocava, o peixeiro escamava o peixe violentamente, espalhando escama para todo o lado.

- Então quando os Reis juntaram as escolas de várias aldeias, não era para tudo ficar melhor?

O Rei voltou a fazer contas de cabeça e nunca lhe dava a prova de noves de fora, nada…

- Oh Gervásio, afinal em muitas aldeias não há professores madraços daqueles que andam sempre com o computador às costas e usam o telemóvel na sala de aula. Parece que são mais novos e pagam-lhes o triplo da jorna lá nas empresas da capital do Reino. O problema são os velhos que não querem trabalhar, mas querem ganhar muito dinheiro. Diabo os leve! Dizem que estão doentes, com 60 anos! e que parecem os avós ou bisavós dos alunos.       

- Oh e para que os nossos gaiatos precisam da tal da informática? Para nada! Desde que tenham dinheiro no banco!..., aprender a levantar dinheiro na caixota? basta ter um cartão e saber contar até 10. E o resto aprendem no Facebook do telemóvel.

O Druída ouvia estas conversas de raspa-socos e suspirava, Ai meu Deus, vou mazé aos míscaros e às urtigas, porque brevemente vou precisar da poção mágica para juntar ao caril e às chamuças.

O Rei despiu o seu ar fanfarrão e começou a sentir o aroma de peixe podre. Colocou o lápis na orelha e fez contas de novo, telefonou ao Rei anterior para tirar satisfações, afinal faltavam ou não faltavam professores?! ….

- Quem fez as contas foste tu, porque eu tinha mais o que fazer!

Entretanto, os aldeões souberam através do bardo, que iriam receber 125€ cada um, em Outubro, o que sossegou as hostes. O Bardo era solteiro e sem filhos iria derreter os 125€ em bejecas e ameijoas vietnamitas!

- Bem, 125€ sempre dá para pagar a explicação ao nosso rapaz, nos primeiros dias, causo o madraço do professor resolva juntar as férias, ao feriado do 5 de Outubro. _ disse o ferreiro à mulher.

O que, na verdade, irritava o Rei daquele Reino é que os badamecos dos madraços, não faziam greve, nem nada, para o ajudar a tirar o ranço do problema.

- Ó Victória, não acabou a história!

Publicado em NVR 14/09/2022

2 comentários:

Adília Martins disse...

Continuo a gostar da’stória.
Espero os novos desenvolvimentos

anabelaquelhas disse...

Temos que deixar acontecer a realidade.