13 julho, 2022

VOLTEI AOS XUTOS

 Voltei aos Xutos

Lá voltei ao concerto dos Xutos. Há cinco anos porque seria o último do Zé Pedro, e agora, porque queria ver os Xutos sem o Zé Pedro. Todos os motivos servem. Desta vez já ia mentalizada sobre quem encontraria na linha da frente, os cinquentões da praxe, vestidos de preto, de cabedal, capacete no braço, muita tatuagem, muita pulseira de couro, muito attaché, camisola caveada, com o pelame a espreitar, por trás dos músculos cada vez mais flácidos... a idade não perdoa! não sou só eu que tenho gordura a mais!

Vesti de preto como todos dias, pendurei no pescoço e no meu pulso, duas metades de lenço tabaqueiro, por ser situação especial com apontamento de noite transmontana, sapatilhas e muito entusiasmo.

Deixei a família junto a Gomes, e como sempre acontece, fui sozinha para a frente. Em falta de espaço, com muito aperto, sempre é melhor circular sozinha, é mais fácil decidir por onde escapar e muito mais fácil fazer ceninhas deprimentes, como saltar ao ar e cantar com voz de cana rachada. Foi noite quente em dia escaldante, com cheiro a combustível, a borracha no asfalto e muita cerveja. Conforme avançava para o primeiro anel, ziguezagueando, por aqui e por ali, seguindo os pequenos vazios desenhados pela multidão, ia aumentando a tendência para as cabeças roll on e odor de sovaco, quando cruzavam os punhos sobre a cabeça.

Senti saudades do Zé Pedro.

E saio agora

E vou correndo

E vou-me embora

E vou correndo

Ja não demoro

E vou correndo pra ti Maria

Enquanto ouvia a Maria, ia pensando na nova escala do centro histórico, que nesta noite, foi pequeno. Uma avenida grande acolheu os fãs dos Xutos como um grande abraço – vejam a fotografia aérea. Vi as pessoas à varanda, um pequeno pormenor de cidade pequena novecentista, a casa Diogo Cão testemunho calado e encerrado de vários séculos a observar a vida dos Vila Realenses. Pensei nos internados do Hospital da Luz a ter alucinações com tanto som, pensei nos velhinhos do Lar Hotel, a não atinar a aplicar as gotas nos olhos, pensei sobretudo que me apetecia estar sentada, junto ao tribunal se o auditório estivesse implantado conforme a morfologia do sítio, isso sim, seria a noite perfeita. Possa, virem o auditório ao contrário! Tenho esta mania da união e rejeito a separação. Gosto mais de unir do que separar. Muros, só por uma boa causa. 

Quase no final, chegou uma mensagem no telemóvel:

- M@e, ainda demoras?

Publicado em NVR 13/08/2022

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