12 julho, 2008

identidade e território




Há uns meses atrás LC questionou-me sobre qual seria o principal problema do nosso Agrupamento de Escolas. Rapidamente respondi: o próprio Agrupamento.
Foi a primeira resposta em que pensei. Reflecti depois e entendi como necessário registar esta resposta, no meio da minha papelada que vai crescendo no estirador, para reflectir mais tarde.
Logo que me surgiu a tal resposta, quase de imediato temi estar a ser precipitada e confiei esperançada em poder alterar a minha opinião. O tempo é nosso amigo e acaba sempre por trazer a verdade para primeiro plano; eu pelo menos confio no tempo, no entanto nunca sei quando a verdade emergirá.
Como se constrói uma identidade?
Decretos-lei não constroem identidades!
Os agrupamentos surgem como imposição do Ministério de Educação na tentativa de reorganizar a rede escolar, atendendo a perspectivas puramente economicistas disfarçados por lógicas pedagógicas teoricamente irrefutáveis e não equacionando nunca a sua eficácia na implantação no terreno.
A centralização é um conceito contraditório com a autonomia tão apregoada, mas tudo isto foi esquecido perante os cifrões ofuscantes, vislumbrados num esquema imposto de cima para baixo na estrutura educativa.
Os conselhos pedagógicos, passaram a ser grandes grupos de trabalho, pouco operacionais, impessoais, quase esvaziados de interesse. Os problemas reais de cada escola ou cada disciplina são engolidos pelos interesses globais do agrupamento.
Passados 4 anos, os agrupamentos continuam a sofrer duma disfuncionalidade gritante resultante logo à partida da ausência daquilo que se denomina por identidade. O nosso agrupamento padece de falta de identidade!...decretos lei não constroem identidades e as boas vontades compreensivelmente exaurem-se rapidamente.
Falta aos agrupamentos algo de único que os distinga uns dos outros e que se converta numa referência forte para todos aqueles que o integram, tornando-se quase num fenómeno ergonómico que devolva e desenvolva um bem-estar colectivo; uma referência que apele ao racional e aos afectos de todos, servindo de ligante a toda a comunidade escolar.
Nada disto se constrói de cima para baixo, antes pelo contrário. Arriscaria a afirmar que a identidade se edifica de forma orgânica, tal qual uma cidade medieval, que cresce sem regras, que se adapta segundo as suas necessidades, ao espaço e ao tempo e onde todos os indivíduos se reconhecem.
Durante quatro anos e apesar do empenho de muitos, continua a não haver identidade e o sentimento que permanece é de frustração, exteriorizando-se em diferentes situações através da divergência e não da comunhão.
Poderemos citar inúmeros impedimentos, os aceitáveis e compreensíveis, os condenáveis e politicamente incorrectos. Parece-me ser uma evidência, que as diferentes faixas etárias, os diferentes níveis de desenvolvimento dos alunos formam barreiras dificilmente ultrapassáveis, mas considero que há um parâmetro estruralmente básico, morfologicamente impeditivo à formação de uma identidade, que é o sitio, o espaço físico. Um espaço que se caracteriza por ser disperso, desagregado, parcelado, nunca favorecerá a unidade e a identidade, pois encontra muitos obstáculos em se constituir numa malha.
Passados 4 anos arriscaria a afirmar que a maioria dos elementos do agrupamento, e aqui englobo pessoal docente, discente e encarregados de educação, não conhece o espaço físico do mesmo. Não me refiro à localização no mapa, refiro-me exactamente ao conhecimento das escolas, das salas de aula, da envolvente de cada escola, dos hábitos da sua utilização, de quem lá está, das histórias que se colam em cada parede, e isso inviabiliza a formação da tal identidade que carecemos.
È completamente irracional atribuirmos culpas a este ou àquele, ao sucesso ou ao insucesso das acções, pois tudo isto, quer queiramos ou não, passa pela primitiva ligação ao território.
Idealizar um projecto comum, convergir vontades e apelos à união, formarão bolsas de acções positivas que poderão pontualmente enganar este apelo primitivo, mas a verdade é imprevisível, emerge quando menos se espera nesta era da pós modernidade.
Quando se assiste ao declínio ou o descrédito das filosofias que tentam orientar as nossas vidas, à alteração profunda dos valores, às mudanças rápidas das sociedades, o que persiste e que todos nós inconscientemente conservamos são os lugares, aquilo que nos aproxima ou nos distingue.
A maior parte das estruturas conhecidas da vida colectiva traduz-se através de formas de territorialidade.
Esta descoberta recente da geografia humana abrange não só a grande escala dos países, mas também as escalas menores, a casa, a escola, a aldeia, o bairro. Desde sempre que a territorialidade foi um eixo de grande importância na vida das várias espécies, e por isso eu utilizo a expressão “ a primitiva ligação ao território”.
Nós, que entendemos ser, superiores e seres civilizados, temos imensa dificuldade em transferir o conhecimento das Ciências Naturais para o comportamento humano, pois queremos acreditar que o filtro da civilização é eficaz para nos separar dos restantes seres deste planeta. Um território pertence-nos ou converte-se na nossa identidade apenas quando existe um fenómeno de enraizamento construído ao longo de anos, formado por laços simbólicos construídos pelos homens que habitam esses espaços, não dependendo de vontades politicas e ou administrativas da parte superior da pirâmide hierárquica.


A identidade não é um começo, é um fim, uma consequência, é uma construção cultural.
Ao fazer esta reflexão de final de ano lectivo sinto que estamos todos a viver uma crise identitária transversal, que não é compensada nem sequer pelo imaginário de cada um… talvez seja dos poucos factores que nos unem, mas tornam-nos cada vez mais frágeis e vulneráveis.
Neste universo resta-nos o empenho, a criatividade e o tempo. Não vai ser fácil.
(bom… agora vou passar lustro às muletas)

9 comentários:

Anónimo disse...

Puseste o dedo na ferida.
Não há artificios que resultem.
As experiencias ditas com sucesso, naõ passam de sucessos virtuais.
Colega de outro agrupamento

Anónimo disse...

"Identidade e território": isso mesmo! E "Identidade" significa:
QUEM SÃO? DONDE VIERAM? QUE SABEM? QUE PRETENDEM? QUE QUEREM? PARA ONDE VÃO?
Já por "território" entende-se: ONDE? ATÉ ONDE? DONDE? QUE MARCAS? QUE FRONTEIRAS? QUE GRANJEIO? QUE PLANTIO? QUE SURRIBA? QUE REGA? QUE DEFESA? QUE HERANÇA? QUE ABANDONO? QUE COMPRA? QUE VENDA? QUE TROCA? QUE ALIENAÇÃO?
Enfim, minha querida colega, parabéns por mais este teu post,de facto "Identidade" e "território" diz tudo!

Pena disse...

Brilhante, Amiga Anabela.
Uma poderosa e sentida avaliação da ausência de identidade escolar.
Penso e concordo em absoluto contigo. Excepcional dissertação em que os aspectos que focas, com talento e magia, assentes na sabedoria imensa que te habita, faz pensar, faz-nos tornar mais conscientes da irrealidade e, até, desculpa, ausência compreensível, da afirmação desejada das pessoas como educadoras/professores.
Quando dizes, espectacularmente:
"Quando se assiste ao declínio ou o descrédito das filosofias que tentam orientar as nossas vidas, à alteração profunda dos valores, às mudanças rápidas das sociedades, o que persiste e que todos nós inconscientemente conservamos são os lugares, aquilo que nos aproxima ou nos distingue."
Hoje, com cerca de 27 anos de serviço dedicado intensamente aos Alunos/Pessoas sinto-me sem forças para compreender o "isolamento" escolar a que se assiste, comodamente inscrito na hipocrisia e falta de identidade que nunca renascerá nas escolas de hoje com certos procedimentos impessoais e vazios onde o afecto pelos mais pequenos não tem lugar.
Parabéns sinceros.
És um Ser Humano fantástico!
Beijinhos amigos
Sempre a admirar-te a respeitar-te

pena

Sensacional, significativo e lindo Post. De maravilhar pela profundidade de uma dissertação que faltava ser expressa.
Parabéns sinceros, amiga!

Anónimo disse...

Soube que estás hospitalizada. Espero que tudo corra bem e recuperes rápido, para regressares com a genica que te caracteriza.
Bj
Inês

Anónimo disse...

Vais ver que tudo correrrá bem.
Volta rápido.Bj

Anónimo disse...

Desejo-te rápidas melhoras.
Abraço
Mª João

Nilson Barcelli disse...

"Os agrupamentos surgem como imposição do Ministério de Educação na tentativa de reorganizar a rede escolar, atendendo a perspectivas puramente economicistas disfarçados por lógicas pedagógicas teoricamente irrefutáveis e não equacionando nunca a sua eficácia na implantação no terreno."

Não faço a mínima ideia se tens razão ou não. Sou um leigo na matéria...
Mas acreditas mesmo que o Ministério não se preocupa com a eficácia do sistema educativo?

Eu, como cidadão, é que começo a ficar preocupado, porque desde que sou gente (já no tempo do Salazar) e até hoje, sempre ouvi os professores queixarem-se do sistema...
Mas nunca os ouvi a dizer como devia ser... como é que todo o sistema devia estar organizado...

Provavelmente não somos capazes de fazer muito melhor (governos, ministérios, professores, pais, alunos e sociedade em geral).
Isto será a razão dos outros sistemas também não funcionarem bem (justiça, saúde, etc., etc.).
E também explicará o baixo PIB...
A alta sinistralidade na estrada... que felizmente tem baixado...
A nossa posição relativa no ranking europeu...
Etc., etc.

Enfim, são palpites de um leigo, como disse...

Beijinhos.

Anónimo disse...

Então animada?
Bora lá a por-se melhor.
As férias estão aí!!!!!!!!!!!
Bj grande
Andreia

Anónimo disse...

Doente????
Põe-te fina mulher!!!!
A Margarida envia-te um beijinho.
Melhoras rápidas