18 julho, 2008

O desenrascanço dos tugas

In "Diário de Notícias" João César das Neves

"Portugal fez tudo errado, mas correu tudo bem."

Esta é a conclusão de um relatório internacional recente sobre o desenvolvimento português. Havia até agora no mundo países desenvolvidos, subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento. Mas acabou de ser criada uma nova categoria: os países que não deveriam ser desenvolvidos. Trata-se de regiões que fizeram tudo o que podiam para estragar o seu processo de desenvolvimento e... falharam. Hoje são países industrializados e modernos, mas por engano. Segundo a fundação europeia que criou esta nova classificação, no estudo a que o DN teve acesso, este grupo de países especiais é muito pequeno. Aliás, tem mesmo um só elemento: Portugal . A Fundação Richard Zwentzerg (FRZ), que se tornou famosa no ano passado pelo estudo que fez dos "bananas da república", iniciou há uns meses um grande trabalho sobre a estratégia económica de longo prazo. Tomando a evolução global da segunda metade do século XX, os cientistas da FRZ procuraram isolar as razões que motivavam os grandes falhanços no progresso. O estudo, naturalmente, pensava centrar-se nos países em decadência. Mas, para grande surpresa dos investigadores, os mais altos índices de aselhice económica foram detectados em Portugal , um dos países que tinham também uma das mais elevadas dinâmicas de progresso. Desconcertados, acabam de publicar, à margem da cimeira de Lisboa, os seus resultados num pequeno relatório bem eloquente, intitulado: "O País Que Não Devia Ser Desenvolvido" - O Sucesso Inesperado dos Incríveis Erros Económicos Portugueses." Num primeiro capítulo, o relatório documenta o notável comportamento da economia portuguesa no último meio século. De 1950 a 2000, o nosso produto aumentou quase nove vezes, com uma taxa de crescimento anual sustentada de 4,5 por cento durante os longos 50 anos. Esse crescimento aproximou-nos decisivamente do nível dos países ricos. Em 1950, o produto de Portugal tinha uma posição a cerca de 35 por cento do valor médio das regiões desenvolvidas. Hoje ultrapassa o dobro desse nível, estando acima dos 70 por cento, apesar do forte crescimento que essas economias também registaram no período. Na generalidade dos outros indicadores de bem-estar, a evolução portuguesa foi também notável. Temos mais médicos por habitante que muitos países ricos. A mortalidade infantil caiu de quase 90 por mil, em 1960, para menos de sete por mil agora. A taxa de analfabetismo reduziu-se de 40 por cento em 1950 para dez por cento. Actualmente e a esperança de vida ao nascer dos portugueses aumentou 18 anos no período. O relatório refere que esta evolução é uma das mais impressionantes, sustentadas e sólidas do século XX.
Ela só foi ultrapassada por um punhado de países que, para mais, estão agora alguns deles em graves dificuldades no Extremo Oriente. Portugal , pelo contrário, é membro activo e empenhado da União Europeia, com grande estabilidade democrática e solidez institucional. Segundo a FRZ, o nosso país tem um dos processos de desenvolvimento mais bem sucedidos no mundo actual. Mas, quando se olha para a estratégia económica portuguesa, tudo parece ser ao contrário do que deveria ser. Segundo a Fundação , Portugal , com as políticas e orientações que seguiu nas últimas décadas, deveria agora estar na miséria. O nosso país não pode ser desenvolvido. Quais são os factores que, segundo os especialistas, criam um desenvolvimento equilibrado e saudável? Um dos mais importantes é, sem dúvida, a educação. Ora Portugal tem, segundo o relatório, um sistema educativo horrível e que tem piorado com o tempo. O nível de formação dos portugueses é ridículo quando comparado com qualquer outro país sério. As crianças portuguesas revelam níveis de conhecimentos semelhante às de países miseráveis. Há falta gritante de quadros qualificados. É evidente que, com educação como esta, Portugal não pode ter tido o desenvolvimento que teve. Um outro elemento muito referido nas análises é a liberdade económica e a estabilidade institucional. Portugal tem, tradicionalmente, um dos sectores públicos mais paternalista, interventor e instável do mundo, segundo a FRZ. Desde o "condicionamento industrial" salazarista às negociações com grupos económicos actuais, as empresas portuguesas vivem num clima de intensa discricionariedade, manipulação, burocracia e clientelismo. O sistema fiscal português é injusto, paralisante e está em crescimento explosivo. A regulamentação económica é arbitrária, omnipresente e bloqueante. É óbvio que, com autoridades económicas deste calibre, diz o relatório, o crescimento português tinha de estar irremediavelmente condenado desde o início. O estudo da Fundação continua o rol de aselhices, deficiências e incapacidades da nossa economia. Da falta de sentido de mercado dos empresários e gestores à reduzida integração externa das empresas; da paralisia do sistema judicial à inoperância financeira; do sistema arcaico de distribuição à ausência de investigação em tecnologias. Em todos estes casos, e em muitos outros, a conclusão óbvia é sempre a mesma: Portugal não pode ser um país em forte desenvolvimento. Os cientistas da Fundação não escondem a sua perplexidade. Citando as próprias palavras do texto: " Como conseguiu Portugal , no meio de tanta asneira, tolice e desperdício, um tal nível de desenvolvimento? A resposta, simples, é que ninguém sabe. Há anos que os intelectuais portugueses têm dito que o País está a ir por mau caminho. E estão carregados de razão. Só que, todos os anos, o País cresce mais um bocadinho." A única explicação adiantada pelo texto, mas que não é satisfatória, é a incrível capacidade de improvisação, engenho e "desenrascanço" do povo português.

"No meio de condições que, para qualquer outra sociedade, criariam o desastre, os portugueses conseguem desembrulhar-se de forma incrível e inexplicável." O texto termina dizendo: "O que este povo não faria se tivesse uma estratégia certa?".

2 comentários:

Pena disse...

Incrível Amiga Anabela:
Um texto sensacional de análise socio-económico/cultural do nosso lindo Portugal.
Retive principalmente três aspectos de oportunidade imensa e actual que vivemos e estamos a viver:
1- Quando dizes de forma admirável e brilhante:" Há anos que os intelectuais portugueses têm dito que o País está a ir por mau caminho. E estão carregados de razão. Só que, todos os anos, o País cresce mais um bocadinho." A única explicação adiantada pelo texto, mas que não é satisfatória, é a incrível capacidade de improvisação, engenho e "desenrascanço" do povo português."
É verdade, sabes, é mesmo o desenrascanso de certos quadros profissionais inexistentes do nosso povo.
Sabes, ainda outro dia sorríamos, eu e o meu querido filho mais novo sobre a falta de cultura das nossas gentes. Sabes, é que o que se encontra por aí ele tem apenas 12 anos e, até nem precisa de ser um brilhante aluno, para entender isto. São pessoas passivas, que não fazem nada e só dizem grosserias e incoveniências que ficam mal em todo o lado.
Não sei se já viste o Site dos Apanhados da RTP? Ris-te, mas a verdade de aceitar tal inoportunidade e incoveniência de alguns(as) faz rir mesmo.
2- A realidade que constatas é mesmo essa: Os Portugueses desembrulham-se, mas inteligentes como são até conseguem agradar e fazer alguma coisa de útil e sensato. Mesmo, na mediocridade do que não conseguem realizar ou empreender, fazem-no de alguma maneira. É como dizes, improvisam.
3- É com oportunidade fantástica que te interrogas que seria deste povo se tivesse uma estratégia certa?
É uma verdade óbvia a todos os olhares. Se a estratégia fosse a mais certa seriamos o país mais desenvolvido do Mundo. Não! Não estou a brincar, acredita? Sem dúvidas e até passaríamos por cima das atrocidades, das decisões apolíticas e insensatas desastrosas desse grande paìs poderoso que são os EUA.
Não duvides disto.
Espectacular Post, dos mais profundos e reais que foram escritos até hoje.
Parabéns, amiga.
Sensacional!
Só de ti, brilhante amiga que não esqueço.
Beijinhos amigos de imenso respeito, admiração e estima

pena

As melhoras sinceras, sim, amiga.

Lídia Craveiro disse...

Há muito tempo que não lia algo tão bem escrito e de forma tão clara, com um pingo certo de humor, caracteristica que venho observando nos teus posts. Amiga, assino por baixo tudo o que disseste. Há muito que perdi a fé na raça humana, talvez por lidar com todos os seus podres, mas concordo que somos um povo inteligente, salvo honrosas excepções ( digo honrosas porque desempenham bem o seu papel) que estão todos no governo. Agora imagina o que seria este povo com um sistema educacional que funcionasse, orientado para a capacidade de pensar e não para a estupidificação de alunos e professores ( por vezes sinto-me emburrecida com este sistema, então com a CIF!!)porque é na educação que está a chave de tudo, quem não se lembra do que Mao Tze Tung fez para mudar o país? Dirigiu-se ás camadas jovens e fez uma reforma. Não foi a melhor, é certo, mas uma boa prova que a educação move um país. Somos de facto resilientes em alto grau, mas estamos a ficar muito doentes e sem dinheiro para nada. Continuação de boa escrita.
Beijo
Lidia