03 janeiro, 2008

Vieira da Silva




As primeiras obras que conheci de Vieira da Silva, foi na década de 70. Chegou-me a informação um pouco confusa e filtrada pela censura. Já nem sabia muito bem, se era um homem se era uma mulher, se era portuguesa, se era brasileira ou francesa… sei que rabiscava como os arquitectos. Foi isso que retive.
Depois viram os cartazes sobre Abril.
Na década de 80 vi uma grande exposição na Fundação Gulbenkian, acho que, já no museu de arte moderna, sobre a obra dela, onde figuravam tapeçarias de gigantescas dimensões, hoje algures lá pela Holanda, a decorar o palecete dum ricalhaço ou servindo de cenário no foyer de um banco, e que me deixaram deslumbrada, com curiosidade de estudar à exaustão a obra desta senhora. Até comecei a utilizá-la como referência no meu processo imaginativo, quando iniciava uma modesta pintura.
Não cheguei a conhece-la pessoalmente.
Pareceu-me sempre, ser uma pessoa simples que rabiscava fabulosamente bem.
Identificam a sua obra como sendo lírico-abstracta, que segundo li, causava-lhe um certo incómodo, tal chavão.
Imagino-a como sendo uma mulher simples, que teria sempre uma caneta na mão para rabiscar…uma bic talvez, quem sabe, ou de tinta permanente? e tal como todos nós fazemos, rabiscamos qualquer coisa de forma pouco consciente, quando estamos entretidos a ouvir alguém, ou esperamos alguém na mesa do café. Desenhava os tabuleiros de xadrês, as cidades, as bibliotecas, os ateliers onde trabalhava e imagino que a maioria dos seus desenhos, começariam com aqueles traços que procuram o ponto de fuga, numa perspectiva central, que muita gente faz, e que depois lhe passa uma malha geométrica por cima e a seguir amassa o papel e deita fora. A única diferença será que, os rabiscos de Vieira da Silva não iriam para o lixo. Ela repetia essa malha desenfreadamente ate atingir um rendilhado pictórico, ou um labirinto cromático. E aí é que começa a parte difícil, confusa e complicada. Experimentem fazê-lo! A representação do espaço consta da expressão de uma outra forma de ver, formada pela desfragmentação, pela desconstrução do real, utilizando imensos traços, rabiscos, texturas, superfícies, num emaranhado de formas e, necessariamente de raciocínios labirínticos. Acho que nada surge acaso. Mas tudo surge dum representação rigorosa inicial.
Ninguém consegue expressar tão bem o emaranhado das malhas urbanas como esta pintora - as linhas a negro reforçam a intencionalidade de algo, num meio concentrado e saturado de grafismos, que leva algumas pessoas a deduzir erradamente que ela terá tido formação em arquitectura. Mas de facto, ela tangencia imensas vezes o esquiço arquitectónico, que procura projectar espaços urbanos, que procura encontrar soluções para espaços vazios ou de circulação, mas desmultiplica-o simultaneamente em espaços com intenção de tridimensionalidade, e ainda por cima belíssimos.
Tenho sempre dificuldade em escolher uma obra que aprecie mais. Por isso consultem esta página que construí
http://culturalmente.mja.googlepages.com/home

Só umas notas finais:
- o ano de 2008 é o ano do seu centenário e apesar de ser uma figura impar na pintura contemporânea, não há uma página portuguesa que ilustre convenientemente a sua obra. Tive que recorrer a um site castelhano para fazer a minha página. Enfin!!!
- o facto da maior parte da sua obra estar em França fica-se a dever à “visão”do ditador Salazar. Mas Salazares há muitos!

3 comentários:

Jobove - Reus disse...

gracias por darnos a conocer este magnifico pintor y ha saber un poco mas de su vida

besos de tu amigo

Pena disse...

Amiga Anabela:
Hoje deste-nos uma gigantesca e enorme lição do que é a pintura, amiga.
O teu talento é imenso para quem te ler com atenção,dedicação e tentar compreender tudo o que expressas com um poderoso significado e magia literária.
Parabéns sentidos!
Associado a esta leitura, não pude deixar de comentar como sempre o faço como um humilde desconhecedor da Arte profunda em que vives e da magia terna como te dedicas a ela e te expressas nela.
Sensacional. Adorável e brilhante, amiga Anabela.
Vieira da Silva, uma Senhora da pintura que conheço mal, mas fiquei deliciado com as palavras que lhe dirigiste com uma emoção que desconhecia e que me fascinou.
Tu e ela, duas maravilhas SENHORAS GRANDIOSAS da concepção da Arte e da beleza que ela pode suscitar.
OLha, isto já parece uma acta é melhor fotocopiá-la e entregá-la a quem de direito, pois as frases que construo não merecem a deslumbrante capacidade que possuis e podem arrasar facilmente com o carinho e dedicação com que sempre te elogiei com falsas pretenções de ignorante das intenções que presidem ao meu sincero sentir e olhar.
Esta acta não passaria nunca, nem mesmo assim. Só com o teu cunho pessoal em que auxilias um desconhecedor de concepção de actas.
Bj amigos com fascínio perante a tua escrita imensamente poderosa de sensibilidade artística e humana.

Um humilde admirador que tem um blog descomhecido à mercê de todos os comentários possíveis como os que faço aqui.

Sempre a ler-te com delícia e encanto

pena

Anónimo disse...

Ana: Já fiz um copy da tua página, que me vai dar uma grande ajuda na preparação daquele texto.
Mas afinal qual foi a verdadeira razão da recusa da nacionalidade?
E o texto sobre Brasilia, quando nos proporcionas a sua leitura???
Inês