Lembro que antes do 25 de Abril eramos um país de remediados, frustrados e infelizes.
As classes
socias dividiam-se assim: os pobres, os remediados, que eram um pouquinho menos
pobres e os ricos.
Havia fome,
analfabetismo e uma esperança de vida curta. A maioria das aldeias não possuía água,
nem electricidade. O esgoto era uma estrumeira. O Porto e em Lisboa tinham ilhas
e bairros de lata onde vivia muita gente pobre.
A escolaridade
obrigatória era até a 4ª classe para os rapazes e 3ª classe para as raparigas.
A ignorância e o obscurantismo tinham muito sucesso. Mas se não fossem à escola
também não havia problema, porque um povo analfabeto e ignorante é mais fácil
de governar. A pedagogia era a da palmatória, ou aprendes a bem ou a mal.
Havia crianças
com pai incógnito. Havia crianças e adultos descalços na rua. Havia crianças
com passaporte directo para o céu.
Centros de
saúde e médicos de família ainda não tinham sido inventados.
Não existiam
subsídios, nem férias.
Ninguém ia de
férias para as Maldivas, para o Mediterrâneo e muito menos para a Tailandia. Os
remediados iam até à Póvoa de Varzim, porque o médico aconselhava por causa do
iodo.
As mulheres
casavam para obedecer aos maridos e apanhar se fosse o caso.
Ai sexo antes
do casamento! As mulheres que perdiam a virgindade antes do casamento, perdiam-se
também no mundo, porque eram consideradas prostitutas. O rapaz atrevido ainda
levava nas bentas, dos irmãos ou do pai.
Pílula e
planeamento familiar eram quase inexistentes. Epidural? Ainda não tinha sido
inventada, até porque sofrer no parto, fazia parte do processo. Aborto? Sim clandestino,
sem higiene e morria-se sem culpados.
Quem não ia à
missa, ou não cumpria com os rituais, era um pouco marginalizado na sociedade.
Os homens
faziam serviço militar e iam para a guerra. Alguns regressavam dentro de um
caixão (supunha-se, porém, numa guerra ninguém andava a recolher cadáveres). Os
que não queriam ir para a guerra, eram desertores e tinham de fugir do país e
nunca mais voltar.
Televisão,
telefone e rádio era só para alguns.
Racismo? Sim.
Ciganos? Eram população nómada, que pedia de terra em terra, sem direitos.
Das frutas
tropicais só se conhecia a banana e o ananás, que se vendiam a preço
exorbitante.
Festas… Que festas?
Festivais? Quantos? A festa era uma vez por ano e religiosa.
Nesse tempo não
havia homossexuais, toxicodependentes, nem trans disto e daquilo. Havia raquíticos,
aleijados, histéricas, prostitutas, maricas, pedintes e malucos.
Ir ao
cabeleireiro… talvez uma vez por ano. Manicure… nem existia.
Quem andava no
ballet, na natação ou no karatê? Meia dúzia, filhos dos ricos.
Morria-se cedo
e sobrevivia-se cheio de carências. Alguns para estudar tinham que ir para
seminário. O conhecimento estava vedado à maioria das pessoas pela pobreza. Ter
um filho a estudar na escola secundária era um luxo.
Lavava-se a
roupa no rio, e utilizavam os animais para ajudar nas tarefas de carga.
Passava-se a ferro com um ferro com brasas. E frigorifico? Naaa!
O aquecimento
central era uma braseira ou uma fogueira, e uma botija de água quente dentro da
cama.
Operários e
lavradores não tinham carro, quando muito tinham uma bicicleta ou uma motoreta.
Quando existia
um desarranjo intestinal, não havia Ultralevur, levavas com a cânula de um irrigador
naquele sítio. O penico era um objecto com muita saída, se não quisesses ir ao
monte.
Éramos um povo
muito conformado com a miséria, porque quem reclamasse era espancado, torturado,
preso e com frequência desterrado. Todos
acreditavam, que para o bem ou para o mal, era a vontade de Deus.
E quem não
estava bem, tinha que se mudar, de forma clandestina e arriscada, passando a
salto a fronteira de Espanha, sujeito a ser morto ou preso, sem regresso.
Quem possuía um
maior conhecimento e aspirava a uma vida melhor, tinha que fechar a boca.
Os artigos dos
jornais e os livros eram censurados facilitando assim a ignorância e o
conformismo.
Nas ex-colónias
as facetas da vida eram um pouco diferentes e talvez mais complexas, mas só o
facto de não existir inverno já ajudava a malta. Haveria aparentemente mais
liberdade e melhor qualidade de vida, se tinhas a sorte de não viver num
musseque, caso contrário, vira o disco e toca o mesmo.
Será isto o que
seduz os saudosistas e aqueles que vão na conversa dos primeiros?
ALGUÉM DUVIDA QUE HOJE, TODOS VIVEMOS MELHOR?
AQ
1 comentário:
Acrescentaria ainda mais algumas linhas. Obrigado por escreveres.
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