24 abril, 2025

O que seduz os saudosistas e aqueles que já nasceram após a revolução?





Lembro que antes do 25 de Abril eramos um país de remediados, frustrados e infelizes.

As classes socias dividiam-se assim: os pobres, os remediados, que eram um pouquinho menos pobres e os ricos.

Havia fome, analfabetismo e uma esperança de vida curta. A maioria das aldeias não possuía água, nem electricidade. O esgoto era uma estrumeira. O Porto e em Lisboa tinham ilhas e bairros de lata onde vivia muita gente pobre.

A escolaridade obrigatória era até a 4ª classe para os rapazes e 3ª classe para as raparigas. A ignorância e o obscurantismo tinham muito sucesso. Mas se não fossem à escola também não havia problema, porque um povo analfabeto e ignorante é mais fácil de governar. A pedagogia era a da palmatória, ou aprendes a bem ou a mal.

Havia crianças com pai incógnito. Havia crianças e adultos descalços na rua. Havia crianças com passaporte directo para o céu.

Centros de saúde e médicos de família ainda não tinham sido inventados.

Não existiam subsídios, nem férias.

Ninguém ia de férias para as Maldivas, para o Mediterrâneo e muito menos para a Tailandia. Os remediados iam até à Póvoa de Varzim, porque o médico aconselhava por causa do iodo.

As mulheres casavam para obedecer aos maridos e apanhar se fosse o caso.

Ai sexo antes do casamento! As mulheres que perdiam a virgindade antes do casamento, perdiam-se também no mundo, porque eram consideradas prostitutas. O rapaz atrevido ainda levava nas bentas, dos irmãos ou do pai.

Pílula e planeamento familiar eram quase inexistentes. Epidural? Ainda não tinha sido inventada, até porque sofrer no parto, fazia parte do processo. Aborto? Sim clandestino, sem higiene e morria-se sem culpados.

Quem não ia à missa, ou não cumpria com os rituais, era um pouco marginalizado na sociedade.

Os homens faziam serviço militar e iam para a guerra. Alguns regressavam dentro de um caixão (supunha-se, porém, numa guerra ninguém andava a recolher cadáveres). Os que não queriam ir para a guerra, eram desertores e tinham de fugir do país e nunca mais voltar.

Televisão, telefone e rádio era só para alguns.

Racismo? Sim. Ciganos? Eram população nómada, que pedia de terra em terra, sem direitos.

Das frutas tropicais só se conhecia a banana e o ananás, que se vendiam a preço exorbitante.

Festas… Que festas? Festivais? Quantos? A festa era uma vez por ano e religiosa.

Nesse tempo não havia homossexuais, toxicodependentes, nem trans disto e daquilo. Havia raquíticos, aleijados, histéricas, prostitutas, maricas, pedintes e malucos.

Ir ao cabeleireiro… talvez uma vez por ano. Manicure… nem existia.  

Quem andava no ballet, na natação ou no karatê? Meia dúzia, filhos dos ricos.

Morria-se cedo e sobrevivia-se cheio de carências. Alguns para estudar tinham que ir para seminário. O conhecimento estava vedado à maioria das pessoas pela pobreza. Ter um filho a estudar na escola secundária era um luxo.

Lavava-se a roupa no rio, e utilizavam os animais para ajudar nas tarefas de carga. Passava-se a ferro com um ferro com brasas. E frigorifico? Naaa!

O aquecimento central era uma braseira ou uma fogueira, e uma botija de água quente dentro da cama.

Operários e lavradores não tinham carro, quando muito tinham uma bicicleta ou uma motoreta.

Quando existia um desarranjo intestinal, não havia Ultralevur, levavas com a cânula de um irrigador naquele sítio. O penico era um objecto com muita saída, se não quisesses ir ao monte.

Éramos um povo muito conformado com a miséria, porque quem reclamasse era espancado, torturado, preso e com frequência desterrado.  Todos acreditavam, que para o bem ou para o mal, era a vontade de Deus.

E quem não estava bem, tinha que se mudar, de forma clandestina e arriscada, passando a salto a fronteira de Espanha, sujeito a ser morto ou preso, sem regresso.

Quem possuía um maior conhecimento e aspirava a uma vida melhor, tinha que fechar a boca.

Os artigos dos jornais e os livros eram censurados facilitando assim a ignorância e o conformismo.

Nas ex-colónias as facetas da vida eram um pouco diferentes e talvez mais complexas, mas só o facto de não existir inverno já ajudava a malta. Haveria aparentemente mais liberdade e melhor qualidade de vida, se tinhas a sorte de não viver num musseque, caso contrário, vira o disco e toca o mesmo.

Será isto o que seduz os saudosistas e aqueles que vão na conversa dos primeiros?

ALGUÉM DUVIDA QUE HOJE, TODOS VIVEMOS MELHOR?

AQ

1 comentário:

Pedro Azevedo disse...

Acrescentaria ainda mais algumas linhas. Obrigado por escreveres.