11 setembro, 2024

Eu docente me confesso


 Eu docente me confesso

Não caí no mundo da docência por acaso, decidi ter uma vida profissional ligada à arquitectura e esta só se completava com algo mais. O mundo do projecto, a intervenção urbana activa, o pensamento e análise crítica do território, a construção, os materiais de construção e a interacção com os clientes, precisava de algo que articulasse outras áreas artísticas, que sempre fizeram parte mim e no mundo da arquitectura eram muito secundarizadas ou até esquecidas.

O ensino surgiu como a oportunidade para preencher esse espaço e dar-lhe brilho, que não sendo sobrante, era paralelo a outros. Nunca quis ensinar geometria descritiva, porque rigor e raciocínio abstracto era o que eu tinha que chegasse e sobrasse, como arquitecta. Eu precisava de tudo que compunha a área das artes visuais para alimentar experiências relacionadas com o desenvolvimento artístico dos jovens, estivessem eles na fase das operações concretas ou na fase das operações abstractas. Tinha ainda muito presente a minha experiência liceal, reconhecendo a importância do balão de oxigénio do Desenho, para a formação da minha personalidade observadora e criativa. Eu queria proporcionar experiências semelhantes a outros jovens, que estão naquela idade, que não sabem o que querem, rebeldes, inconvenientes e sobretudo de mente aberta para o mundo, potencialmente criativos dentro de armários que nem sempre se abrem. Precisava disso para não estagnar, para me sentir rejuvenescida, colorida diariamente e, por outro lado, sentia que poderia exercer uma boa influência nas mentes em formação, levá-las a realizar experiências marcantes, enriquecer o seu interior e facilitar a exteriorização do mesmo, reduzindo-lhes a agressividade - fazê-las gostar de arte.

E foi assim, a minha formação académica deu-me parte do suporte do conhecimento científico, e foi necessário adicionar pedagogia e formação contínua, para depois poder navegar no mundo do ensino das artes visuais com felicidade e criatividade. Detesto repetição; o início de cada ano lectivo, foi sempre um recomeço e exigia de mim, tudo, como se fosse a primeira vez. Nunca propus os mesmos temas de trabalho, e assim, até para mim, cada ano era único e novo, o que me rejuvenescia e motivava. Recorri com frequência a auto-formação, dei por mim a investigar na área da psicologia e da neurociência e devo ser dos poucos professores, que incluem assumidamente na sua formação contínua, visitas a museus e exposições – saber o que os outros fazem, enriquece o meu caminho e reflecte-se nos meus alunos.

Tive alunos mais ou menos criativos e todos sempre obtiveram um estímulo positivo para avançar e nunca rejeitar trabalhos. Sempre souberam que com uma pequena ajuda se consegue converter um trabalho, em melhor trabalho, não sendo necessário deitá-lo ao lixo.

Também andei de mala às costas, e sofri todos os problemas que esta carreira vem absorvendo ao longo dos anos, tenho o meu registo biográfico cheio de greves, animei-me com conquistas, decepcionei-me com derrotas e tentei sempre ser a almofada dos meus alunos.

Infelizmente, atravessei uma zona turbulenta e verdadeiramente cinzenta – quando os ministros entenderam transformar a Escola numa fábrica, como se 1 kg de carne tivesse de dar obrigatóriamente 20 croquetes. Fui obrigada a seguir o meu caminho, adoptando práticas nem sempre aquelas que me exigiam, para proteger a aprendizagem dos meus alunos, arriscando a ter a direcção, colegas e até pais contra mim. Há momentos que é preciso dizer NÃO. O sistema obrigou-me a aplicar fichas diagnósticas, que eu recusava e esquecia logo a seguir, porque nunca quis criar expectativas sobre os meus alunos no primeiro dia de aulas. Sempre assumi que a avaliação em arte é subjectiva e sempre escrevi mais, do que apliquei as fichas excell tão endeusadas por alguns. Defendo que um aluno nunca desaprende e por isso a avaliação deve ser contínua, verdadeiramente contínua, aquela que vai corrigindo a anterior. Acreditei sempre que as principais estratégias de sucesso são o envolvimento do aluno na aprendizagem, a ampliação ou reforço da sua auto-estima e o sentido de humor do professor, para converter a aula num espaço em que o tempo passa rápido.

Com muitos e muitos anos de prática profissional e já no limite do exercício, penso nos meus alunos de várias gerações. Sinto-me realizada por ter sido referência para muitos deles. Gosto de os reencontrar já inseridos no mundo do trabalho e perceber que pertenço à vida deles. Sinto-me sobretudo grata, porque sem eles, não teria criado engenho para gerar equilíbrio e motivação para ter sucesso em outras tarefas da vida.

Publicado em NVR 11/09/2024

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