21 agosto, 2024

MOBILIDADE

 


Mobilidade

Tentando resolver problemas de mobilidade, realizei algumas obras aqui em casa. Percebo tanto de electricidade, como de mecânica, assim vou deitando conversa fora com o meu electricista enquanto ele corta fios azuis, amarelos e verdes, para alterar situações adaptando-as a novas realidades. Vou mandando os meus bitaites como se percebesse bué do assunto. Ele coça a cabeça, eu também, ele pára para reflectir e eu igual, ajudo nas calhas, no puxa-fio de um lado da parede para se ver do outro e de resto limito-me a fazer acções repetitivas, espelhadas do verdadeiro operacional.

Normalmente, faço de conta que esqueci todo o conhecimento que tenho nesta área, quando há problemas desligo os disjuntores e acendo uma vela.

Os meus cabelos ficam em pé cada vez que ele faz uma operação sem desligar a electricidade, pois já o vejo a apanhar um esticão, com cada perna para seu lado e a língua preta de fora. Tão jovem que ele é, seria um desperdício. É sempre um pesadelo, porque desconheço como se ajuda alguém quando está electrocutado. É demais para mim. Detesto ver a minha casa com os interruptores abertos com toda aquela fialhada ao dispor para atrevidos esticões.  Curto-circuitos, fiação que arde deitando fuminho pelos buracos das tomadas e cheiro a queimado, deixam-me em pânico. Ele tenta distrair-me.

- Então dona vi-me à rasca para estacionar. Tive que encostar aqui ao seu muro, em lugar proibido. Não posso estacionar a carrinha a um quilómetro e vir com as ferramentas às costas!...

- E como é andar na cidade com canadianas? Há cada rampa por aí, meu Deus, que só servirão para capotar cadeiras de rodas.

 - Porque é que os defs têm sempre que fazer o caminho mais longo, quando são eles que tem problemas a caminhar? Já tentou sair do elevador do estacionamento da Avenida? Parece fácil. Tem um degrau gigante e uma rampa que apesar de pequena dá para escorregar. Já tive que ajudar uma pessoa a sair dali. E no Teatro? A porta para o elevador fica virada para trás, longe do estacionamento. E menos mal que ligam o elevador.

- Com canadianas não pode estacionar no lugar para deficientes. Tem que ter um sinalizador, autorizado pelo IMT e só atribuem a quem tem deficiência permanente de 60% para cima. Nem há autorizações temporárias para quem faz cirurgias.

Percebi que andava bem informado, conheço todos os casos por experiência própria e ainda adiciono:

- Para ir ao Hospital tenho que utilizar um táxi e na espera não há bancos.

- A cara de enfado e de desconfiança nasce nas filas do supermercado quando se apresenta alguém com problemas motores. É difícil alguém ceder o lugar e a maioria das vezes, é o segurança que toma a iniciativa para dar vez a quem precisa.

- Moro a 500 m do Centro de Saúde. É perto, mas são 500 metros, para uma convalescente, parecem-me quilómetros, ainda agravados com piso executado em calçada portuguesa – o pior que há, para as articulações.  Levei o carro, não arranjei estacionamento, nem vi lugares para defs, que eu estaria disposta a utilizar mesmo ilegalmente. Voltei para casa, chamei um táxi. O taxista ficou furibundo pela corrida ridícula e levou o mesmo preço como se tivesse atravessado a cidade. Cheguei ao porteiro do Centro e apresentei reclamação indignada.

- Poderia estacionar aqui em cima em frente à porta.

- E se chegasse uma ambulância?

- Teria que chamá-la para tirar o carro.

- E onde o reposicionava?

Há tanto para fazer, vivo numa cidade pequenina, com grandes problemas e continua-se a pensar pequenino, dificultando a autonomia de muitos, e eu continuo aqui a tentar perceber as ligações entre os fios coloridos, fios de terra, ambientes húmidos, micro-ondas incompatíveis com fornos eléctricos e máquinas de lavar… enfim um mundo mágico e diabólico que nos proporciona qualidade de vida que não dispensamos.

Publicado em NVR 21/08/2024

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