14 agosto, 2024

GÚGÚ… DÁDÁ… o recém-nascido zangado

 


GÚGÚ… DÁDÁ… o recém-nascido zangado.

Há um vídeo que viralizou na internet sobre um recém-nascido que exibe um rostinho todo engelhado e as suas primeiras expressões constam de um olhar forte, um olhar triste, parecendo decepcionado e zangado com o mundo. Não chora, olha de forma tão séria e severa, que nos comove e nos obriga a pensar.

A expressão do recém-nascido é tão impactante que não conseguimos ficar indiferentes, e já alguns cibernautas pegaram nas imagens para fazer humor. Gilmário Vemba diz de forma irónica num dos seus reels, que é uma reencarnação, de alguém que disse várias vezes ter orgulho do bairro onde nasceu, sem ser verdade, e a vida reencarnada pregou-lhe a partida, fazendo-o repetir a experiência:

“Aquele exacto momento em que achas que vais para o Céu, e dás conta que reencarnaste, e voltaste para aquele bairro, aquele mesmo sítio em que dizias que tinhas muito orgulho em ser de lá. Agora mandaram-te de volta! Não disseste que tinhas muito orgulho em ser daí? e que foi até muito bom ter crescido aí? Então agora vais viver isso de novo!”

Já muito se falou e estudou sobre o parto, as sensações da mãe, a depressão pós-parto, a alegria, a responsabilidade, a mudança, ou seja, uma análise dos que acolhem a criança e poucos pensam no que na realidade sente a criança, aquele ser humano que nasce com cerca de 100 mil milhões de neurónios (células cerebrais) e que no primeiro ano o seu cérebro faz cerca de 1.000.000 sinapses (ligações entre neurónios) por segundo. Ao nascer, o cérebro de um bebé pesa cerca de 400 gramas, o que representa cerca de 25% do cérebro de um adulto. Isto é a neurociência a explicar, mas o que sente o recém-nascido, como ele vê e sente esta nova realidade? Ainda ninguém sabe explicar.

“Ao quarto mês de gravidez, o feto emociona-se, angustia-se, constrange-se com as expressões mais rígidas da personalidade da mãe, alegra-se e aviva os seus ritmos, deprime-se, a ponto de inibir o seu crescimento (…) bebés demonstram, logo ao nascer, a capacidade de aprender, desde que existam, à sua volta, emoções e disponibilidade para criar laços afectivos” Eduardo Sá.

 

 

 

 

Sabe-se, que é ainda dentro do útero materno que o bebé começa a desenvolver capacidades sensoriais como a audição, a visão, o gosto e o tacto. O feto aprende a reconhecer a voz da mãe, distingue a luz e engole, antes de nascer e também tem competências interactivas, como reagir à vida emocional da mãe. “... tudo o que a relação gera (a partir, inclusivé, da vida intra-uterina) tem uma preponderância essencial no comportamento dos bebés: a ansiedade maternal, na gravidez, por exemplo, pode suscitar ansiedade neonatal”, afirma Eduardo Sá. No seu entender, o feto tem uma realidade mental que “se afirma autonomamente a partir do 5.º mês de gestação”.

Ou seja, eles nascem e já não são a tábua rasa que antes se acreditava serem, já possuem capacidades activas. O que pensarão ao nascer ao perceberem aos poucos sobre quem os acolhe, que sensações têm, que identidade transportam?

Todos nós sorrimos para um recém-nascido, tentamos pegar na sua mão, dizemos frases carinhosas e fofinhas repetidamente e por vezes um pouco ridículas… gugu… dádá… palavras terminadas em “inho”, caricias, embalos, tentativas de diálogo, este é o papá, esta é a vóvó, gugu… dádá…tás com fominha? Tás? Kidinho da mamã!

Afinal quem está do outro lado? O que pensará de tudo isto? Cada vez mais, considero que nascer é um acto heroico. Os bebés desconhecem a sua família, tudo é uma incógnita, quem será a mãe e o pai, se serão bem tratados, se lhes matarão a fome, se os protegerão, se lhes darão banho…, porque os colocam a dormir deitados, quando eles passaram os últimos meses de cabeça para baixo… Cada recém-nascido tem a sua circunstância, porque já transportam um passado e percebemos que até para nascer é preciso ter sorte. Gugu… dádá.

As expressões de tristeza do recém-nascido, que mencionei no início, são inexplicáveis, comoveram-me e puseram-me a pensar. Aquele olhar e aquela boquinha dizem-me que não estão contentes com a situação, nem têm boas expectativas relativamente ao seu futuro.

Publicado em NVR 14/08/2024

2 comentários:

Mia Griff disse...

Á parte de se voltar ao lugar onde viveu,ou reencarnação, em tudo o resto também concordo que seja assim.

Anabela Quelhas disse...

Grata pelo comentário. Beijinho