27 março, 2024

50 anos de "maus hábitos"

50 anos de “maus hábitos”


Foram 50 anos de “maus hábitos” e isto desassossega-me.

A maioria dos portugueses já nasceu e cresceu em cima de uma almofada de cetim, ergonómica e perfumada chamada democracia, convertendo, inconscientemente, conquistas em hábitos, como se as conquistas democráticas fossem um dado adquirido desde sempre, não concebendo piores condições de vida, nem uma sociedade claustrofóbica, sem respeitar homens e mulheres, e quem pensa diferente. Parece que se esqueceu tudo e não se aprendeu nada. Esqueceu-se de que muitos já experimentaram outro regime político, esqueceu-se a miséria, o analfabetismo, as prisões e as desigualdades sociais. Também não se aprendeu que a democracia é um ideal, algo que se constrói, e que cada um tem o direito de ambicionar uma vida melhor, permitindo-se usar um dos pilares da democracia que é a possibilidade de protesto e de luta, por uma sociedade cada vez melhor e mais justa para todos.

O desconhecimento das conquistas e a não valorização dos principais pilares da democracia levou àquilo que denomino por “maus hábitos”, onde até o acto de votar parece ser um verdadeiro aborrecimento para alguns ou que transformam o protesto em opção política, enveredando por caminhos esconsos.

A malta que hoje tem problemas, e que são muitos - emprego, saúde, habitação, educação e segurança - pensa que antes era melhor, e não era! Aceita a abordagem desses protestos através de discursos mal-intencionados, ideologicamente carregados por intenções que podem corroer os pilares da democracia.

Foram 50 anos de “maus hábitos”. Destacar os defeitos e esquecer as qualidades deste exercício da democracia é má pedagogia.

Vemos a Europa aqui ao lado, deslumbramo-nos com tudo, temos a justa ambição de viver melhor e lutamos por isso, porém, no processo não pode valer tudo.

Há um “vírus” mundial que ataca e, infelizmente, ataca onde calha, que se chama corrupção, mais visível nuns do que noutros, mas sempre condenável, sempre a colocar calhaus no caminho da democracia e da cidadania. Condeno, desprezo quem faz, mas quero evidenciar que os críticos mais ferozes, depois vai-se a ver, andam a meter cunhas para arranjar trabalho para os filhos, andam a meter cunhas ao médico, ao vereador, ao professor, ao polícia, ao fiscal, tentam safar-se da multa do estacionamento, abusam do SNS, não declaram todo o seu rendimento, inventam despesas para o IRS, criam fontes de receita clandestinas, recebem subsídios para isto e para aquilo, as grandes superfícies de alimentação inventam pontos e talões de descontos, publicitam produtos sem IVA e outras “engenharias” financeiras.

Há também uma vaga de fundo de egoísmo, estruturada na falta de solidariedade, onde cada um se quer afogar num mar de individualismo extremo, desprezando o outro, o seu conforto e os seus direitos. Esta vaga segue redes sociais, e partilha de opiniões que subestimam os valores conquistados em Abril de 74. Não querem Estado, mas não sobrevivem sem ele.

- Desde que eu esteja bem, os outros que se lixem!

Hoje é urgente repensar tudo e valorizar o que temos. A democracia tem que se tratar como um filho, valorizando as qualidades, e superar defeitos sem fazer grande estardalhaço e sem tomar medidas radicais que o poderão prejudicar e bloquear definitivamente. É preciso responsabilizá-lo pelas suas decisões, entre as quais votar de forma consciente e informada.

É preciso lembrar ou dar a conhecer, que vivemos todos muito melhor do que há 50 anos. Alguns desconhecem esta realidade. Os mais jovens que perguntem à família, como viviam, como se divertiam, como eram os cuidados de saúde, se passaram fome, se tiveram bodas de casamento, se viram alguém descalço, se iam a festivais e a discotecas, se tinham roupa de marca, se jantavam com os amigos, se tinham telefone, se tinham médico de família ou hospital, se os avós tinham férias, se existiam Mcdonald’s e centros comerciais, se todos frequentavam a escola e quantos acediam à universidade, se tinham quarto de banho, se tinham cidades de chão limpo… tanta pergunta que haverá a fazer. Façam-nas! Perguntem o que eram as calças de costura no rabo aberta que usavam as crianças – esta é a imagem icónica do “antes”. Preparem as lousas para substituir os tablets!

A alternância democrática é saudável e é preciso reflectir para que não se ultrapasse o intervalo democrático da alternância.

Um partido não soube ser oposição, não conseguiu segurar o seu eleitorado, nem recorrendo ao baú cheio de mofo e teias de aranha; o outro não soube ler correctamente a narrativa de sucessivos protestos, deixando-se seduzir por uma maioria enganadora; o PR fala, fala, mas tem uma família que também não aprendeu nada e não se aguenta à bomboca. Sobram os activistas ambientais, aqueles que continuam a tomar banho quentinho com água aquecida numa caldeira a gasóleo, a mascar chiclete, a consumir tofu embalado em plástico, a calçar sapatilhas contrafeitas  e a viajar nos aviões low coats, e que agora não fazem mais nada além de borrar tudo de tinta verde. Triste! Cartão vermelho para todos. É urgente regar e adubar os cravos e já agora pensem no ridículo da bola interromper um programa sobre eleições.

Após 3 dias das eleições, ainda se desconhece os valores totais das votações e já vem a herdeira de Belmiro de Azevedo apresentar os lucros Sonae de 2023, proferindo que os resultados eleitorais são como um “grito de mudança” e logo contesta o pagamento de imposto sobre lucro excessivo. Com 357 milhões de lucro (nem faço ideia o que isso é), contesta 1,3 milhões de euros de pagamento de imposto sobre o lucro excessivo, representando 0,36%. Eu consultei a tabela de IRS onde me insiro e constato que a taxa menor é de 5,9% para quem ganha uns míseros 935€ mensais.

Para quem é ingénuo ou perdeu o Norte neste mar difícil da democracia, feito de calmarias, tempestades e armadilhas, aqui está um bom retrato sobre uma das grandes mudanças que significa votar à direita.

Publicado em NVR em27/03/2024


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