25 abril, 2023

Em trânsito

 

Estou em espera no aeroporto de Lisboa, vinda não interessa de onde e vou para o Porto. É inquietante pensar, que antes do 25 de abril, eu teria que usar passaporte, a Pide já me teria revistado, teria que mostrar autorização do marido ou do pai para viajar. Como não tinha, já teria ficado retida para interrogatório.  Neste aeroporto se quisesse comer, teria q me dirigir a um único restaurante que servia ovos mexidos e caros. As hospedeiras eram lindas e não podiam casar, porque eram elementos de instabilidade familiar. Os wcs eram reduzidos, porque reduzido era também o número de passageiros, os autoclismos ainda tinham uma corrente para puxar. Os aviões em vez de se chamarem Nadir Afonso ou Amália, chamavam-se Sra da Conceição ou Divino Espírito Santo. Nesse tempo eu teria pelo menos, 4 primos com 21 anos, na guerra colonial, com metralhadora às costas a matar pessoas indefesas, em territórios desconhecidos. Cuspia-se no chão, fumava-se muito e as periscas deitavam-se no chão. Não havia liberdade de expressão, cada um comia e calava. Alguém conhecia alguém preso por pensar diferente. Humberto Delgado, nome de figura ilustre atribuído ao aeroporto, não se podia sequer evocar. Não havia Coca-Cola, livros e músicas eram censurados ou proibidos. Havia crianças descalças e esfomeadas, na rua. Era hábito, os homens baterem nas mulheres e o analfabetismo era um sucesso. Hospitais, poucos, enfermeiras também não podiam casar, SNS eram apenas 3 letras maiúsculas, divórcios nada, filhos ilegítimos muitos, habitação pouca e fraca. Monopólios vários, corrupção disfarçada em negócios para o desenvolvimento do país. Euros não existiam. Tinhamos uma moeda própria, o escudo, que valia pouco, e nem sequer era a mesma, das colónias. Nas aldeias, uma sardinha dava pelo menos para duas pessoas. Rezava-se pelo Salazar como se fosse o único esclarecido do mundo. Ai dormir com o namorado!!... Nem pensar! As mulheres só depois de 70 é que começaram a usar calças.  As grandes diversões eram o cinema, teatro, censurados, as festas populares, o futebol, o fado do aleijadinho e viajava-se até a praia mais próxima, por causa do iodo, com pouca pele visivel. Muitos, nem férias tinham!

A maioria das aldeias não tinha água, nem electricidade e muito menos esgotos.

Telemóvel e internet? Esqueçam! Algumas pessoas tinham aquele telefone arcaico de números às rodelas.

Eleições eram de partido único, para não haver confusões. Nem pio! Caso contrário, teria dois senhores de chapéu a perseguirem-me.

Mal por mal, melhor assim como estamos em 2023.

Abril fez a diferença. Sociedades perfeitas não existem, mas ainda ninguém inventou nada melhor do que a democracia.

Facebook 25 | 04 |2023

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