12 abril, 2023

… A paz, o pão, habitação, saúde… educação…

 

… A paz, o pão, habitação, saúde… educação…

 

Andamos a navegar neste refrão de uma música do Sérgio Godinho há quase cinquenta anos, de olhos vendados, ouvidos tapados e boca fechada.

Agora estamos com pouca paz, Zelensky pretende cada vez mais armas, o pão está caro, porém variado, pão biju, da avó, de água, de beterraba, de girassol, de alfarroba, da aldeia, brioche…, com pouca habitação, com um SNS a precisar de melhoramentos urgentes (assinale-se que antes nada existia,… qual serviço nacional de saúde, qual carapuça!), e na educação estamos com os professores descontentes, porque se sentem desvalorizados, explorados, exaustos e em vias de extinção e com o ministro ocupado a destruir a Escola Pública.

Sobre a falta de habitação, em 50 anos ainda não se conseguiu criar estratégias capazes de resolver o problema. Parece-me que balizam uma guerra entre os inquilinos coitadinhos e os mauzões dos senhorios, um confronto regulamentado por legislação completamente incoerente, que não serve, nem uns, nem outros, e o Estado de fora a ver e a sorrir.

Esquecem-se as políticas de desenvolvimento social inexistentes, esquecem-se do crescimento desordenado das cidades e os territórios especulativos permitidos e, esquecem-se de que vivemos num país onde os sucessivos governos não investem onde é necessário e viraram completamente este país ao Turismo internacional. Logo após Abril, resolveram-se muitos casos problemáticas com associações de moradores, e cooperativas de habitação, no entanto, [há sempre um no entanto], esvaziando progressivamente as zonas mais antigas das cidades, atirando os moradores para as periferias.  No centro das cidades ficaram os escritórios, os bancos na época áurea, e a habitação cara. Fecharam-se lojas, todo o paradigma ligado ao comércio alterou-se profundamente. Já se esqueceram?

Até que o centro das cidades começou a cheirar a mofo, a ratos e a degradação. Inventou-se a publicidade do turismo, “Passe as férias em Portugal”, lembram-se dos grandes vídeos  promovidos nas feiras de turismo? Incentivou-se o alojamento local, felizmente, os centros históricos sofreram um refresh, à base da desinfecção, limpeza, muito pladour e algumas alterações estruturais. Mudança que não agrada a muitos – primeiro eram os ratos, falta de iluminação, a decadência, agora porque fazem barulho e falam outras línguas. Para mim é melhor ter centros históricos renovados e vivenciados, do que abandonados.

Há quem pense que os proprietários deveriam ser obrigados a fazer obras, e tal, e tal. Os que usam esta retórica, desconhecem que cada caso é um caso, e cada proprietário tem um perfil, alguns deles estão bem na vida, com dinheiro para investir, mas são cautelosos  nos seus investimentos, porque o mundo do imobiliário tem solo pantanoso, é perigoso e cheio de truques e armadilhas, com muitos negócios obscuros pelo meio e rapidamente um rico, pode transforma-se num pobre cheio de dívidas; também há proprietários completamente falidos a viver ao nível de pobreza dos inquilinos pobres. Investidores que viviam das suas rendas de imóveis alugados antes de 70, viram essas rendas congeladas há 50 anos e hoje, depois de muitas considerações e decretos leis podem estar a receber por um andar bem localizado no centro de uma cidade, uma mísera renda de 50 euros. 

Mas há pessoas que não têm casa!!! A minha geração, para ter habitação ou economizou, ou com ajuda da família, comprou propriedade, e outros com apoio de um empréstimo bancário, para a vida toda, comprou também e os problemas aligeiraram.  

Hoje os portugueses entre os 20 e os 40 anos não querem casa própria. E por quê? Têm mau-feitio, não querem responsabilidades? Evidente que não. As políticas deste país permitem que a maioria destes portugueses têm trabalho precário, conhecidas pelas gerações dos 700, recebendo anos e anos, ordenados mínimos e ainda mais, sem poiso certo. Temos cidadãos sem perspectiva de futuro, que são mão de obra barata e flutuante, impedidos de investir em soluções de habitação permanente, com compromissos a longo prazo. Esta situação torna visível o problema camuflado ao longo dos anos. Os jovens de hoje contam também com outras circunstâncias, viajam mais, fazem mais vida social, os valores alteraram-se e a estabilidade familiar pode não o ser.

Divulgam-se medidas, Programa Mais habitação, mal estruturadas, para ocupar a comunicação social – é urgente esconder as greves dos professores e as manifestações, oferecendo-se outro tema de discussão, fácil de absorver a atenção dos media, porque não deve haver uma família deste país, que não tenha este problema nas mãos – são os filhos que não conseguem arrendar uma habitação e que continuam em casa dos pais, agora com mais 1 ou 2 elementos, que são os (as) companheiros (as) e nos casos mais complexos, os netos.  O programa Mais Habitação foi tirado da cartola, de forma inesperada e sem medir consequências, fazendo aumentar, a desconfiança de proprietários e autarquias, pondo em causa o crescimento do turismo e ameaçando o investimento estrangeiro.

Sem confiança não há mercado de arrendamento.

Afinal em que ficamos, querem turismo ou não?

Exigem-se arrendamentos coercivos. Alguém se convence que os potenciais senhorios vão investir na construção de imóveis, sabendo que terão renda condicionada? Todos os proprietários gostariam de ter os seus investimentos reconhecidos e valorizados, com legislação clara que permita navegação segura…. Obviamente que ninguém anda aqui para perder dinheiro, porém os senhorios não têm que resolver o problema da habitação em Portugal. Eles pagam impostos, eles fizeram as suas poupanças, pagaram os empréstimos, se os houve, e não tem que ser pais e mães do Estado. É isto a propriedade privada. Os senhorios não possuem nenhum compromisso com o Estado Português, nem com os portugueses. A falha está no próprio Estado!

Uma parte da população, com menos recursos, vive em condições habitacionais indignas, e isto exige boas soluções da parte do Estado e não dos privados. Parece que precisamos de 50.000 habitações/ano …ouvi dizer que os únicos que vão lucrar com estas novas medidas, são os advogados, e eu acredito.

Salários baixos, juros altos e casas caras! Acordaram agora? E agora? Sérgio Godinho anda a dizer isto há 50 anos.

Para terminar, apresento números, e depois cada um que pense o que quiser. A habitação social e o parque habitacional - Portugal com 2,5%; na Holanda com 30%, na Áustria com 24%, Dinamarca com 20%, Suécia com 19%, França com 17%.

Publicado em NVR, 12/04/2023

4 comentários:

Ana André disse...

Excelente texto!

anabelaquelhas disse...

Obg Ana

Tiago Moisés disse...

Clara e assertiva. aplauso, leio tudo o que publicas.
Abraço top

anabelaquelhas disse...

Grata, Tiago.