19 abril, 2023

 

Pedro Abrunhosa e Camponeses de Pias

A montanha desceu até ao mar para abraçar o Porto

E chovia

Voámos pelas ruas agarrando as palavras entre nós

E chovia

Deixamos que as nuvens se arrumassem lá no céu

E parou de chover

Entramos no Coliseu como se este fosse só para nós.

Quase os primeiros.

Ofereceste-nos uma noite harmoniosa e inesquecível. Valeu a pena descer a montanha. Já ouvimos tantas vezes as mesmas músicas, em vários lugares, mas nunca as cantas da mesma maneira, portanto é sempre diferente e uma boa surpresa, revelando a grande capacidade que tens de decompor e voltar a compor e confirma a tua criatividade. A mistura, a ligação entre os vários momentos, os efeitos de luz a “rasar” a plateia, a tua bela homenagem a Cohen e aos Bee Gees são a nota do teu despretensiosíssimo, bom gosto e também a pequena “nota” que enquadra a nossa geração. 

Os teus Bandemónios estão cada vez melhor, e foi um golpe de génio unires a tua música ao cante alentejano dos Camponeses de Pias[1], Património Cultural Imaterial. Esse teu gesto revela o teu interesse profundo por este país, pela sua cultura, dás-lhes palco e dás-nos a oportunidade de conhecer melhor este coro, que não seria possível de outro modo, aqui no Norte. Ser património é lindo, mas normalmente ganha mofo por ter público reduzido, e tu abres-lhes portas para o mundo e dás-lhes espaço na identidade dos teus fãs. Tivemos uma visão em plano picado sobre o palco e ver todos aqueles homens alinhados no fundo do mesmo, simultaneamente tão discretos e tão presentes, geraram momentos únicos e fortes, que ficam registados na nossa memória e reforçam a nossa identidade. Parabéns Paulo Ribeiro.

E tu, Pedro, continuas a sublinhar incansávelmente a mensagem de paz, amor e tolerância, cada vez mais necessária e oportuna nos dias que correm. Foi um grande espectáculo com várias vertentes, a música, os silêncios, os ritmos, a luz e as palavras, em comunhão com os espectadores e o espaço fantástico do nosso Coliseu, que contém tantas histórias desta cidade. Valeu a pena deixar o Reino Maravilhoso e vir até aqui. Aplauso, obrigada Pedro. Que o amor nos salve! Nós teremos sempre o desejo de te ver novamente, não pares de nos surpreender.

(14/04/2023)



[1] O Grupo Coral e Etnográfico “Os Camponeses de Pias” foi criado em 1968 para divulgar as modas da sua terra. Cantaram com Vitorino, Janita Salomé, Lua Extra­vagente, Rio Grande, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Farró Brabo, Ala dos Namorados e João Gil.  O Cante alentejano foi classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade, pela UNESCO em 27 de novembro de 2014.

Quanto às origens há duas possibilidades: 1 - cantes árabes sefarditas, levados para Marrocos pelos judeus expulsos da Península Ibérica no séc. XVI; 2 - canto bizantino, filiado nas liturgias ortodoxas; 3 -  ligação a cânticos religiosos nascido eventualmente nas escolas claustrais da Sé de Évora.

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