22 junho, 2022

SANTOS POPULARES

No mês em que festejamos os Santos Populares tornamo-nos mais tolerantes e simpáticos.

Todos sabemos que o festejo dos santos populares é mais uma operação de implantação do cristianismo, aproveitando as festas pagãs em homenagem à natureza e à fertilidade que marcam o iníco da colheita dos cereais, o mês de Junho. O festão pagão converteu-se em celebração religiosa, e ao longo dos anos, séculos e séculos depois, o Sto. António, São João e S. Pedro converteram-se em santos populares continuamente reinventados, colando-se-lhes um perfil folclórico e de grande alegria, nossos companheiros de folia e de muito amasso.

Agora, religiosos, ateus e agnósticos, festejam em todo o país as festas juninas. Não sabendo o que festejamos, festejamos de copo na mão, tornamo-nos mais tolerantes e tipos fixes. Esquecemos todos os outros santos, normalmente desaparecidos por morte matada, ou seja, por morte violenta e entregamo-nos a estes. Um, porque anda com um menino ao colo, o outro sempre em banhos de baptismo e o terceiro, mais maduro, já com idade para ter juízo, guarda das portas do Céu, secretário do Dono disto tudo. Com eles celebramos a vida durante este mês e quase os ignoramos o resto do ano. Faço saber que os dias de Sto. António e de S. Pedro são datas tristes da sua morte, mas nem pensamos nisso. Sto. António converteu-se em casamenteiro. Há uns anos constituía oportunidade, os pobres contraírem matrimónio, no seu dia, em Lisboa, sem grandes despesas. Hoje os jovens casais que não estão nem aí para o casamento, atrai-os a passadeira vermelha, vestido de noiva e fato de homem, desenhados por estilistas e uns minutos de fama na televisão. Quem é a favor das relações livres, coloridas ou de um pequeno compromisso no cartório, acaba por alinhar no glamour destes casamentos de Sto. António. Então lá vão eles, uns elegantes, outros anafados e feios, a sorrir para a câmara da televisão.

Algo de mágico se passa neste mês de solstício de verão.

Quem odeia o odor das sardinhas assadas, nesta época, lambuza-se e até as comem no meio de um pão qualquer, escorregando gordura, com pele cheia de escamas. Quem não gosta de moscas e mosquitos, come na rua, convertendo de bom grado, as suas canelas, num verdadeiro manjar dos mosquitos nocturnos.

Quem não valoriza presépios tira selfies nas cascatas de S. João. Quem tem a cabeça sensível sorri quando leva com os martelos na cabeça e abre sorriso. Quem odeia o cheiro intenso de alho, não discute com quem lhe passa o alho-porro pelo corpo. E os pimentos? Também a largar cheiro forte sobre as brasas, comem-se sem recorrer ao kompensan. As pessoas ficam alegres sem saber porquê reforçando com uns copos de tinto e de verde, o delírio colectivo. Quem odeia o óleo das farturas e cuida do colestrol, come-as como se fosse um manjar dos deuses atacadas com uma sangria. No S. Pedro, quem pragueja contra a dificuldade de ir de carro até ao centro da cidade, passeia-se alegremente entre as tendas dos africanos, vai à feira da cueca e dos atoalhados, mesmo que o sol não dê tréguas…. Vai-se dar uma vista de olhos ao artesanato de Bisalhães e de Agarez, esquecendo a Marinha Grande e os Limoges. Negoceia-se a tanga vermelha diminuta, o corpete rendado parecido aos que há na sex shop, o soutien bem decotado, o body esburacado… Se lhes servem uma malga de tripas, numa peça esbotenada, onde já passaram imensas beiças, toda a gente aceita nas calmas, já nem se pensa em Covid, nem em desinfectantes, favorecendo-se assim, a orgia dos vírus e dos micróbios. O que não se vê, o coração não sente, bota mais um copo! Oh patego, olhó balão! Então os incêndios?

Quem pragueja a favor da racionalidade dos gastos públicos, embarcam em arraiais, até ficarem surdos. Aqueles que não apreciam a brejeirice da música pimba e só ouvem de Beethoven para cima, divertem-se com os “Peitos da cabritinha”, “Eu levo no pacote ai eu levo sim senhor” e “Chego às duas três ou quatro vou alugar um quarto vou alugar um quarto”. No dia seguinte regressam ao Johann Sebastian Bach, mas na avenida cruzaram os punhos e cantaram “A carga pronta e metida nos contentores, adeus aos meus amores que me vou.”

Olhem, eu já nem sei se gosto, ou não, nem porquê. Arrasto comigo este problema existencial e um dia destes converto-me em pagã, deixo crescer os pêlos dos sovacos, abraço-me às árvores, ponho bandolete cheia de flores na cabeça e inauguro-me em rituais de adoração à Natureza Sagrada.

Divirtam-se.

Publicado em NVR em 22/06/2022

Sem comentários: