17 outubro, 2018

LESLIE


LESLIE
            Anunciava-se um Leslie.
            Já o nome é daqueles que se enrola na língua, que só mesmo os germânicos acham belos. “I love you, Leslei…” credo‼! a língua enrola-se 3 vezes!
            Voltando ao furacão, as imagens cartográficas apresentavam uma mancha que avermelhava nas zonas de perigo.
            Nas redes sociais, durante o dia, opinavam que havia falta de informação.
            As pessoas gostam de drama, de sangue, de conto e reconto da tragédia e precisam de tempo para se preparar para ela. Não basta publicitar a imagem digital a avançar para a costa portuguesa. É preciso mais. São necessários debates de quem não percebe nada de furacões para equilibrar ou fazer pendant com os senhores da meteorologia.
            Os mirones circulavam pelas zonas marítimas à espera do mar revolto, para viver experiências únicas com muita adrenalina.
            Enviei uma mensagem a um amigo que vive em Cascais: “Vê se te seguras, para não levantares voo tipo papagaio de papel. O Dumbo tinha as orelhas grandes, mas tu…”
            Na TV não havia drama suficiente. Alguns canais até dividiam o ecrã para multiplicar a desgraça, mas os repórteres, aqueles do salário mínimo que aguardam a pequena catástrofe, aguentavam-se em pé e apenas o cabelo esvoaçava, anunciando unicamente pequenas brisas e não a aragem ciclónica Leslie vinda do Atlântico.
            Leslie anuncia um mulherão genioso que pode armar “barracos” imprevisíveis. Começa a ser difícil competir com as trombas de água tão frequentes ao longo deste verão, que arrasam a agricultura com bolas de gelo, amolgam viaturas, inundam as ruas arrastando tudo e que ficam sem baptismo, quase anónimas para sempre.
            Outro amigo reclamava sobre a falta de pessoas na rua no final do dia. Caraterizando o furacão como mediático. Eu apelidei-o de furacão fofinho.
            Mais tarde percebi que o dito cujo direccionava-se para Trás-os-Montes, depois de fazer uns "estragozitos" no litoral, especialmente na Figueira da Foz e em Aveiro.
            Resolvi ficar em casa, agradecida pelo meu minimalismo existencial. Vivo dentro de um caixote de betão, sem grandes vidraças, sem toldes, sem guarda-sóis, sem árvores, sem arbustos, sem floreiras, sem acrílicos nas varandas e outros penduricalhos que na primeira oportunidade, ganham asas e voam. Preocupo-me apenas em arrumar o Smart dentro da garagem, colocar uma mini lanterna no bolso e fechar as janelas – precauções que se concretizam em poucos minutos.
            Passadas umas horas, o furacão fofinho resolveu deitar as unhas de fora - as aparências sempre iludem. A minha casa parecia a casa assombrada do monte dos vendavais. Vários assobios se formavam a partir das portas de entrada, garagem e ainda as condutas de ventilação. Parecia que estava dentro de um instrumento de sopro a ser tocado por um elefante. Uns barulhos chegavam da chaminé, começando eu a pensar que tinha virado ser vivo.
            Avisei na net: “Se virem um apetrecho, para não chamar geringonça, a voar, não é a passarola de Gusmão, nem um skylab qualquer, já sabem é a minha chaminé. Por favor avisem-me para eu proceder à recolha.”
            Resposta: “Passou aqui há pouquinho, julguei que era a Maga Patalójika montada numa vassoura.”
            Balanço do dia seguinte: quase 2.000 ocorrências, 27 feridos ligeiros, 61 desalojados, 324 400 pessoas sem electricidade e 200 linhas de alta/média tensão fora de serviço. Leslie dum raio!
AQ
Publicado em NVR

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