13 outubro, 2018

Anita vai à farmácia


Anita vai à farmácia
         Anita era cliente de uma farmácia localizada a rua Aureliano Barrigas. Com urgência ou não, a qualquer hora, costumava estacionar o seu automóvel, junto do passeio da mesma e dirigia-se à farmácia adquirindo os comprimidos para combater a gripe, os antipiréticos para anular a temperatura que galopa, os xaropes para a tosse persistente e os comprimidos para a maldita ciática. Tem sido assim ao longo dos anos até que chegou o progresso e o progresso é bom, portanto há que aderir e elogiar.
         Um dia a Anita não pode mais estacionar junto à sua farmácia.
         Credo! E depois? Ninguém morreu! O tráfego flui melhor.
         Procurou o lugar de estacionamento reservado da farmácia e encontrou-o ocupado, pois não era a única cliente interessada nesse espaço. Decidiu procurar outro sítio onde estacionar, aproveitando para conhecer melhor a cidade… junto ao Jardim da Carreira - tudo ocupado - , quinta de S. Pedro - não se distinguem as faixas viárias dos passeios, nem dos sítios onde é permitido estacionar -, em frente à Escola Diogo Cão- sempre lotado -, largo de S. Pedro - não dava -, Pioledo - nem pensar -, Av 1º de Maio – esgotada -, entre aos “caixotes” da avenida Aureliano Barrigas - impensável. Que óptimo!
         Os lugares mais próximos, que a Anita previa encontrar lugar para estacionar foram o parque de Codessais, o largo da Estação, o largo do Cemitério de Sta Iria, o parque de estacionamento da Escola das Árvores, os parque do Lidl e Continente e o parque de estacionamento da Avenida Carvalho Araújo, este sem garantia de acesso.
         Cidade grande é assim e a Anita gosta. Movida urbana é com ela mesmo.
         A Anita optou pelo parque de Codessais e ligou para um táxi, para a transportar para a farmácia. Só não há solução para a morte.
         Eram 18h30m. O táxi tardou em chegar, o chofer vinha feliz da vida pela corrida ser tão curta, imaginava um frete para a Régua, Chaves ou Sta Marta… saiu-lhe uma “corrida” com menos de 1km. Na boa! Poderia jantar mais cedo com a família! Olhava a Anita com cara de sorriso afiambrado nas orelhas e emitia comentários agradáveis tanto sobre o trânsito congestionado, assim como sobre as faixas de rodagem cada vez mais apertadas e sobre as família dos que decidem sobre as vias de comunicação desta Royal Village, em relação às quais parecia haver muita intimidade. Andou ali às voltas para se apresentar pela esquerda na rotunda de Codessais e conseguir realizar um check-mate politicamente correcto aos que estavam na fila, que se estendia até a Araucária, conseguindo uma melhor posição na mesma. Fiquem espertos! Aprendam, aproveitem todas as oportunidades de aprendizagem! A fila avançou em marcha lenta, muito lenta; entretanto Anita puxou do tricot e foi puxando mate e laçada, mate e laçada, no banco traseiro do táxi, podendo dispor dos novelos de diferentes cores em filinha ao seu lado. O chofer tirou do porta-luvas umas folhas para resolver problemas de Sudoku, tão aconselhados para contrariar o Alzeimer, um palito para retirar o resto do salpicão ingerido à merenda, que se prendia na dentadura postiça e ligou o rádio na Antena 3. Ambos disfrutaram do programa “A prova oral” do Fernando Alvim, com um tema sobre Sexo Exótico, o que fazia todo o sentido numa fila de trânsito, dentro de um táxi, naquela situação, a Anita já um pouco largada na idade e o chofer, com tufos a sair das orelhas, um quadro digno de um hardcore de Sá Leão.
         A Anita chegou à farmácia que entretanto fechou e a “corrida” continuou em sentido inverso, divertida, animada e altamente formativa.
         Anita não sabia como poderia levantar os famigerados medicamentos reservados, pois no dia seguinte, no outro e no outro, a animação urbana seria igual com tendência a crescer. Pegou no telemóvel e obviamente cancelou a reserva apelando para aquelas desculpas da praxe, sinceras, pragmáticas e incontornáveis, que contribuem muito para a cidadania de todos, dignificando-nos: tive que viajar, faleceu uma pessoa da família, tive que me deslocar a Viseu, o meu médico alterou-me a medicação sem eu contar… não dando tempo à formulação da resposta do outro lado e já se despedindo e desejando felicidades para todos.
         Sempre educada a nossa Anita!
         No dia seguinte, a ciática apertou e Anita dirigiu-se à farmácia mais distante do centro urbano, pois o tricot terminou e esta seria a sua 4ª farmácia que utiliza nesta cidade - é sempre bom arejar e conhecer pessoas novas atrás de um balcão de farmácia. 
AQ
Publicado em Notícias de Vila Real - 10/10/2018

4 comentários:

Anónimo disse...

Continuas deliciosamente mordaz. Bj
Fernando

Anónimo disse...

Continuas deliciosamente mordaz. Bj
Fernando

Anónimo disse...

Um texto fabuloso. De excelência. Parabéns.
No mais elevado respeito.
Fascinas.

António Pena Gil

És genial mesmo. Adorei.

alexx998 disse...

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