07 novembro, 2018

I'm your mirror

I'm your mirror
            Visitar a exposição de Joana Vasconcelos "I'm your mirror", no museu Guggenhein em Bilbau, requer fazer cerca de 590 km por estrada, apenas com uma portagem em território castelhano e várias no Norte de Portugal. E eu fiz.
            Joana de Vasconcelos gera urticária em alguns artistas plásticos e críticos de arte portugueses, virando uma artista “maldita”, combatida com Fenistil verbal. Dizem que as suas esculturas são feitas de sucata e que não têm valor artístico. Talvez seja a arte pimba.
            Não percebo esta antipatia, este cerrar de fileiras em relação a uma mulher que faz esculturas inesquecíveis, consideradas em todo o mundo, usando uma escala grandiosa. Torna-se impossível negar o impacto que gera nos observadores.
            Não quero acreditar que esta negação tenha a ver com o aspecto físico da artista. Ser gorda não é fácil. Quando uma gorda ganha destaque é mesmo por mérito. Prefiro não perceber do que acreditar neste bullying idiota.
            Já vi esculturas gigantescas de objetos utilitários realizadas em fibra de vidro e betão, em que os mesmos críticos teceram grandes elogios. Qual é a diferença? A diferença é que a obra de Joana tem significados e empatias muito mais interessantes, provocando a tal urticária inexplicável do contragosto ou do desgosto, acompanhada de sorrisinho IIC (irritante, irónico e condescendente). Será que irrita o terço de Fátima? O Siza Vieira também andou por lá. Parece ser proibido unir, o kitsch, o trabalho artesanal, os objectos utilitários e a criatividade numa postura irreverente e com algum conteúdo reflexivo.
            Ainda por cima uma mulher grandona, gorda e exuberante, que não encontra a forma certa e cinzenta de vestir!
            Pobre do Duchamp se tivesse nascido português, encarnando uma mulher gorda ao lado de um mictório. E Picasso com a cabeça do touro feito com o selim e o guiador de uma bicicleta? E a mulher de Miró?
            A primeira vez que vi uma obra de Joana foi no museu Berardo e outras se seguiram. Sorri com o candelabro, tão delicado e feminino, feito de tampões, tão contestado nesta sociedade falsamente puritana, ou então a escultura com cães que esteve numa exposição do riso em Lisboa.
            O que dizer do cadeirão Aspirina, o sofá Valium, os sapatos Dorothy, o solitário, a mascarilha espelho, o helicóptero pluma, as esculturas de Bordalo Pinheiro, o cacilheiro, o bule, o coração independente, o piano, o cão malmequer, os mictórios geminados, a pistola Call Center e as Valquírias? Eu aprecio.
            Felizmente a artista revela-se um pouco indiferente às críticas empedernidas e avança. Joana Vasconcelos, desde 1994, reúne uma equipa, que a ajuda a concretizar as peças imaginadas, formada por senhoras idosas, que fazem crochet, de costureiros, serralheiros, trolhas, engenheiros e divulga aspectos culturais portugueses – o azulejo, Bordalo Pinheiro, a filigrana e a arte popular, que de ouro modo estariam confinados ao nosso pequeno rectângulo. Acham pouco?
            O reconhecimento internacional chegou com a exposição realizada no Palácio de Versalhes (primeira portuguesa que ali expôs individualmente), com a Bienal de Veneza e agora com o Guggenheim de Bilbau (também a primeira portuguesa).
            Tenho o hábito de observar quem observa e sorrir perante as reacções de agrado e surpresa, completamente seduzida por uma obra de arte. No Guggen, vive-se uma escultura, por dentro de uma Valquíria gigante, utilizando diversos espaços que o museu oferece no seu átrio central. Todos os visitantes parecem jovens irrequietos usufruindo da cor, do tacto quando possível, das texturas dos materiais e da escala. Conversam, trocam comentários e reforçam verbalmente certos detalhes. O átrio enche-se e não há vontade para sair dali.
            Alguns consideram que ela é, ou era, a artista do regime. Resta-me apenas dizer que os governos mudam e a obra dela permanece, transportada de um lado para o outro, conquistando o mundo. Permanece também no meu arquivo memorizado, envolta em algum carinho que dedico a todas aquelas mulheres que contribuem para mostrar a arte no feminino.
            Não percam!

Publicado em NVR - 7/11/2018

1 comentário:

Ana do Carmo disse...

Foste aos Bilbas, que inveja. Beijinhos
Ana do Carmo